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The intercept_Brasil x direito à liberdade de imprensa. Por Pierre Lourenço

Pierre Lourenço é advogado, sócio do Escritório de Advocacia Pierre Lourenço. Pós-graduado pela EMERJ. Doutorando em direito civil da Universidad de Buenos Aires.

Pierre Lourenço
Post convidado
Nenhum direito estabelecido na Carta Magna brasileira é absoluto, pois todos comportam exceções. Nem mesmo o direito a vida é garantido irrestritamente, haja vista a possibilidade de decretação de pena de morte em casos de guerra, conforme estabelece o artigo 5º, XLVII, a, da CRFB:
Portanto, se nem o direito mais sagrado que é a vida é totalmente protegido, muito menos ainda seria o direito de liberdade de imprensa que também tem assento constitucional nos artigos 220 e 5º, IV, V, X, XIII e XIV, da CRFB. É importante ressaltar que o direito constitucional da liberdade de imprensa não é um cheque em branco nas mãos do jornalista ou veículo de comunicação que permite divulgar qualquer notícia.
Antes disso, segundo o doutrinador Bruno Miragem, em sua obra Responsabilidade civil da imprensa por dano à honra, tanto a Constituição, o Novo Código Civil e  Lei de Imprensa confere um dever de responsabilidade sobre o conteúdo que será noticiado, devendo passar por três tipos de análises: 1. dever geral de cuidado; 2. dever de pertinência; e, 3. dever de veracidade
Nesse aspecto, entendo que o dever de veracidade é a principal diretriz que o profissional da imprensa deve perseguir, uma vez que é inaceitável nos dias de hoje a divulgação de conteúdos que não correspondam com a verdade, pois podem dar origem a uma série de eventos danosos contra pessoas, empresas, instituições públicas e talvez a toda sociedade por meio das famosas Fake News.
Conclui-se deste modo, que o dever de veracidade obriga o profissional da imprensa a verificar a autenticidade do conteúdo que será divulgado, sob pena de responsabilização civil e penal, sendo nesse sentido a jurisprudência do STF, senão vejamos:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL, CIVIL E CONSTITUCIONAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. VIOLAÇÃO AO ART. 93, IX, DA CF. OMISSÃO NÃO CONFIGURADA. DANO MORAL. MATÉRIA JORNALÍSTICA. ANÁLISE DOS PRESSUPOSTOS FÁTICOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL. REEXAME DE FATOS E DE PROVAS. SÚMULA 279/STF. VIOLAÇÃO AOS ARTS. 5º, XXXV, DA CF. OFENSA À LIBERDADE DE IMPRENSA E DE LIVRE MANIFESTAÇÃO DO PENSAMENTO. INOCORRÊNCIA. PRECEDENTE DO TRIBUNAL PLENO. 1. O Tribunal Pleno, na ADPF 130, rel. Min. Carlos Britto, DJe de 06-11-2009, decidiu que não afronta a liberdade de imprensa ou a livre manifestação do pensamento a responsabilização civil de jornalistas ou de veículos de imprensa por danos morais decorrentes de matérias jornalísticas. 2. É inviável, em recurso extraordinário, o exame dos pressupostos fáticos para a configuração do dano moral indenizável, a teor do óbice da Súmula 279/STF (Para simples reexame de prova não cabe recurso extraordinário). 3. Agravo regimental a que se nega provimento (RE-AgR 571.151/RJ, Rel. Min. Teori Zavascki, Segunda Turma, DJe 14.8.2013).
No caso das matérias veiculadas pelo periódico The Intercept_Brasil não ocorreu a devida análise do conteúdo que está sendo divulgado a respeito das matérias intituladas como ‘vaza-jato’, em referência aos supostos vazamentos de mensagens trocadas entre as autoridades que participaram da operação Lava-jato.
Como se trata de material obtido ilicitamente por meio da atuação de um hacker que teria quebrado o sigilo das comunicações de autoridades públicas, sendo pelo menos essa a primeira versão que divulgaram à imprensa, e considerando que as autoridades mencionadas nas mensagens não confirmam a autenticidade do material, seria indispensável a realização de perícia técnica para realizar a checagem da veracidade do conteúdo que está sendo publicado pela imprensa.
Enquanto não houver a realização de perícia técnica, este material nunca poderia ser divulgado. A uma, por ter sido obtido de modo criminoso; a dois, por não existir prova de veracidade, não valendo aqui a mera análise de jornalistas ou advogados para confirmar a autenticidade do conteúdo, uma vez que esses não possuem aptidão técnica para confirmar se o conteúdo hackeado é verídico, inalterado e não editado.
Em caso idêntico, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) condenou a Editora Abril, por matéria publicada pela revista Veja, no famoso caso Luís Gushiken, que segundo o STJ, teria abusado de sua liberdade de imprensa ao divulgar conteúdo cuja veracidade não foi absolutamente autenticada, acarretando a quebra do dever de veracidade. Seguem os destaques do julgado: “O direito à informação não elimina as garantias individuais, porém encontra nelas os seus limites, devendo atentar ao dever de veracidade, ao qual estão vinculados os órgãos de imprensa, pois a falsidade dos dados divulgados manipula em vez de formar a opinião pública, bem como ao interesse público, pois nem toda informação verdadeira é relevante para o convívio em sociedade.”…. “Se a publicação, em virtude de seu teor pejorativo e da inobservância desses deveres, extrapola o exercício regular do direito de informar, fica caracterizada a abusividade.”
No referido acórdão a ministra Nancy Andrighi destaca que “… O veículo de comunicação exime-se de culpa quando busca fontes fidedignas, quando exerce atividade investigativa, ouve as diversas partes interessadas e afasta quaisquer dúvidas sérias quanto à veracidade do que divulgará”.
Se fizermos uma comparação do caso do acórdão acima com as matérias veiculadas pelo periódico The Intercept_Brasil, percebo que aquela decisão é perfeitamente aplicável a este caso, já que o periódico se valeu de uma fonte supostamente criminosa para realizar suas matérias contra a operação Lava-jato, sem que, contudo, houvesse prova de autenticidade e veracidade do material divulgado.
Ressalto, por fim, que o Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros (FENAJ) prevê em seus artigos 2º e 7º que cabe ao jornalista fazer a divulgação precisa e correta, bem como ter o compromisso com a verdade dos fatos, no entanto, somente se poderá falar em verdade dos fatos quando for possível a checagem do conteúdo divulgado, pecando o The Intercept_Brasil neste ponto que divulga matérias sensacionalistas sem qualquer possibilidade de confirmação por terceiros.
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