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Um novo modelo de financiamento público, por Igor Macedo de Lucena

Articulista do Focus, Igor Macedo de Lucena é economista e empresário. Professor do curso de Ciências Econômicas da UniFanor Wyden; Fellow Associate of the Chatham House – the Royal Institute of International Affairs  e Membre Associé du IFRI – Institut Français des Relations Internationales.

Um dos maiores problemas que o Governo Federal irá enfrentar a partir de 2021 será o crescimento da dívida pública, tendo em vista os gastos que estão sendo necessários para o combate à crise da Covid-19 tanto no âmbito da saúde pública quanto na defesa dos empregos e das empresas brasileiras. No início deste ano, nossa dívida pública estava por volta de 73% do PIB com uma trajetória decrescente tendo em vista a reforma da previdência e outros projetos de diminuição do tamanho do Estado. Contudo, já se estima que em 2022 cheguemos a 100% do PIB tendo em vista a crise econômica que se avizinha com os gastos públicos cada vez mais expressivos. Essa é uma combinação explosiva para qualquer país.

Os 100% da relação PIB/dívida é uma espécie de tabu no mercado financeiro, porque passa aos investidores a impressão de que o país está indo rumo à insolvência. O Brasil apresenta algumas particularidades positivas, pois sua dívida é quase toda interna; cerca de 91% dos títulos públicos que foram emitidos estão nas mãos de brasileiros e em reais, o que diminui muito a pressão dos investidores internacionais e limita as pressões cambiais. Entretanto, isso não é garantia de tranquilidade, pois os investidores locais demandam juros cada vez maiores para manter tais títulos em seus portfólios devido à relação risco/retorno.

Levando em consideração o fato de que vivemos um período em que a ‘máquina fiscal’ é o motor que deverá retirar as nações desta nova crise, os gastos públicos serão essenciais para que a economia brasileira volte a prosperar. Somente assim o consumo e o investimento privado poderão ressurgir e fazer girar a roda da economia brasileira. Mas como vamos financiar isso? Mais impostos serão algo temerário dado ao atual nível da nossa carga tributária. Um fator, que já é claro, são as reformas estruturais na administração pública e as privatizações que precisam avançar para dinamizar o investimento estrangeiro; contudo, reafirmo que sem o investimento público nada disso se tornará realidade. Essa é uma estratégia vista em todos os países afetados pela Covid-19.

Porém, como financiar a retomada? Esse é o argumento fundamental em que quero avançar neste artigo e debater sobre a possibilidade de utilizarmos novos instrumentos, ainda que ortodoxos e não usuais no Brasil, que podem ser adotados por nossas autoridades como possíveis estratégias para financiar nossa saída da crise e ao mesmo tempo diminuir o peso do Estado nos setores econômicos.

Um título conhecido como CoCo, ou  Contingent Convertible Bond, também é conhecido como nota de capital aprimorada e é um instrumento de renda fixa que é convertível em algum patrimônio líquido se ocorrer um evento pré-especificado. O conceito de CoCo foi particularmente discutido no contexto de gerenciamento de crises no setor bancário mas também vem surgindo como uma maneira alternativa de manter a solvência no setor de seguros.

Neste contexto, o Brasil poderia inovar em uma nova modalidade de dívida conversível, o que gostaria de chamar de Títulos Conversíveis de Mercado. O modelo se baseia em três premissas básicas, sendo a primeira a necessidade de financiar a retomada da economia brasileira por meio do investimento público; a segunda na necessidade de retirar o Estado como acionista parcial ou majoritário em diversas empresas e, por último, na possibilidade de aliviar a razão da dívida/PIB em momentos de dificuldades, o que tornaria desnecessário o aumento da taxa básica de juros por razões relacionadas à atração de capitais.

A idéia não é reinventar a roda, mas sim adaptar-se a uma situação voltada para o financiamento público. Imagine a possibilidade de que possamos emitir um título CoCo-BB, em que o título público possa ser convertido em ações do Banco do Brasil caso a razão total da dívida brasileira ultrapasse os 99% do PIB. Ao invés de privatizar a Caixa Econômica Federal, a União poderia emitir títulos CoCo-Caixa, atrelando até 49% de todo o capital social da Caixa como garantia conversível da dívida brasileira. O mesmo poderia ser feito com várias de nossas empresas estatais.

Neste contexto, a garantia de conversibilidade dos títulos da dívida brasileira em ações de estatais lucrativas geraria três importantes efeitos para a economia nacional. O primeiro é que os títulos sofreriam uma menor pressão dos investidores por juros mais altos, tendo em vista a garantia das ações. Em um segundo momento, o Estado estaria realizando um processo de privatização gradual mesmo que não perdesse o controle sobre ativos estratégicos; traria para dentro das estatais uma maior compliance e governança corporativa ao conquistar investidores privados. Por último, e muito importante, existe a possibilidade de o Estado definir as regras de conversibilidade como uma válvula de escape para a razão dívida/PIB. Imaginem um cenário parecido com o que temos hoje, em que a economia desaba e os gastos disparam; se houvesse um crescimento hipotético de 95% da razão dívida/PIB para 115%, esses títulos poderiam imediatamente ‘cortar’ esse crescimento ao serem convertidos e assim fazerem retroagir a razão para abaixo dos 100%, ajudando a manter o controle das contas públicas e os níveis de ratings internacionais.

Esse é apenas um dos modelos de financiamento internacional que pode ser adaptado à realidade brasileira para que possamos resolver conjuntamente problemas que há décadas não conseguimos solucionar, como diminuir o tamanho do Estado em diversos setores da economia bem como aumentar nosso nível de investimento público.

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