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Negociando com chineses, por Priscilla Peixoto do Amaral

Priscilla Peixoto do Amaral é empresária, advogada especializada em direito empresarial, internacional, contratos, negociações e soluções de conflitos. É mestre (LL.m) em Direito Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas e possui MBA em Strategic Business Management pela Ohio University nos EUA. Escreve semanalmente no Focus. E-mail: priscillacpamaral@gmail.com

Priscilla Peixoto do Amaral
Post convidado

As empresas chinesas estão investindo cada vez mais em empresas no exterior. Em 2015, a economia chinesa passou por um marco significativo. À medida que a economia chinesa se torna mais avançada, o investimento estrangeiro chinês entra em uma nova fase de prioridades e interesses.

Além da disposição chinesa por companhias estrangeiras, a China atualmente é classificada como a segunda maior receptora de Investimento Direto Estrangeiro (IDE) do mundo, ficando atrás apenas dos Estados Unidos e antes de Hong Kong, sendo o maior da Ásia, conquista esta derivada dos planos de liberalização, do rápido desenvolvimento do setor de alta tecnologia e do estabelecimento das zonas de livre comércio. Com isso, o país foi listado como a segunda economia mais atrativa para as empresas multinacionais em 2017–2019, ficando atrás, novamente, apenas dos Estados Unidos.

E se as previsões estiverem corretas, o fluxo de negociação sino-ocidental aumentará nos próximos anos. No entanto, certos fatores podem dificultar a efetivação desses investimentos, e dentre esses fatores, destaco especificamente as dificuldades durante as negociações comerciais, as quais são resultantes da falta de compreensão do contexto amplo da cultura e dos valores chineses, por parte dos ocidentais.

Felizmente, investidores inteligentes sempre ganharam dinheiro na China. Eles se preparam para este encontro estudando a cultura da nação e consultando seus advogados de negociação para entender mais sobre as “regras do jogo”, as quais focarei neste artigo.

Se você está se preparando para uma viagem de negócios à China, ao certo já foi aconselhado sobre as típicas regras de etiqueta para aquela cultura. As indicações variam entre levar uma boa centena de cartões de visitas, falar em frases objetivas e se vestir de forma conservadora. Regras de etiqueta podem levar você ao próximo passo, que é ser recebido com carisma pelos seus parceiros comerciais, mas, quando falamos em fechar negócios e manter relações a longo prazo, as estratégias de negociação com a cultura chinesa se torna mais complexa.

E para entender estas regras, precisamos compreender um pouco da história que pode datar de 2070 a.C, na dinastia Xia. Cinco áreas culturais estão fortemente ligadas ao jogo chinês de negociação: (1) O agrarianismo; (2) A moralidade; (3) A língua pictográfica chinesa; (4) A cautela do povo chinês em relação aos estrangeiros; (5) E o guanxi.

(1) O agrarianismo fala muito sobre o ritmo de negociação dos chineses. Mesmo os chineses mais modernos são afetados por milênios de vida perto do solo. Ao extremo oposto do urbanismo, principalmente do norte-americano, a maioria do povo chinês ainda vive em áreas rurais, trabalhando em sua maior parte no cultivo de arroz ou trigo. A agricultura tradicional chinesa é a agricultura camponesa. Isso significa que na China não há pressa nas negociações; ritmos agrários duram muito. Os negociadores chineses tendem a fazer longas reuniões e utilizam muito bem do silêncio como tática de negociação. Naturalmente, isso deixa os ocidentais na posição incômoda de negociar, fazer perguntas, diretamente ou através do intermediário (falarei sobre este personagem mais adiante), enquanto os chineses usam a paciência e o silêncio como armas formidáveis ​​contra a impaciência e a volubilidade dos ocidentais.

(2) O segundo pilar cultural presente nas negociações é a moralidade, que no conceito chinês envolve ser leal, honroso e obediente à hierarquia familiar. Este pilar tem fundamento nos escritos de Confúcio, os quais serviram como base da educação chinesa por cerca de 2.000 anos. Confúcio sustentava que uma sociedade organizada sob um código moral benevolente seria próspera e politicamente estável e, portanto, protegida de ataques. Confúcio também estava menos preocupado em encontrar a verdade e mais preocupado em encontrar o caminho.

Assim, os negociadores chineses estão mais preocupados com os meios do que com o fim, com o processo mais do que o objetivo. Os melhores compromissos são obtidos apenas através do ritual de vaivém. Este processo não pode ser interrompido. E um compromisso permite que os dois lados mantenham posições igualmente válidas. Enquanto os ocidentais tendem a acreditar que vale a pena discutir a verdade e até mesmo ficar com raiva, os chineses acreditam que o caminho é difícil de encontrar e, portanto, dependem de discussões para resolver as diferenças.

Ainda ligada à moral chinesa, está o chiku nailao (resistência, implacabilidade e o trabalho duradouro). Enquanto os ocidentais valorizam muito o talento como chave do sucesso, os chineses veem o chiku nailao como algo muito mais importante e honroso. É por isso que as crianças chinesas frequentam a escola 251 dias por ano, em contraste com o ano escolar de 180 dias dos norte-americanos, que ainda é menor do que o brasileiro de 200 dias. Para a cultura chinesa, o trabalho duro é o ideal: testemunhe como a longa marcha de 18 meses do presidente Mao o levou ao povo chinês. E essa diligência arraigada agora impulsiona a florescente economia de livre empresa do país.

chiku nailao é refletido na mesa de negociação quando, por exemplo, os chineses são tradicionalmente conhecidos por se esforçarem mais na preparação para as negociações do que os ocidentais. O status social, ou shehui dengji, também faz parte do conceito de moralidade chinesa, vez que os valores confucionistas de obediência e deferência aos superiores permanecem fortes. A formalidade chinesa é muito mais profunda e o estilo casual do ocidente não joga bem. Assim, não enviar um representante à altura para as negociações pode colocar o seu projeto em risco.

Para descobrir se você possui os requisitos necessários de moral, o chinês provavelmente usará do renji hexie, isto é, da harmonia interpessoal, a qual é de suma importância nas relações entre os parceiros de negócios, embora o respeito e a responsabilidade sejam a cola que une relacionamentos. Praticar o renji hexie pode incluir visitas domiciliares, convites para eventos esportivos e longos jantares durante os quais tudo — exceto negócios — é discutido. Não há outra maneira. Para os chineses, qualquer tentativa de fazer negócios sem ter estabelecido um renji hexie suficiente é rude. O ponto positivo é que se você fizer o possível para manter o renji hexie, os chineses considerarão os seus interesses, mesmo que as negociações sejam difíceis.

(3) O terceiro segmento cultural é a língua pictográfica chinesa. O chinês tende a um processamento mais holístico da informação, e isto é resultado da forma escrita que aprendem ainda em tenra idade, ao contrário do pensamento linear de letras e números das crianças ocidentais. Esse processo linguístico é notável durante as negociações quando percebemos que os chineses pensam em “termos do todo”, enquanto os ocidentais pensam de forma sequencial, dividida por etapas e tarefas, por exemplo, primeiro discutindo quantidade, depois preço, garantias, entregas e assim por diante. Pode parecer confuso aos ocidentais quando os chineses tendem a falar sobre essas questões de uma só vez, muitas vezes pulando entre elas, dando a sensação de que nada está sendo resolvido.

Como não há linearidade, os ocidentais podem ficar um pouco confusos para conseguir medir o progresso da negociação, item essencial para bons resultados. Desta forma, minha dica é: Prepare-se para discutir todas as questões simultaneamente e em uma ordem aparentemente aleatória. Nada está resolvido até que tudo esteja.

(4) O quarto segmento é a cautela do povo chinês em relação aos estrangeiros. Com a longa e violenta história de ataques do país em todos os pontos do mundo, e também ataques dentro do seu território, pode-se dizer que os chineses confiam em apenas duas coisas: suas famílias e suas contas bancárias.

A “conta bancária” tem a ver com a longa história de instabilidade econômica e política da China, a qual ensinou seu povo a economizar dinheiro, uma prática conhecida como jiejian. De acordo com a Euromonitor International (empresa de pesquisa de mercado), os chineses economizam quase quatro vezes mais da renda familiar do que os americanos. Assim, durante as negociações, os chineses costumam ser duros nos resultados econômicos do negócio. O último ponto, mas não menos importante, é o guanxi. Não há uma tradução exata para guanxi, que possui um conceito linguístico complexo e muito arraigado na cultura chinesa, mas que posso descrever como uma expressão fundamental que designa a complexa rede de relações indispensáveis ao funcionamento social, político e organizacional na China.

Nos negócios, ao contrário dos ocidentais que valorizam o networking formal, informações técnicas e instituições, os chineses valorizam o capital social das pessoas em seu grupo de amigos, parentes e associados próximos. Em geral, o povo de cultura leste-asiática busca obter informações sobre a reputação pessoal de um potencial parceiro de negócios. E esqueça a opção de mostrar sua credibilidade somente ao longo da relação. Nos negócios, a confiança não pode ser “conquistada aos poucos”, porque nem mesmo as relações comerciais podem ser formadas sem ela. Em vez disso, a confiança deve ser transmitida via guanxi.

Uma maneira de vencer esta barreira é contar com a introdução de terceiros, que eles chamam de “intermediador”, ou zhongjian ren, um nativo chinês que dará referências sobre você. Assim. “Se o Sr. B apresenta o Sr. C ao Sr. A, então o Sr. A confiaria no Sr. C, porque o Sr. A confia no Sr. B. E o Sr. A sabe que, se o Sr. C se sai muito mal, então o Sr. B fica muito envergonhado, e o relacionamento entre o Sr. A e o Sr. B fica muito fraco.”.

Além de ser importante durante o processo de apresentação, o intermediário chinês se demonstra indispensável durante as negociações. Na China, o intermediário — e não o negociador — traz à tona a questão comercial a ser discutida. E é o intermediário que geralmente resolve as diferenças. Outro ponto importante para a presença do intermediário está atrelado ao fato de que somente um falante nativo pode ler e explicar os humores, entonações, expressões faciais e linguagem corporal que os negociadores chineses exibem durante uma sessão formal de negociação. Frequentemente, apenas o zhongjian ren pode determinar o que está acontecendo. (Lembre-se da linguagem holística).

Durante uma negociação, é difícil para a cultura leste-asiática utilizar o “não” claro e direto como o ocidental. Mesmo quando a proposta parece não ser interessante, para evitar o “não” os empresários muitas vezes preferem mudar de assunto, silenciar, fazer outra pergunta ou responder usando expressões ambíguas e vagamente positivas com implicações negativas sutis, como hai bu cuo (“parece não estar errado”), hai hao (“parece razoavelmente correto”) e hai xing ou hai ke yi (“parece razoavelmente aceitável”).

Quando um ocidental impaciente pergunta o que os chineses pensam de uma proposta, esses oferecerão a kan kan ou yanjiu yanjiu, o que significa: “Vamos dar uma olhada” ou “Vamos estudá-la”. É aqui que o zhongjian ren pode intervir porque é um intérprete, não somente de palavras, mas de cultura. Frequentemente, as duas partes podem dizer francamente ao intermediário o que não podem dizer uma à outra.

Por fim, porém não menos importante, é outro aspecto do bom guanxi: A reciprocidade entre as partes, a qual os chineses chamam de hui bao. Mas, diferentemente da cultura ocidental onde esperamos que a reciprocidade seja demonstrada no mesmo dia na mesa de negociação, os favores chineses são a longo prazo, porém sempre lembrados e devolvidos. (Lembra-se que o tempo da lavoura demora? Aí está ele novamente.) O hui bao é uma pedra angular de relacionamentos pessoais duradouros. Ignorar a reciprocidade na China não é apenas má educação; é imoral. Se alguém é rotulado de wang ‘en fuyi (alguém que esquece favores e falha na justiça e lealdade), isso envenena o seu background para todos os negócios futuros na China.

Fazer negócios com chineses será uma tendência nos próximos anos. Negociar globalmente exige resiliência e respeito às culturas da contraparte. Esteja preparado para lidar com esta gama de informações e, por certo, obterá sucesso em seus projetos.

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