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Negociando com os japoneses, por Priscilla Peixoto do Amaral

Priscilla Peixoto do Amaral é empresária, advogada especializada em direito empresarial, internacional, contratos, negociações e soluções de conflitos. É mestre (LL.m) em Direito Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas e possui MBA em Strategic Business Management pela Ohio University nos EUA. Escreve no Focus.jor semanalmente, às sextas-feiras. E-mail: priscillacpamaral@gmail.com

Priscilla Peixto do Amaral
Post convidado

Como disse o poeta persa Saadi, “um viajante sem observação é um pássaro sem asas”. O mesmo pode ser dito de um viajante de negócios em um país estrangeiro. Em contraponto, sem dúvidas há um elemento de sofisticação naqueles que conseguem navegar sem esforço em águas estrangeiras. Sinaliza boa presença executiva e demonstra uma preocupação pela civilidade, graça e consideração para com os outros, que não passa despercebida.

Essa preocupação quase sempre tem um efeito bumerangue, especialmente porque não é a norma, já que infelizmente a maioria das pessoas assume que o que é prática lógica e comum em seu território também é ipso facto o caminho certo no resto do mundo.

Também é importante entender que a observância de normas culturais varia de indivíduo para indivíduo dentro de uma cultura, e não, é claro, entre uma cultura e outra. Portanto, quando consideramos questões de etiqueta cultural, é prudente abordá-las como diretrizes e não como evangelho. Etiqueta também não é obrigatória, é um elemento facilitador e as pessoas que estão mais disponíveis a segui-la tendem a ter mais sucesso. Em caso de dúvida, vale a pena errar para o lado do conservadorismo.

O Japão pode ser considerado um paradoxo de décadas. Há tempos, os observadores ficam perplexos com a forma como o Japão pode ser tão avançado em termos de tecnologia e infraestrutura, ao mesmo tempo em que se apega às abordagens culturais tradicionais. As empresas japonesas são ao mesmo tempo inovadoras e disruptivas, mas mantém um forte alinhamento às estruturas hierárquicas tradicionais, aversão ao risco e obsessão por detalhes.

Embora pareça que tudo é “rosa de cerejeira” e apesar de muitas pessoas acharem o Japão fascinante, a maioria considera o país como um destino difícil e um pouco confuso de fazer negócios.

Empresário ocidentais, admirados com o quanto as culturas asiáticas diferem das Américas e da Europa, tendem a pensar na Coréia do Sul, na China e no Japão como praticantes das mesmas formas de relacionamento comercial.  Mas, embora as culturas do leste-asiático em geral tenham em comum uma ênfase nos relacionamentos pessoais como fundamento das práticas comerciais, as formas e os valores desses relacionamentos diferem acentuadamente entre eles. Os chineses pensam em termos de guanxi, os arranjos especiais de compartilhamento de favores que um indivíduo tem com outros indivíduos; lealdades pessoais dentro de tais acordos são mais importantes que lealdade a uma organização.

Por outro lado, os sul-coreanos enfatizam o inhwa, que se relaciona à harmonia entre os desiguais. Para os japoneses, o conceito importante é wa, ou a ênfase na harmonia e consenso do grupo. Os não-asiáticos que esperam fazer negócios de maneira eficaz no leste-asiático precisam entender como esses conceitos se traduzem em normas bem diferentes de práticas comerciais.

Os valores e as características tradicionais que guiaram os japoneses ao longo dos séculos permanecem importantes até hoje na maneira como fazem negócios. Lidar eficazmente com os empresários nipônicos continua a exigir um conhecimento profundo do significado de certos atos que refletem seus valores culturais e costumes sociais subjacentes. A harmonia (wa) é um importante valor cultural da sociedade japonesa e está presente nas três tradições filosóficas e religiosas, isto é, (i) Confucionismo, (ii) Zen-Budismo e o (iii) Xintoísmo, e cada uma dessas tradições possui diretrizes para determinadas áreas da negociação. Senão vejamos:

(i) O Confucionismo, a hierarquia social e o respeito.

O confucionismo é um código social baseado na moralidade e não nas leis, com uma forte promoção de virtudes como cortesia, abnegação, obediência, respeito, diligência, obrigação comunitária, trabalhando para um bem comum, harmonia social e empatia. O conceito de li confucionista gerou as normas éticas para pensar, sentir e agir e estão extremamente presentes na etiqueta social e comercial japonesa – a qual não é tão diferente da do Reino Unido, por exemplo, onde a polidez e as boas maneiras são extremamente importantes.

A estrutura vertical da sociedade japonesa é baseada no conceito confucionista de hierarquia social, que especifica claramente as responsabilidades e obrigações que governam as relações entre os indivíduos, com uma forte ênfase na figura dos professores, superiores e idosos.

Não obstante as muitas mudanças no Japão moderno, a idade é reverenciada neste país e é sinônimo de classificação no cenário empresarial – além de outras características como grau de educação, trabalho ou base de contatos. Uma pesquisa com empresas do Nikkei 225 Index – principal índice econômico da Bolsa de Valores de Tóquio – mostra que os CEOs dessas empresas são consistentemente mais velhos que os de outros países, com uma idade média de 62 anos. Dessa forma, trate os executivos mais velhos com uma deferência mais acentuada do que os mais jovens do grupo com o qual estará interagindo. Por exemplo, certifique-se de cumprimentar a pessoa mais velha antes de cumprimentar outras pessoas.

Em sinal de respeito, no Japão, as pessoas se cumprimentam curvando-se. O arco varia de um pequeno aceno de cabeça (casual e informal) a uma curva profunda na cintura (indicando respeito). Um arco da cabeça de um estrangeiro é geralmente suficiente; a maioria dos japoneses não espera que os estrangeiros conheçam as regras da curva. Apertar as mãos no Japão é incomum.

Entendendo a importância do status, ofereça seu cartão de visita à pessoa mais velha primeiro. No Japão, os cartões de visita (meishi) são talismãs para profissionais de negócios, eles são uma extensão de sua identidade e também indica o lugar de uma pessoa na hierarquia de uma empresa – os japoneses precisam saber disso para decidir como falar com a outra pessoa e que nível de polidez usar. Portanto, é importante observar algumas regras de etiqueta enraizadas que sinalizam respeito pela pessoa. Aceite o cartão com as duas mãos, leia-o brevemente e coloque-o no porta cartão de visita, se estiver em pé; se você estiver sentado, coloque-o na mesa durante o período da reunião e, em seguida, coloque-o no porta cartão de visita. É considerado um grande erro colocar o cartão de visita no bolso ou na carteira. E tome cuidado para não o danificar ou dobrá-lo; isso é considerado um insulto direto.

Sobre o seu cartão, invista em modelos de qualidade e sempre os mantenha em bom estado. Versões bilíngue – isto é, em português e japonês – são considerados de extremo bom gosto. Ao apresentar seu cartão de visita, também o ofereça com as duas mãos. Apresente-os com o lado impresso em japonês voltado para a pessoa que você está oferecendo. Mesmo se você estiver sentado longe da pessoa do grupo, não jogue, empurre, ou peça para o cartão ser repassado. Levante-se e caminhe até ela.

A postura conservadora, sem dúvidas, também está presente na vestimenta. Honre o código não oficial: Os homens devem usar um terno escuro nos meses de inverno com camisa branca e gravata que não seja de cores vivas. Como os meses de verão podem ser muito quentes, é aceitável usar camisas de meia manga e ternos cinza claro. As mulheres também devem se vestir de maneira conservadora, usar cabelos curtos ou amarrados nas costas. Joias chamativas, saltos muito altos ou saias curtas não são considerados apropriados.

Aguarde a orientação do seu anfitrião para onde você deve se sentar. Uma importância excepcional é dada ao assento nas reuniões e a posição é determinada pelo status. Geralmente, a pessoa com a melhor classificação senta-se à cabeceira da mesa e os subordinados sentam-se nos dois lados da mesa.

Dar presentes também é extremamente habitual e é um fator de negociação. Porém, evite flores como lírios, flores de lótus e camélias, já que elas são usadas para serviços funerários. O mesmo se aplica a qualquer flor branca. Os vasos de plantas também carregam superstições negativas, embora um bonsai seja uma boa opção. Evite comprar um conjunto de quatro de qualquer coisa, pois é considerado um número de azar. O número nove também deve ser evitado. Além disso, se você for enviar cartões de natal, não utilize o vermelho, pois os avisos de funeral costumam ser impressos em vermelho. Se você receber um presente embrulhado, a etiqueta deve esperar até que você saia da reunião antes de abri-la.

(ii) O Zen-Budismo: Harmonia, autocontrole, importância do silêncio e flexibilidade.

Em uma situação de crise, inclusive durante uma negociação, o povo japonês tentará manter seu autocontrole, não importa o quê. Manter o autocontrole significa ser capaz de esconder os sentimentos, emoções e reações, inclusive com o objetivo de preservar a harmonia interpessoal. Eles cuidam muito bem do que dizem e de como dizem (tatemae), por exemplo, evitando dizer “não” e, em vez disso, usam expressões menos diretas, como “é difícil”, ou utilizando o silêncio.

Existe um provérbio japonês no sentido de que ‘o silêncio é dourado’ (iwanu ga hana). O silêncio é importante no Japão como resultado do zen-budismo. A verdade não pode ser descrita verbalmente, mas existe apenas em silêncio, pois, embora as palavras sejam necessárias para expressar conceitos, a linguagem dificulta uma compreensão mais profunda da realidade que existe além das palavras. Saber manter-se em silêncio também está ligado à credibilidade. O silêncio fala alto sobre sabedoria e autocontrole emocional. Isso pode ser contrário à nossa abordagem brasileira, onde ser mais extrovertido pode facilitar a comunicação. Uma abordagem formal mais introvertida, especialmente no início de um relacionamento comercial, provavelmente será mais bem recebida ao fazer negócios no Japão. Também resista ao desejo de preencher o silêncio com mais conversas sobre um problema que seu colega japonês prefere evitar no momento.

Na prática budista, há um ditado que diz que ‘a mente mais maravilhosa é como a água’ porque a água muda continuamente de forma para se adaptar a qualquer ambiente. Desta forma, demonstrar flexibilidade durante as negociações, sendo capaz de mudar para se adaptar às novas situações é importante. Os japoneses tendem a tentar encontrar uma maneira apropriada de adaptar seus próprios desejos às exigências de outros e, assim, evitar ofender o parceiro ou prejudicar a harmonia.

Os japoneses estão cientes da impermanência e transitoriedade da vida (mujo) e, assim, entendem que a realidade não é fixa, mas sujeita às constantes mudanças. Esta vertente pode ser observada inclusive na elaboração dos contratos. No Japão, a assinatura do contrato escrito não significa o fim das negociações, pois o povo japonês acredita em circunstâncias mutáveis ​​(jijō henkō) e as cláusulas muito precisas do contrato assinado não são consideradas definitivas, mas estão sempre abertas para renegociações, mesmo logo após ser assinado. Termos específicos perdem a validade se as circunstâncias mudarem e as condições se tornarem desfavoráveis ​​para qualquer parte. Eles devem ser adaptados às mudanças que ocorrem com o objetivo de alcançar resultados mutuamente satisfatórios e manter um relacionamento de longo prazo (nagai tsukiai). Isso se baseia na convicção de que ambas as partes de um contrato devem ajudar-se mutuamente quando surgirem problemas, pois isso será devolvido no decorrer de um relacionamento de longo prazo.

Ainda com relação aos contratos, muitas vezes os ocidentais cometem o erro de apresentar um contrato legal detalhado, unilateral e demorado nesta fase. Isso assusta os japoneses e identifica imediatamente os negociadores estrangeiros como adversários. Obviamente, um contrato por escrito deve ser feito, mas deve ser desenvolvido em conjunto no decurso das negociações. Os ocidentais geralmente querem que o contrato indique compromissos, condições e restrições em linguagem precisa, que não serão passíveis de interpretação posterior. Por outro lado, os japoneses consideram que o contrato escrito deve ser uma “declaração de intenção e tratar de detalhes apenas quando descreve a tecnologia ou os serviços que a empresa estrangeira deve fornecer. Cada um pode achar necessário fazer algumas concessões ao ponto de vista do outro a esse respeito.

Outra característica importante derivada do zen-budismo é evitar ser impetuoso e abrasivo. Esse comportamento pode resultar em falta de confiança e você pode não ser levado muito a sério. Uma abordagem de negociação difícil não terá sucesso no Japão. Substitua a abordagem confrontadora de alta pressão por uma apresentação mais suave e persuasiva que mostre as virtudes do que você está propondo. Encontre pontos de acordo e desenvolva-os. Não exagere nas decisões e prazos. Entenda que o estilo de tomada de decisão japonês é por consenso – tentar acelerar o processo pode parecer desrespeitar sua maneira de fazer negócios. Em vez de ser impaciente, tente ver o longo processo como uma oportunidade para construir confiança e consolidar o relacionamento.

(iii) O Xintoísmo e a importância dos grupos e dos relacionamentos interpessoais.

A sociedade japonesa dá muita importância ao grupo ou comunidade (ie) e à sua função social como núcleo em torno do qual trabalho e vida giram. Assim, o indivíduo existe como membro de um grupo e seu comportamento deve ser educado e apropriado para promover a cooperação dentro dele.

Dessa forma, os japoneses preferem trabalhar como membros de grupos do que individualmente. Ao negociar, lembre-se de que não é suficiente convencer apenas uma pessoa – todo o grupo deve ser conquistado, e isto se dá muitas vezes através do processo ringi, seguido por praticamente toda as grandes empresas japonesas, e muitas pequenas. O sistema baseia-se no princípio de que as decisões serão tomadas por grupos, de acordo com um consenso livre. Geralmente, é formalizado por uma espécie de boletim interno ou ringisho, que carrega fatos pertinentes e uma recomendação preparada por alguém do nível de gerência intermediária. A proposta é passada para cima e horizontalmente para todos os envolvidos. Espera-se que cada homem que veja o ringisho estude a proposta e aponha seu selo nela. Por fim, chega ao presidente da empresa e, quando o selo vermelho é colocado, a política é adotada oficialmente.

Se a reação de uma pessoa a uma proposta for negativa, sua melhor chance de contornar a situação ocorrerá nas muitas reuniões que podem ser convocadas para reconsiderar a proposta. No entanto, uma vez alcançado um consenso, é difícil um indivíduo bloquear a decisão, pois uma desaprovação unilateral ofende o espírito de grupo japonês. Alguns homens, no entanto, fazem isso riscando o ringisho. Outros mostram sua objeção afixando seus selos de cabeça para baixo.

O ideal de grupo também se demonstra claro quando o japonês coloca o interesse nacional em primeiro lugar. Eles avaliam qual o impacto do objeto da negociação para a posição competitiva do Japão na economia mundial. Os executivos podem começar a negociação perguntando “Isso é bom para o país?” em vez da pergunta “Isso é bom para nós, nossa instituição?”. Essa rígida conformidade, obediência e senso de propósito nacional ajudaram a impulsionar o Japão no pós-guerra.

Além do consenso de grupo, também é importante estabelecer um relacionamento mais pessoal com a sua contraparte, vez que os empresários japoneses têm uma confiança maior naqueles com quem eles socializam e conhecem do que naqueles que apenas procuram fazer negócios. Assim, os japoneses gastam muito tempo e dinheiro estabelecendo relacionamentos interpessoais antes de fazer negócios. Essas reuniões informais fora do ambiente de trabalho consistem em atividades sociais, como jantares ou karaokê.

Em conclusão, o sucesso de uma negociação e a manutenção da relação à longo prazo é resultado de uma boa comunicação, a qual está intimamente ligada à cultura e aos costumes das partes envolvidas. Assim, é imprescindível dedicar algum tempo para entender os três. Esse é especialmente o caso, pois, de todas as culturas empresariais do mundo, fazer negócios no Japão é fortemente orientado por relacionamentos, confiança e harmonia.

Deve-se ter em mente que os japoneses são bem informados e bem preparados e que, em reciprocidade, os estrangeiros que desejam fazer negócios no Japão devem ter a vontade de entender profundamente os valores culturais japoneses.

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