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Tributação no Brasil: Entre as reformas desejáveis e as possíveis (Parte I). Por Juraci Mourão

Juraci Mourão é advogado, Procurador do Muncípio de Fortaleza e professor universitário.

Na última semana, entrou na agenda política nacional a discussão sobre a reforma tributária. O governo apresentou aquilo que parece ser apenas um primeiro e muito tímido passo sobre o assunto: propôs unificar formalmente duas contribuições (PIS e COFINS) que, em termos econômicos e práticos, já são idênticas, pois incidem igualmente sobre o faturamento das empresas, com a mesma técnica de arrecadação, recolhimento e escrituração. De mudança mesmo, tem-se apenas um considerável aumento da carga tributária para alguns setores. Em um sentido mais estrito, isso sequer pode ser chamado reforma, é um projeto de lei ordinária muito pontual, que trata simplesmente de um aumento de tributo. Se é apenas uma etapa inicial, falta o governo detalhar melhor o quadro maior das mudanças.

É certo que falar de reforma tributária é difícil, pois implica necessariamente definir exatamente o que reformar, de que maneira e com que finalidade. Já por isso, percebe-se que há inúmeras possibilidades, mas em todas elas se pressupõe algo mais profundo e fundamental. As empresas certamente buscam menos burocracia, menos tributo, mais clareza e previsibilidade. Os consumidores provavelmente vislumbram produtos e serviços mais baratos, sem uma elevada carga tributária embutida, acrescida de um genérico dessabor de não ver retorno em serviços públicos.  

Os Estados industrializados, por sua vez, devem querer impedir uma guerra fiscal com os Estados menos desenvolvidos, e que se valem da tributação para atrair investimentos. 

Por outro lado, todos os Estados e Municípios buscam mais independência financeira, sobretudo porque a União enfrentou as últimas crises econômicas diminuindo tributos seus, mas que são partilhados com Estados, Distrito Federal e Municípios, ocasionado considerável perda de repasses constitucionalmente obrigatórios. No entanto, para compensar suas próprias perdas, a União aumentou a carga de tributos que ela não divide com outros entes federativos. Isso levou o Tribunal de Contas da União a lançar estudo demonstrando que as desonerações de IR e IPI, levadas a efeito pelos governos Lula e Dilma, foram financiadas, em verdade, pelos entes periféricos, e não por Brasília, sendo essa uma das razões de muitos deles estarem passando por dificuldades atualmente. 

Já o governo federal, muito provavelmente quando pensa em reforma tributária, busca fazer caixa para contrapor o enorme déficit das contas públicas dos últimos anos, além de buscar instrumentos mais centralizados para realizar objetivos extrafiscais de intervenção na economia.

Não bastasse esse panorama político-econômico, tem-se um complexo sistema jurídico sobre o assunto, quem vem desde a Constituição, que elege objetivos para a República como um todo, passando por um Código Tributário Nacional dos anos 1960, vários códigos estaduais e municipais, um emaranhando de leis ordinárias e complementares, além de decretos, portarias, instruções normativas, soluções de consulta, precedentes administrativos, precedentes judiciais e súmulas sobre os mais diversos tribunais.

Daí se repetir a pergunta neste momento em que o debate volta à tona: exatamente onde reformar? Com que objetivos? Buscando que modelo ideal?

Tramitam no Congresso Nacional duas propostas alternativas, uma iniciada na Câmara dos Deputados, e outra no Senado Federal. Ambas trazem uma unificação mais ampla de tributos federais, estaduais e municipais, o que tem reflexo evidente no pacto federativo, concentrando ainda mais poderes e recursos na União Federal. “Mais Brasil, menos Brasília”? De forma alguma, até agora o que se tem visto em termos de reforma tributária é justamente o oposto: menos recursos e autonomia para os entes periféricos. 

Na intenção de traçar um mapa geral da tributação no Brasil, de modo a permitir uma percepção do que pode ser mudado e com que profundidade, apresentamos o seguinte gráfico com oitos aspectos dessa “paisagem” tributária brasileira da atualidade:

Foto: do autor.

Em um sentido horário, iniciando-se pelo ápice, tem-se questões mais abstratas e fundamentais, indicadas no círculo 1, chegando a aspectos mais concretos e palpáveis, representados no círculo 8 das disputas judiciais, em que contribuintes e Fisco das diversas instâncias federativas travam uma guerrilha de decisões, liminares, bloqueios de bens e mesmo ações penais, com condenações a penas restritivas de liberdade.

Ao longo dos próximos dias, iremos explorar esses oito aspectos importantes que se devem ter em mente para se poder analisar, julgar e compreender os passos de possíveis reformas tributárias.  

No próximo texto, será buscada uma apresentação geral dos oito pontos acima indicados e como eles se relacionam entre si.  O objetivo será demonstrar que são possíveis várias reformas tributárias, a depender de quais desses pontos são alterados e com que profundidade, variando também em função das finalidades que são buscadas. 

O texto seguinte será mais específico e voltado para uma análise dos pontos constantes nos círculos 4, 5 e 6, em que se abordará a carga tributária brasileira em relação ao PIB, à renda dos contribuintes, seu caráter regressivo e a distribuição do poder de tributar entre União, Estados e Municípios. Será feito, ainda, um cotejo da carga tributária com os serviços públicos ofertados, fugindo da visão genérica de afirmar que se paga muito e se tem pouco retorno público. Há áreas em que esse retorno é eficiente. O que existe é uma escolha consciente de onde o Estado brasileiro quer ser melhor.

O último texto focará nos pontos 7 e 8, que interessam mais aos contribuintes, sejam empresas ou pessoas físicas. Será mostrado que muitas vezes é cômodo priorizar tributação sobre certas atividades e certos contribuintes de mais fácil fiscalização e cobrança. Transfere-se para os particulares um volume grande de obrigações acessórias, com muitas exigências burocráticas, que exigem um dispêndio considerável de tempo e recursos para atendê-las. Isso é um estímulo para a litigiosidade, pois muitas empresas, para se posicionarem melhor no mercado e se mostrarem competitivas, buscam as vias judiciais para mitigar esses custos e a carga geral. O concorrente se vê obrigado a fazer o mesmo, sob pena de perder competitividade, e isso abarrota o Judiciário, exigindo também do Poder Público um esforço de recursos, de pessoal e de tempo para dar conta dessa massa de processos. Nenhuma das propostas em tramitação dá sinais de que vá acabar ou ao menos mitigar isso, exigindo, então, estratégia e planejamento, sobretudo diante do incremento da inteligência artificial. 

Com essa série de textos espera-se que sejam ofertados ao leitor os elementos básicos para que faça seus próprios julgamentos e retire suas próprias conclusões sobre o que pautará os debates deste segundo semestre de 2020.

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