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Transferência de votos no Ceará: um processo complexo, a análise de Ricardo Alcântara

 

A definição política no Ceará é um quebra-cabeças que passa pelos dois personagens acima.

Há dias, Focus publicou artigo nosso (“Contra Lula é mais difícil”) em que analisava o potencial de transferência de votos do candidato presidencial do PT e o peso que poderia ter em favor de uma eventual candidatura ao governo estadual com o apoio dele — todo o texto baseado em mapeamento consistente de pesquisa realizada para consumo interno, com maior profundidade do que consultas produzidas para ocupar manchetes.

A seguir, sem relação direta com o artigo, em carta de incomum sobriedade dirigida ao jornalista Macário Batista, o candidato Ciro Gomes minimizou a relevância que o apoio de Lula (de Camilo Santana, por decorrência conceitual, também?) poderia exercer sobre o eleitor. É compreensível: Ciro está numa guerra duríssima e na guerra a verdade pode ser imprudente. Em parte, portanto, essa guerra é uma guerra de versões. Essa é a dele.

Ele sabe, sim, que um candidato que espalhe por todos os meios possíveis, físicos e digitais, uma foto sua, autorizada, ao lado de Lula da Silva e Camilo Santana para pedir ao povo uma oportunidade receberá do eleitor uma atenção receptiva porque tal imagem teria força narrativa: ela contaria uma história onde se deram escolhas e se ergueram bandeiras. “Você confia neles e eles confiam em mim” nunca será uma mensagem eleitoral acessória.

A tese de Ciro não resiste ao teste de sua própria experiência: quem o fez prefeito de Fortaleza foi Tasso Jereissati. Sem apoio de Roberto Cláudio, prefeito bem avaliado, a candidatura de José Sarto sequer alcançaria o segundo turno. Mais distante no tempo (concluí o referido artigo citando o caso), Cid Gomes não teria vencido Lúcio Alcântara em 2006 sem o apoio de Lula da Silva. Daria dezenas de exemplos. Dezenas. Mas é desnecessário.

Contudo, o fenômeno eleitoral de transferência de votos tem certa complexidade. Há, pelo menos, dois aspectos a serem observados. É preciso haver coerência no alinhamento. O eleitor precisa perceber que há, entre eles, aspectos comuns suficientes para que estejam juntos. E, é óbvio lembrar, mas inevitável: o candidato precisa demonstrar, no curso da disputa, que possui luz própria e não tirou sua carteira de motorista por telefone.

Além do alinhamento explícito com seu “tutor”, como foi dito, há outros atributos que deve portar. O principal: um nível de rejeição próximo da média entre todos os candidatos. Ter bem-sucedida vivência administrativa é currículo (piloto experiente é garantia de tranquilidade). Ser conhecido, ter expressão fluente, contar com a confiança dos agentes de mercado: tudo isso agrega capacidade de absorção no processo de transferência.

Trazendo para o território concreto da sucessão estadual, uma má notícia para os petistas mais assanhados: os prováveis pretendentes, no caso, seriam problemáticos. José Guimarães carrega o pior estigma legado pelos anos de poder lulista: colou nele um patético episódio de corrupção envolvendo assessores seus. Luizianne Lins sofre o peso de uma margem larga de avaliação negativa como gestora. O desafio exige outras biografias.

Enfim, Lula não ganha no Ceará com qualquer um. Se o PDT indicar Roberto Cláudio como candidato e o PT cumprir a disposição declarada de lançar candidatura própria, que os aliados de Lula indiquem seu candidato sob métodos compatíveis com o tamanho do desafio. Primeiro, define-se o perfil. Depois, se escolhe um nome ajustado ao perfil desejado. É assim que os profissionais — e os Ferreira Gomes são bons nisso — ganham eleições.

Derrotar candidato de governo no Nordeste não é eleição para presidente de centro acadêmico.

Ricardo Alcântara é publicitário e escritor.

 

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