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Um novo normal na Bolsa? Por Henrique Lyra Maia

Henrique Lyra Maia, Bacharel em Administração de Empresas, Especialização em Administração Financeira e Mestrado em Administração de Empresas pela Universidade de Fortaleza, Especialização em Gestão Empresarial pela FGV e Doutorando em Contabilidade e Finanças pela FUCAPE Business School. Sócio da LYRA&MAIA Consultores Associados.

Em meu último artigo fiz uma análise que avaliou se a bolsa nos patamares atuais – entre 90 a 100 mil pontos – estava cara ou barata, na qual o leitor pode ter acesso AQUI. Naquele artigo, ponderei os patamares de preço/lucro (PL) da bolsa praticados atualmente versus o que teríamos de cenário pela frente e comparei com o mesmo preço lucro da bolsa em outros períodos. Nesse artigo, quero explorar o porquê da bolsa pode se manter em patamares elevados ou até mesmo romper e permanecer acima dos 100 mil pontos.

Nos últimos anos, houve uma persistente trajetória de queda nas taxas de juros ao redor do mundo, chegando a inacreditáveis juros negativos em diversos países desenvolvidos que certamente irá marcar a história do desenvolvimento econômico moderno como um grande acontecimento[i]. Neste momento, estamos navegando em águas desconhecidas.

Com o advento do COVID-19, os Bancos Centrais ao redor do globo têm dobrado as apostas, injetando mais rodadas de liquidez na economia, atingindo níveis assombrosos. O Brasil está seguindo também essa tendência, desde 2016, a taxa de juros saiu de 14,25% a.a., para 3% a.a. em 2020, uma queda de quase 80% e caminha fortemente para 2,25% a.a. como sinaliza a curva de juros.

A nossa economia sempre foi baseada em “rentistas” que procuravam na renda fixa um porto seguro para obter retornos que são auferidos apenas em ativos de risco, portanto, o poupador Brasileiro sempre encontrou uma facilidade para obter rendimentos bons a riscos estruturalmente baixos. No entanto, com os juros caminhando para patamares de 2,25% a.a., toda uma indústria que sobrevivia de juros alto começa a ser ameaçada nesse cenário.

Nesse novo momento que vivemos, podemos ter uma “bolsa cara” por um período mais prolongado de tempo, porque há fatores estruturais “empurrando” investidores para ativos de risco. No entanto, não está claro se essas estruturas que empurram investidores para os ativos de risco serão mantidas no longo prazo. O investidor poderá se confrontar com níveis de bolsa mais cara por causa do cenário em que vivemos e saber as razões pelos quais a bolsa pode, no linguajar do mercado financeiro, “tradar” a múltiplos historicamente mais altos é de fundamental importância.

Então sem mais enrolação, quais são os fatores que podem permitir a bolsa subir e se manter em níveis a múltiplos historicamente maiores?

Taxa de juros historicamente baixas. Com a taxa de juros em patamares mais baixos, fará com que o investidor obtenha uma rentabilidade que não é compatível com um desenvolvimento de um patrimônio a longo prazo. Um dos instrumentos favoritos dos poupadores pessoas físicas é (infelizmente) a poupança, que rende aproximadamente 70% do CDI, que este é atrelado a SELIC. Para se ter uma noção, há aproximadamente R$ 3,3 trilhões em investimentos por Brasileiros, nas quais cerca de R$ 780 bilhões (23,6%) são destinados a poupança[ii]. Com uma SELIC a 2,25% a.a. e uma inflação projetada a 1,55% a.a., o investidor terá um ganho real de quase zero em poupança[iii]. Para onde irão os R$ 780 bilhões investidos em poupança? Terão que migrar de modalidade e entrar em investimentos de risco como ações, fundos imobiliários, entre outros. Isso ocorre também com fundos de renda fixa, só que pior, pois esses fundos cobram taxas de administração que podem variar entre 0,8% a 1,5% a.a., piorando ou até gerando rentabilidade negativa ao corrigir pela inflação.

Mudança da cultura de investimentos dos mais jovens. O brasil tem uma penetração de bolsa na população em patamares irrisórios. O número de pessoas que aplicam na bolsa é menos de 1% em comparação com os EUA que são aproximadamente 50%. No entanto, a popularidade da bolsa como veículo de investimento – independente da taxa de juros – tem aumentado nos últimos anos. É difícil saber exatamente quanto do crescimento de pessoas físicas na bolsa advém da queda das taxas de juros e quanto é realmente mudança cultural, mas é notório observar uma preferência desse pequeno investidor para ter ações como veículo de investimento a longo prazo. Quem proveu toda a liquidez da bolsa para que grandes fundos institucionais pudessem “stopar” suas posições e para que o gringo pudesse vender bolsa e sair do país foram justamente as pessoas físicas. Se na queda o pequeno investidor entrou na bolsa, há uma mudança de mentalidade em curso no Brasil e tudo isso faz aumentar a demanda por ativos na B3.

A volta do gringo. Com a eclosão do COVID-19, o investidor estrangeiro vendeu mais posições do que comprou, ou seja, houve uma saída líquida da bolsa brasileira pelo “gringo”. Nesse período, a bolsa colapsou quase 50% e o dólar subiu, fazendo com que a bolsa tivesse uma queda turbinada. O índice IBOVESPA em dólares atingiu em 19 mil pontos em junho/2020, uma queda de 34% se considerar o patamar de dez/2019. O índice em reais, caiu 18% na mesma comparação, ou seja, estamos mais “baratos” em dólares do que em reais. Com a diminuição do risco global acerca do COVID-19 e embalado pelo otimismo global, o risco país tem caído. Desde 18 de maio, o risco país saiu de 344 p.b. para 203 p.b. no dia 6 de junho. A queda do risco país estimula a volta do gringo e melhora a atratividade da bolsa Brasileira, fazendo com que os ativos da bolsa subam. Lembrando que o “gringo” representa na média por quase 50% do volume transacionado na bolsa isso pode trazer fluxos relevantes para a bolsa[iv]. Adicione isso a um potencial ganho turbinado na desvalorização do dólar durante o processo, na qual o gringo entra com dólar mais alto, obtém a valorização da bolsa e ainda tem um ganho cambial na saída, pois o dólar ficou mais barato. Em outras palavras, o gringo pode ganhar na valorização do IBOVESPA e do dólar.

Baixa oferta de IPOS. Diante da crise do COVID-19 muitos IPOs foram engavetados por se tratar de um momento ruim para se lançar ao mercado. Uma maior demanda por ativos de risco aliado a uma diminuição da oferta de IPOs, fará com que haja mais demanda para uma limitada quantidade de oferta de ativos, causando uma subida nos preços. Isso pode ocorrer, mesmo que as empresas reportem os mesmos níveis de lucros ou até menores, ou seja, teríamos estruturalmente um aumento consistente da demanda por ativos de risco e uma oferta limitada desses ativos.

Em resumo, devido as taxas de juros historicamente baixas no Brasil e no mundo (aumentando a demanda por ativos de risco), uma maior popularidade da bolsa perante investidores pessoas físicas (aumentando a demanda por ativos de risco), a diminuição do risco país por causa do COVID-19 (aumentando a demanda por ativos de risco por “gringos”) e uma inflação de preços ao consumidor aparentemente controlada, podemos ter um ambiente que leve a bolsa a operar em múltiplos de preço/lucro maiores do que estávamos acostumados.

Isso significaria que a bolsa estaria cara? Com base nos múltiplos históricos, provavelmente sim, a grande questão que permanece será se realmente esse será o novo normal da bolsa ou se terá essa configuração por um período específico de tempo (curto e médio prazo).

Qualquer tentativa de cravar um preço/lucro de bolsa específico seria apenas um mero chute, apenas com a passagem do tempo e os eventos futuros ocorrem para saber se realmente esses múltiplos serão mantidos a níveis maiores.

Quais os riscos que o investidor corre e o que pode fazer os múltiplos voltarem a patamares anteriores, ou seja, a bolsa sofrer uma correção após uma subida de múltiplos? Há vários, mas vou citar dois.

O primeiro, seria a inflação de preços ao consumidor. Se por algum motivo tivermos uma inflação crescente no horizonte, o Banco Central terá que subir os juros e muitas dessas forças perderão potência. Digamos que os juros subam de 2,25% a.a. (considerando que haverá queda na próxima reunião) para 6% a.a., o que poderá acontecer? Muitos investidores que migraram para a bolsa poderão retornar para a renda fixa. A bolsa terá que sofrer uma correção e operar sob múltiplos de preço/lucro menores. Além disso, uma taxa de juros maior fará com que o governo opere com déficits maiores, uma vez que irá rolar sua dívida a taxas maiores. Isso poderá gerar vários problemas para nossa economia e a bolsa não estaria imune a isso.

O segundo risco que observo no horizonte são os déficits do governo gerado pela crise causada pelo COVID-19. Com menor arrecadação e maiores gastos, o governo irá sofrer um grande déficit esse ano e dependendo do que for aprovado em 2020, podemos ter aumento de gastos recorrentes e déficits maiores para anos vindouros. Isso pode pressionar a curva de juros para cima e mais termos conflitos sociais para pôr em ordem o orçamento do governo. A bolsa também não ficará imune a isso.

O mais importante para o investidor é entender as forças que estão fazendo a bolsa subir e os riscos envolvidos nesse processo. O bom investidor evita ser boi de manada para não ser pego entrando na euforia da alta e saindo no desespero da baixa. Ao saber desses riscos o investidor poderá entrar na bolsa ciente de que poderá haver uma correção (queda) no meio do caminho. Tentar acertar o timing só fará o investidor perder dinheiro. Sempre há excessos praticados na bolsa, tanto na alta, quanto na baixa. Se a bolsa subir muito, faça um pouco de caixa e coloque na sua reserva de oportunidade. Quando a bolsa corrigir, você pode pegar um pouco e comprar mais barato. Perceba que o mais importante não é acertar o timing perfeito para comprar tudo ou vender tudo, mas estar atento e fazendo pequenos movimentos ao longo do tempo.

Por fim, se o investidor acredita que o Brasil não irá colapsar como país, como por exemplo, se transformar em uma Venezuela, então essas quedas no meio do caminho só serão oportunidades para aumentar seu patrimônio. Se você estiver com reserva de oportunidade sempre em dia, as quedas na verdade são impulsionadoras do seu patrimônio. Em tempos de crise, você pode comprar com muito desconto. Quem usou a reserva de oportunidade e comprou bolsa entre 63 mil e 80 mil pontos, pôde antecipar muitos anos a sua aposentadoria.

Nesse percurso, talvez tenhamos que nos acostumar com a ideia de pagar mais caro para participar desse processo. Quanto isso irá durar, só o tempo dirá, enquanto isso, faça um pouco de caixa quando os múltiplos se excederem um pouco e recompre quando houver correção, se ela não vier, tenha paciência, no Brasil a gente nunca conseguiu se divorciar de crises e são justamente elas que farão com que você pegue atalhos para evoluir ainda mais o seu patrimônio.

[i] As razões pelos quais temos uma situação tão anormal de taxa de juros, causadas pelos Bancos Centrais, não será abordada nesse artigo.

[ii] https://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2020/02/06/investimentos-brasileiros-anbima.htm

[iii] Veja projeções do Boletim Focus. https://www.bcb.gov.br/content/focus/focus/R20200529.pdf.

[iv] Veja os dados divulgados pela B3. http://www.b3.com.br/pt_br/market-data-e-indices/servicos-de-dados/market-data/consultas/mercado-a-vista/participacao-dos-investidores/volume-total/

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