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Surgimento, evolução e reflexos do COVID-19 no direito trabalhista, por Olga Paiva Vasques

Olga Paiva Bezerra Vasques é Advogada, sócia da área trabalhista e do setor de gestão /compliance do escritório Leandro Vasques & Vasques advogados associados.

Olga Paiva Bezerra Vasques
Post convidado

Começamos o ano de 2020 e, junto com ele, nos foi apresentado um vírus até então desconhecido pelo mundo e pela ciência, causando uma variação de sintomas que vão de resfriados comuns a síndromes respiratórias, e que atinge com maior gravidade e risco de morte pessoas idosas e com problemas preexistentes. Esse vírus supostamente novo e misterioso foi identificado pela primeira vez no ano de 1960.

Muito embora a origem do atual surto ainda não tenha sido precisamente detectada, os indícios nos levam a crer que seu princípio tenha-se dado em uma feira de frutos do mar e animais vivos, na cidade de Wuhan, na China, província central de Hubei, através da notificação de casos de pneumonia de causa desconhecida, que se deu no final de dezembro de 2019. Esse vírus, chamado de 2019n-Cov no começo da epidemia, foi recentemente batizado de Sars-Cov-2, e espalhou-se por mais de 198 países e territórios em todo o mundo, onde apenas 21 Estados soberanos ainda não têm casos confirmados.

No Brasil, o primeiro caso confirmado em toda a América Latina, foi em fevereiro de 2020, através de um homem brasileiro residente em São Paulo, de 61 anos de idade, que viajou a trabalho para a região da Lombardia, no norte da Itália. Após esse primeiro caso atestado, outras inúmeras ocorrências suspeitas foram monitoradas, sendo, na maior parte das pessoas, as que viajaram para outros países onde já existiam casos confirmados da doença.

Em 11 de março de 2020, a OMS declarou o coronavírus uma pandemia, devido ao aumento brusco de casos em uma determinada região, que se disseminou rapidamente de forma acima do esperado, se espalhando por países de todos os continentes, em escala global. Neste momento, já estávamos diante de um cenário com mais de 100 países afetados pelo vírus, dentre eles o Brasil, com 98 casos confirmados. Em 18 de março de 2020, diante da pandemia por conta do avanço exponencial da Covid-19, o Governo enviou um pedido ao Congresso Nacional para que fosse reconhecido o estado de calamidade pública até o dia 31 de dezembro de 2020, sob risco de paralisação da máquina pública.

Em 22 de março de 2020, após este reconhecimento através do Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020, o Governo lançou a Medida Provisória nº 927, que dispõe sobre medidas trabalhistas para o enfrentamento do coronavírus. Antes de qualquer consideração, importante se faz destacar que a referida Medida Provisória é uma determinação temporária, como o próprio nome já diz, e é vinculada a um estado de calamidade. Trata-se, portanto, de uma exceção, ou seja, ela vem com uma especificidade para um momento particular que assola empregados e empregadores.

Tal disposição foi criada com a flexibilização das relações de trabalho para empregados urbanos, rurais, terceirizados, estagiários (no que houver compatibilidade) e domésticos (no que houver compatibilidade), com o intuito de preservar o emprego e a renda, evitar as demissões em massa e, consequentemente, a extinção dos empregos e das empresas. Alguns pontos ainda estão em discussão acerca da sua constitucionalidade, contudo, os empresários estão suplicando por uma participação mais consistente do Governo, com amparo através dos recursos públicos, quer seja com a possibilidade de levantamento do seguro desemprego ou do levantamento do FGTS em caso de suspensão do contrato de trabalho.

Inicialmente, em seu artigo 2º, a MP 927/2020 autoriza a celebração de acordo individual entre empregado e empregador, de preferência por escrito, tendo prevalência sobre o que determina a CLT, desde que respeitados os limites estabelecidos na Constituição Federal. Seguem obervações quanto aos demais artigos da MP:

O art. 4º – que aborda o teletrabalho, permite, por sua vez, que o empregador decida sobre essa modalidade de trabalho sem que seja necessário o consentimento do empregado, podendo, inclusive, determinar o retorno do mesmo às suas atividades presenciais, respeitando o prazo mínimo para comunicação de 48h, através de notificação por escrito ou por meio eletrônico.

O art. 6º – que dispõe sobre férias, consente que o empregador conceda férias aos seus empregados caso não haja nenhuma demanda de consumo, devendo, igualmente, ser respeitado o prazo de comunicação de 48h de antecedência, por meio escrito ou eletrônico. Com essa prerrogativa, as férias podem ser fracionadas, desde que considerado o período mínimo de 5 dias. É possível também antecipar as férias antes do período concessivo/aquisitivo e dos períodos futuros, com a alternativa de suspensão para os profissionais da área da saúde, sendo permitido o seu pagamento até o 5º dia útil do mês seguinte e o pagamento de um terço de férias até a data do pagamento da gratificação natalina (20/12/2020).

O art. 11º – que trata de férias coletivas, segue o mesmo entendimento, onde a comunicação aos empregados tem que respeitar o período de comunicação de 48h, não havendo limites mínimo e máximo, devendo apenas ser respeitado o período mínimo de 5 dias que dispõem as férias individuais.

O art. 13º – que versa sobre aproveitamento e antecipação de feriados, estabelece que o acerto pode se dar por determinação exclusiva do empregador, desde que não sejam feriados religiosos. No tocante aos feriados religiosos, é possível a compensação, desde que haja um consentimento de ambas as partes. Nos dois casos deve ser respeitado o prazo mínimo para comunicação de 48h, através de notificação por escrito ou por meio eletrônico, com saldo no banco de horas.

O art. 14º – que discorre sobre o banco de horas prevê a possibilidade de realização de acordo individual entre empregado e empregador, onde as horas poderão ser compensadas pelo prazo de 18 meses após o encerramento do estado de calamidade (31/12/2020), respeitando o limite máximo de 10 horas por dia trabalhadas. Observação: o mesmo vale para os profissionais que estão trabalhando excessivamente neste período de pandemia. Este artigo se aplica para compensação do trabalho extra ou a menor.

O art. 18º – que causou muito debate sobre a possibilidade de suspensão do contrato de trabalho por até 4 meses foi REVOGADO.

O art. 19º – possibilita a suspensão do recolhimento/pagamento do FGTS dos períodos de março, abril e maio e o parcelamento deste valor em até 6 vezes, a ser pago a partir de julho de 2020. Para isso, o empregador deverá declarar essas informações até o dia 20/06/2020.

O art. 26º – autoriza a realização de horas extras para quem realiza atividade insalubre; mesmo os estabelecimentos de saúde com jornada de trabalho de 12×36 horas podem realizar horas extras, através de acordo individual, que poderão ser compensadas pelo prazo de 18 meses após o encerramento do estado de calamidade (18 meses após 31/12/2020).

O art. 30º – possibilita a prorrogação da negociação coletiva que está em vigor, por até 90 dias após o seu vencimento (180 dias após 22/03/2020).

O art. 36º – provavelmente um artigo que terá sua constitucionalidade discutida, pois admite que qualquer medida tomada pelo empregador estará convalidada, nos próximos 30 dias após 22/03/2020, desde que não contrarie essa Medida Provisória.

Após esta pequena síntese sobre o surgimento, a evolução e os reflexos da Covid-19, sendo a Medida Provisória 927 uma dentre outras inúmeras reverberações sobre este tema, observamos que a primeira repercussão nas relações de trabalho se deu através da adaptação da legislação vigente para atender às empresas, aos trabalhadores e à preservação dos empregos.

Vários itens no quesito quanto à constitucionalidade da MP 927/2020 já estão sendo discutidos, a começar pela decisão da Juíza do Trabalho Dra. Ângela Maria Konrath, de Santa Catarina, onde a mesma suspendeu a demissão em massa durante a pandemia da Covid-19, e determinou a reintegração dos trabalhadores de uma construtora, após acolher os argumentos da entidade sindical, sob pena de multa de 1 milhão, sendo 50% para os trabalhadores e 50% para a entidade sindical. Para a Dra. Ângela, a decisão foi precipitada e, além disso, a empresa desprezou as outras possibilidades viáveis sinalizadas.

Em contrapartida, nos deparamos com outra estratégia adotada pela empresa Ford, onde a mesma concedeu férias coletivas para os funcionários das fábricas em Taubaté (SP), Camaçari (BA), Horizonte (CE) e Argentina. A suspensão dos trabalhos se deu em 23/03/2020, com previsão de retorno para o dia 13/04/2020. Ao adotar essa medida, a empresa declarou que seu intuito era manter os funcionários em segurança e evitar a propagação do vírus.
Por outro lado, vimos o time Atlético-MG declarar que irá cortar 25% do valor do salário dos jogadores, comissão técnica e diretoria, devido à crise que estamos sofrendo. O clube justificou a medida em função da paralisação de todos os campeonatos envolvendo os times de futebol no Brasil em decorrência da Covid-19, e informou que estes ajustes de estenderão durante o período que perdurar os efeitos da pandemia.

Se formos um pouco adiante, apuraremos que na Espanha o time Barcelona reduzirá 70% do salário dos jogadores até que o futebol volte à normalidade. Além disso, os jogadores contribuirão com os salários dos funcionários do clube, “para que não sofram nenhum desconto”, afirmou Messi.

Muito embora a legislação espanhola não se confunda com a legislação do Brasil, acredito que diante da fragilidade do cenário que nos cerca, o que deve ser considerado com veemência neste momento é a imprescindibilidade de uma assessoria jurídica, de um corpo de profissionais qualificados, aptos a militar com zelo, diligência e, acima de tudo, bom senso, frente às tratativas entre empregados e empregadores, a fim de não incorrer em punições futuras, por uma interpretação equivocada ou precipitada da Lei.

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