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O “lockdown” é necessário. Entendeu ? Não! Por José Carlos Parente

José Carlos Parente de Oliveira é graduado em Física pela Universidade Federal do Ceará, mestre em Física pela Universidade Federal do Ceará, doutor em Física pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e Pós-Doutorado pela University Of Wyoming (EUA). Atualmente é Professor Associado da Universidade Federal do Ceará, ex-avaliador Institucional do INEP e ex-presidente da Câmara de Educação Superior do Conselho de Educação do Ceará.

Por José Carlos Parente
Post convidado

Os dados da Covid-19 no Ceará, relativos a casos confirmados e em investigação, a mortes e à curva de Contágio, nos parece indicar que a pandemia está iniciando o seu patamar de pico o que pode tornar a medida de “lockdown” inócua e desnecessária e, por isso, mais prejudicial que a própria pandemia.

O governador do Ceará decretou o confinamento residencial das famílias cearenses, a partir de hoje, por recomendação do Comitê Científico do Consórcio do Nordeste. Acessamos a página eletrônica desse Comitê às 14:25 h do dia 07/05/2020. Na aba Boletim consultamos o Boletim Nº 6, datado de 05/05/2020, que tem como título, “Comitê Científico propõe contratação de médicos intensivistas, regulação de vagas em UTI, planejamento de lockdown e afirma: “é fundamental ampliar a proteção aos profissionais de saúde”.

Já na página 1 deste boletim é afirmado, “Nos gráficos abaixo, com dados até o dia 04 de maio, pode-se observar a curva de contágio nos municípios do Nordeste, com segmentação por Estado. Embora haja variação entre eles, a curva é sempre ascendente e indica a necessidade de medidas de achatamento da curva, o que só reforça a urgência de aplicação das medidas de restrição de mobilidade.” (negrito nosso)

Os gráficos referidos são mostrados abaixo na Figura 1 e eles contêm o número de municípios na região Nordeste, com casos confirmados de Covid-19 e não o número de pessoas acometidas de Convid-19.

O Comitê concluiu, então, sem mostrar as evidências, que o aumento no número de municípios com a presença de Covid-19 necessariamente significa aumento de casos e de mortes por Covid-19, pois ele afirma que a Curva de Contágio é sempre ascendente. Evidentemente, esta correlação não pode ser estabelecida sem que haja uma forte e consistente argumentação. Entretanto, essa argumentação não está mostrada no boletim.

Entendemos que para decretar uma medida tão restritiva e aterradora e de graves consequências humanas, sociais, econômicas e de saúde pública o Governador do Estado deveria demonstrar para a população no quê sua decisão está baseada, e não apenas dizer que por recomendação dos cientistas e da ciência ele está tomando tal e qual decisão. Dito desta forma o Governador do Estado está se eximindo de qualquer responsabilidade caso não aconteça o que foi projetado, pois ele estava apenas seguindo as recomendações da ciência. E se todo o projetado se mostrar certo, as glórias do acerto da medida pertencerá aos cientistas?

Por que a população não pode, embora tenha todo o direito, conhecer quais condicionantes os modelos utilizam, quais parâmetros foram considerados na construção dos cenários? Por que o mistério com as ciências que guiam as decisões do Governo do Ceará?

Uma das principais características da ciência, e que a difere das demais atividades dos humanos, é a sua capacidade de se fortalecer, se desenvolver e de se transformar em melhor a partir de críticas abertas, fundamentadas e consequentes.

Neste ponto podemos nos perguntar, como se comportam os casos confirmados e em investigação, e o número de mortes no Ceará?

Os dados de Casos Confirmados, Em Investigação e Mortes por Covid-19 no Estado do Ceará constam de sua pagina oficial IntegraSUS, na aba Boletim Epidemiológico Novo Coronavírus (Covid-19).

CASOS DIÁRIOS CONFIRMADOS

A Figura 2 a seguir mostra o número de Casos Confirmados Diários de Covid-19 no Ceará, em que é mostrada uma linha vertical no dia 19/03, o dia em que se deu o início da decretação do afastamento social e outras medidas restritivas.

Claramente observamos que no Ceará há cerca de duas semanas o número de Casos Confirmados Diários está diminuindo acentuadamente, ou seja, os casos registrados diariamente diminuem há cerca de semanas. Também observamos que houve duas ondas de infecção, uma entre 12/março e 11/abril e a segunda de 12/abril até nossos dias e que se mostra em descenso.

Da Figura 2 acima é evidente que no Ceará não ocorreu aumento consistente na curva de Casos Confirmados.

Uma possível explicação para estas duas ondas é: a primeira onda foi devida ao avanço da Covid-19 no Meireles (onde o contágio iniciou), Aldeota, Papicu e Barra do Ceará. A segunda onda, devido o avanço da Covid-19 nos demais bairros de Fortaleza. A segunda onda NÃO se trata de reinfecção!

O distanciamento social pode ser a explicação para a diminuição do número de casos a partir da segunda semana de seu início. Contudo, a curva dos casos confirmados volta a crescer cerca de quatro semanas do início do distanciamento social. Esse crescimento, a partir 19-20/abril, parece ser o resultado do tênue isolamento social experimentado na periferia de Fortaleza (muitas pessoas na mesma casa, casas “coladas umas às outras”, inexistência de saneamento, menor adesão por razões de instrução, etc.).

Dos resultados da curva de Casos Confirmados mostrados na Figura 2 pode ser inferido que a presença da Covid-19 na periferia já ocorre há cerca de 5-6 semanas. Portanto, parece não fazer sentido a afirmativa das autoridades do Ceará que “agora” é a vez da Covid-19 atacar na periferia.

Essa explicação parece pouco consistente: sabemos que a maioria dos colaboradores de residências e empresas (seguranças, porteiros, trabalhadoras domésticas, zeladores, funcionários de hotéis e de restaurantes, etc.) que trabalham no Meireles e Aldeota, por exemplo, levou de ônibus e metrô, o SARS-CoV-2 para a periferia, desde os primeiros casos registrados em Fortaleza. Ou seja, a periferia encontra-se com o contágio pelo SARS-CoV-2 e acometidos de Covid-19 há pelo menos 4-5 semanas.

CASOS DIÁRIOS CONFIRMADOS MAIS CASOS DIÁRIOS EM INVESTIGAÇÃO

Alguém poderá argumentar: “Ora, sabemos que há muitos casos ainda Sob Investigação e esse contingente poderá mudar a curva de casos confirmados”. Vejamos esta curva, então.

Vamos supor que todos os Casos Diários Sob Investigação resultem positivos e se transformem em Casos Confirmados Diários. Assim, a nova curva de Casos Confirmados por dia é mostrada na Figura 3 abaixo, em que se adicionaram todos os casos Em Investigação aos Casos já confirmados.

Da Figura 3 é patente que no Ceará também não há aumento consistente na curva de casos já confirmados mais os que estão em investigação. Muito pelo contrário, pois se observa um decréscimo acentuado de casos desde duas semanas atrás.

A análise do comportamento da curva de total de casos é semelhante à Figura 2 com os dados para apenas os casos diários confirmados: houve uma redução no número de casos duas semanas do início distanciamento social. Para logo a seguir apresentar um aumento considerável de casos de Covid-19 na periferia de Fortaleza, por razões já explicitadas.

MORTES DIÁRIAS

Vamos agora olhar para a curva de Mortes Diárias no Ceará. A Figura 4 a seguir mostra o número de Mortes Diárias de Covid-19 no Ceará, em que é mostrada uma linha vertical no dia, 19/03, em que se deu o inicio do afastamento social e outras medidas restritivas.

As mortes no Ceará iniciaram-se no dia em que as medidas restritivas foram decretadas. A partir deste dia as mortes cresceram lentamente, estabilizando-se no período entre 16/abril e 25/abril. Essas mortes ocorreram em virtude da primeira onda de casos confirmados (Meireles, Aldeota, Barra do Ceará) referida anteriormente A partir dai as mortes voltam a crescer, estabilizando-se por cerca de 10 dias, voltando a diminuir há uma semana.

ACUMULADO: SOMA DE CASOS CONFIRMADOS, EM INVESTIGAÇÃO E MORTES

Agora é a vez de olharmos para a curva de Acumulados, que é a soma dos casos Confirmados, Em Investigação e Mortas dia a dia. A Figura 5 a seguir mostra o número de Acumulados, também conhecida como Curva de Contágio. Na Figura 5 é mostrada uma linha vertical no dia, 19/03, em que se deu o inicio do afastamento social e outras medidas restritivas.

Da forma como esse gráfico está mostrado é difícil perceber alguma variação na taxa de crescimento da curva. Vamos então mostrar esta curva utilizando uma escala logarítmica no eixo do número de acumulados. A Figura 6 a seguir mostra estes mesmos dados, mas em escala logarítmica.

Nesta escala é bem mais fácil perceber que o crescimento do acumulado total tem diferentes “taxas de crescimento”, ou seja, em diferentes períodos (uma semana, duas semanas, etc.) é possível sabermos como o contágio se comporta: o contágio está crescendo ou diminuindo e quanto cresceu ou diminuiu.

As linhas tangentes coloridas à curva de contágio na Figura 6 nos fornecem a taxa de variação (a quantidade de pessoas que são contagiadas por dia): quanto mais íngreme a reta tangente maior o número de pessoas contagiadas por dia, quanto mais próximas da horizontal, ou menos inclinadas, menor o número de contagiados por dia. Exemplificando: as taxas de contágio no Ceará variaram aproximadamente como mostradas na Figura 6, e sempre com uma tendência de decréscimo: a reta 1 em vermelho, da Figura 6, nos fornece a informação que a cada 10 pessoas contagiadas, elas contaminam 25 outras pessoas por dia; a reta 2 em laranja nos informa que a cada 10 pessoas contagiadas, elas contaminam 15 outras pessoas por dia; a reta 3 em preto informa que a cada 10 pessoas contagiadas, elas contaminam 18 pessoas por dia; a reta 4 em marrom informa que a cada 10 pessoas contagiadas, elas contaminam 17 outras pessoas por dia e a reta 5 em verde informa que a cada 10 pessoas contagiadas, elas contaminam 11 outras pessoas por dia.

É inequívoco que a taxa de contaminação no Ceará tem diminuído sistematicamente e parece caminhar para a estabilização e, após 2-3 semanas, essa taxa iniciará um decrescimento em seu valor.

Entretanto, neste momento o que mais nos interessa é verificar o comportamento da Curva de Contágio nas últimas quatro semanas para ter uma ideia precisa do que está ocorrendo: a quantidade de novos contagiados aumentou? estabilizou? diminuiu?

A Figura 7 abaixo mostra a Curva de Contágio nas últimas quatro semanas. É claramente visível que a taxa de crescimento do contágio diminuiu de aproximadamente 17 pessoas contaminadas dia para 11 contaminadas, para cada grupo de 10 pessoas já contaminadas.

Uma inferência que se pode fazer deste comportamento é que a Curva de Contágio em sua porção final está tendendo para o seu patamar máximo, ou seja, está tendendo para o patamar de pico da curva, semelhantemente ao que ocorreu na Espanha, Itália, Reino Unido, Portugal, Israel, França, entre outros. No passo seguinte, em cerca de duas semanas, a curva iniciará uma diminuição no número de novos casos e novas mortes.

Outra forma de ver como se comporta da Curva de Contágio é calcular a Taxa de Crescimento Relativa, ou seja, nós dividimos o número de acumulados de um dia pelo número de acumulados do dia anterior. Com esta razão é possível saber se está havendo aumento na taxa de crescimento do contágio. A Figura 8 abaixo mostra a variação da taxa de crescimento de contágio no Ceará.

Observamos que a taxa de crescimento do contágio diminui sistematicamente, aproximando-se de 1, para em seguida. O aumento experimentado em duas semanas de março foi ocasionado pela “explosão de casos” no Meireles, Aldeota e Barra do Ceará. De toda esta discussão, estamos entendendo que o lockdown, se continuado, poderá se mostrar inócuo e desnecessário e prejudicará mais ainda o já tão sofrido povo do Ceará.

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