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Sangue, suor e lágrimas. A liderança em tempos de crise, por Priscilla Peixoto do Amaral

Priscilla Peixoto do Amaral é empresária, advogada especializada em direito empresarial, internacional, contratos, negociações e soluções de conflitos. É mestre (LL.m) em Direito Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas e possui MBA em Strategic Business Management pela Ohio University nos EUA. E-mail: priscillacpamaral@gmail.com. Escreve semanalmente no Focus.

Priscilla Peixto do Amaral
Post convidado

Em 15 de maio de 1940, o telefone ao lado da cama de Churchil, primeiro-ministro da Grã-Bretanha, tocou logo após as sete da manhã. Na linha estava Paul Reynaud, o primeiro-ministro da França. Suas primeiras palavras transmitiram a mensagem: “Fomos derrotados”. Nesta altura, Hitler já havia conquistado a Europa Central, a Bélgica, a Holanda e agora, a França; O exército nazista avançava em grande velocidade rumo à Grã-Bretanha, revelando-se uma poderosa e impressionante máquina bélica.  Os dias que se sucederam não foram fáceis. O período de domingo, 26 de maio a terça-feira, 28 de maio, podem ser considerados os três dias mais dramáticos da história da Grã-Bretanha.

Estes acontecimentos ocorreram poucos dias após Churchill assumir o posto de primeiro-ministro, em 13 de maio. Na ocasião de sua posse e em meio ao caos generalizado, onde somente “um milagre poderia salvar a Grã-Bretanha”, Churchill discursou firme perante o Parlamento sem fazer qualquer promessa, preparando o povo para os difíceis anos de sofrimentos e incertezas que se prenunciavam. Contudo, a maior prova de sua liderança, inteligência e capacidade política foi jamais furtar-se à realidade dos fatos ao comunicar-se com os ingleses. Mestre em oratória que era, ele convocou a conhecida força moral do povo inglês, que com certeza lutaria até a morte. A duríssima sinceridade do primeiro-ministro, que inspirou os britânicos, sem dúvidas foi um dos motivos decisivos para a vitória dos aliados ao final do conflito.

Em parte de seu discurso: “Direi à Câmara o mesmo, que disse aos que entraram para este Governo: Só tenho para oferecer sangue, sofrimento, lágrimas e suor. Temos perante nós uma dura provação. Temos perante nós muitos e longos meses de luta e sofrimento.  (….) Os senhores perguntam: qual é nosso plano de ação? Posso dizer: é travar guerra, por mar, terra e ar, com todo o nosso poder e com toda a força que Deus possa nos dar; travar guerra contra uma monstruosa tirania jamais suplantada no sombrio e lamentável catálogo dos crimes humanos. Este é o nosso plano de ação. Os senhores perguntam: qual é nosso objetivo? Posso responder em uma palavra: é a vitória, a vitória a todo o custo, a vitória a despeito de todo o terror, a vitória por mais longa e árdua que seja a estrada; pois sem vitória não há sobrevivência.”

Mas Churchill não está sozinho. Tal como ele, outros brilhantes líderes mobilizaram o povo em situações de caos e medo.

Para atravessar um tempo de crise, além da necessidade de reavivar os sentimentos de moral do povo, de incentivar a união da nação e de manter uma comunicação clara e real, como Churchill fez, um líder também precisa possuir uma combinação quase paradoxal de duas habilidades: autoconfiança e humildade – não a humildade pessoal, mas a humildade intelectual.  Para navegar com sucesso pela crise, os bons líderes rapidamente se acostumam com a ambiguidade e o caos generalizado, reconhecendo que não possuem um manual de instruções. Em vez disso, eles se comprometem a navegar através da turbulência, ajustando, improvisando e redirecionando conforme a situação muda e novas informações surgem. Líderes corajosos também entendem que cometerão erros ao longo do caminho e terão que mudar rapidamente de direção conforme isso aconteça, aprendendo à medida que avançam.

Abraham Lincoln é conhecido por esta habilidade. O décimo sexto presidente dos Estados Unidos domina a história americana e a memória popular como nenhum outro. Lincoln entrou na Casa Branca em um momento de suprema crise, foi capaz unir seus compatriotas num período extremamente difícil, levou o Norte à vitória contra o Sul na Guerra de Secessão, conseguiu a abolição da escravidão e pronunciou um dos discursos mais inspirados da história americana, uma declaração única de sua essência. Cada palavra está repleta de significado para o povo americano. Verdadeiramente, grandes líderes sabem – não apenas retoricamente, mas realmente aceitam e internalizam – que eles podem estar errados.

Ser um arauto do otimismo também é importante para um grande líder. Quando Franklin D. Roosevelt foi eleito pela primeira vez em 1932, herdara a Grande Depressão resultante da quebra da bolsa de valores de Nova Iorque. Para esta difícil tarefa, invocou uma das frases mais lembradas do século XX: “A única coisa que temos a temer é o próprio medo”. Pela rádio, F. D. Roosevelt constantemente passava mensagens otimistas e reforçava a autoestima dos americanos, pedindo-lhes que não desanimassem, pois “dias melhores voltariam, e a América seria novamente pródiga com seus filhos.”.

Mais uma vez na história estamos vivenciando uma crise.  Em 05 de abril de 2020, frente à pandemia do novo coronavírus, a Rainha Elizabeth II fez um raro discurso ao povo britânico. Das suas palavras saíram o que eles esperavam: Lidou com a verdade da pandemia e pediu a união e entusiasmo do povo.  “Devemos acreditar que, embora tenhamos mais ainda para suportar, dias melhores voltarão: estaremos com nossos amigos novamente; estaremos com nossas famílias novamente; nós nos encontraremos novamente”, disse a rainha, que tradicionalmente é uma figura que representa uma fortaleza ao povo britânico.

As suas palavras não apenas lembraram o que Churchil fez em 1940, mas possuem fundamento em centenas de anos de história britânica, desde o nascimento do iluminismo inglês com os ensinamentos de Hume, Adam Smith e Burke, que possuem um foco maior nas virtudes, não necessariamente as virtudes individuais, mas as “virtudes sociais”, tais como compaixão, benevolência e simpatia. Para os britânicos, elas naturalmente unem as pessoas, historicamente garantem maior estabilidade política, bem como como produzem uma incrível proliferação de atos filantrópicos.

Os custos econômicos das crises são surpreendentes, mas os efeitos mais importantes das crises podem ser políticos e sociais. Elas aumentam a polarização política e a ascensão de movimentos populistas de esquerda e direita, da Europa aos Estados Unidos, do Brexit ao Trumpismo. O que a história e a ciência política nos mostra é que as habilidades humanas, não somente técnicas, são necessárias para o enfrentamento de momentos difíceis.

Grandes líderes definiram metas claras e confiáveis. Não apenas as estratégias eram brilhantes, mas eles fizeram com que todos entendessem e acreditassem nelas. Isso requer comunicação. Ao falar a verdade, por pior que esta seja, o líder estabelece um insuperável vínculo de confiança com seus liderados. Falar a verdade é uma conduta que jamais custará caro para um homem público, que até poderá ser incompreendido, receber duras críticas e até deixar o poder, mas não perderá seu lugar na história.

Com as habilidades de autoconfiança e humildade, estes líderes ganharam stakeholders de compromisso. Envolveram os corações e mentes de seu povo, despertando as possibilidades e ganhando os seus compromissos. Eles fazem isso mantendo uma comunicação aberta e saudável para gerar pessoas energizadas e vivas. O povo começa a possuir um senso de propósito e sabem para onde estão indo, em parte porque têm um líder que lhes disse.

Numa era de individualismo exacerbado, de monopólios de razão e de extrema polarização política, é importante lembrarmos que o “mundo não começou hoje”, tampouco com Churchill, Lincoln, Franklin D. Roosevelt e companhia. Mas uma nação relativamente nova como a nossa, em muito precisa aprender com as nações que já enfrentaram várias batalhas anteriormente. Sobretudo, em como ultrapassar o temor e fazer com que façamos pela sociedade coisas melhores e mais difíceis do que podemos fazer por nós mesmos. Comportamentos-chaves que cingem e inspiram as pessoas em tempos difíceis.

Para dias melhores, também lembro a citação do grande presidente americano John F. Kennedy: “Não pergunte o que o seu país pode fazer por você, e sim o que você pode fazer por seu país “.

Os grandes líderes são forjados pela história ou eles moldam a história? Talvez ambos. Thomas Carlyle, o escritor escocês, declarou famosa frase: “A história do mundo é apenas a biografia de grandes homens”.

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