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Singularidade dos serviços advocatícios, por Andrei Aguiar

Andrei Aguiar é sócio do escritório Aguiar Advogados e membro da Comissão Nacional de Sociedades de Advogados do CFOAB, membro honorário vitalício do CESA/CE.

Andrei Aguiar
Post convidado

No dia 18 do corrente mês, fora publicada a Lei n. 14.039/2020, cujo teor altera a Lei nº 8.906, de 4 de julho de 1994 (Estatuto da OAB), e o Decreto-Lei nº 9.295, de 27 de maio de 1946, para dispor sobre a natureza técnica e singular dos serviços prestados por advogados e por profissionais de contabilidade.

A norma surge em boa hora, para solucionar, ou pelo menos minorar, uma controvérsia há muito surgida, quando das contratações de serviços advocatícios pela administração pública.

Isso porque, como sabido, a regra geral estabelecida no art. 2o[1], da Lei de Licitações é a realização de procedimento licitatório para contratação de quaisquer serviços pelo Poder Público. A ideia geral do legislador, como adotada em diversos países, é proporcionar uma justa competição entre possíveis fornecedores, de modo a não beneficiar nenhum deles em detrimento de outro, além de proporcionar a melhor contração para a administração pública.

No entanto, o art. 13, da Lei n. 8.666/93, especifica expressamente se tratarem de serviços técnicos profissionais aqueles que se refiram a patrocínio ou defesa de causas judiciais ou administrativas. Veja-se:

Art. 13. Para os fins desta Lei, consideram-se serviços técnicos profissionais especializados os trabalhos relativos a:

(…)

V – patrocínio ou defesa de causas judiciais ou administrativas;

Já o art. 25, da Lei de Licitações, traz como hipótese de inexigibilidade de licitação a contratação justamente dos serviços técnicos enumerados no art. 13, acima citado, portanto incluindo os serviços advocatícios, sempre que estiver presente a singularidade do objeto e a notória especialização. Veja-se:

Art. 25. É inexigível a licitação quando houver inviabilidade de competição, em especial:

(…)

II – para a contratação de serviços técnicos enumerados no art. 13 desta Lei, de natureza singular, com profissionais ou empresas de notória especialização, vedada a inexigibilidade para serviços de publicidade e divulgação.

Cabe ressalvar, de antemão e ressalvados os entendimentos contrários, que o caput do dispositivo acima citado já explicita o requisito geral autorizativo de qualquer contratação por inexigibilidade: a inviabilidade de competição. Portanto, sempre que as circunstâncias de uma contratação pública indicarem a existência da inviabilidade de competição, haverá a autorização para contratação fundada no art. 25, da Lei de Licitações.

Inobstante a isso, o legislador entendeu por bem avançar no tema, elencando um rol, ao nosso sentir exemplificativo, de hipóteses onde se destaca, para o presente trabalho, a já citada contratação de serviços técnicos de natureza singular prestados por profissionais com notória especialização (art. 25, II, da Lei n. 8.666/93). A controvérsia, contudo, foi fomentada durante muito tempo, especialmente no que se referia ao conceito da singularidade do objeto para o qual o advogado ou a sociedade de advogados com notória especialização se propunha a ser contratada.

A jurisprudência pátria já dava diversos indicativos de que o serviço advocatício em si, independentemente de qual fosse ele, já não comportava a plena competição, por ser de natureza singular. Tal entendimento encontra respaldo no fato de que todo procedimento licitatório deve se basear em requisitos objetivos para análise, valoração e escolha, não comportando uma análise subjetiva.

Neste contexto, por ser um serviço de natureza técnica e especializado, ao revés do que acontece com os serviços comuns, a análise acerca da melhor escolha de um advogado sempre carregará uma carga muito grande de subjetividade, o que reforça o argumento da inviabilidade de competição. Corroborando o exposto, o Superior Tribunal de Justiça se manifestou no RECURSO ESPECIAL No 1.192.332 – RS (2010/0080667-3), de relatoria do Ministro Napoleão Nunes Maia, conforme transcrito abaixo:

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. CONTRATAÇÃO DE SERVIÇOS ADVOCATÍCIOS COM DISPENSA DE LICITAÇÃO. ART. 17 DA LIA. ART. 295, V DO CPC. ART. 178 DO CC/16. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULAS 282 E 356 DO STF. ARTS. 13 E 25 DA LEI 8.666/93. REQUISITOS DA INEXIGIBILIDADE DE LICITAÇÃO. SINGULARIDADE DO SERVIÇO. INVIABILIDADE DE COMPETIÇÃO. NOTÓRIA ESPECIALIZAÇÃO. DISCRICIONARIEDADE DO ADMINISTRADOR NA ESCOLHA DO MELHOR PROFISSIONAL, DESDE QUE PRESENTE O INTERESSE PÚBLICO E INOCORRENTE O DESVIO DE PODER, AFILHADISMO OU COMPADRIO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.

  1. Quanto à alegada violação ao 17, §§ 7o., 8o., 9o. e 10 da Lei 8.429/92, art. 295, V do CPC e art. 178, § 9o., V, b do CC/16, constata-se que tal matéria não restou debatida no acórdão recorrido, carecendo de prequestionamento, requisito indispensável ao acesso às instâncias excepcionais. Aplicáveis, assim, as Súmulas 282 e 356 do STF.
  2. Em que pese a natureza de ordem pública das questões suscitadas, a Corte Especial deste Tribunal já firmou entendimento de que até mesmo as matérias de ordem pública devem estar prequestionadas. Precedentes: AgRg nos EREsp 1.253.389/SP, Rel. Min. HUMBERTO MARTINS, DJe 02/05/2013; AgRg nos EAg 1.330.346/RJ, Rel. Min. ELIANA CALMON, DJe 20/02/2013; AgRg nos EREsp 947.231/SC, Rel. Min. JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, DJe 10/05/2012.
  3. Depreende-se, da leitura dos arts. 13 e 25 da Lei 8.666/93 que, para a contratação dos serviços técnicos enumerados no art. 13, com inexigibilidade de licitação, imprescindível a presença dos requisitos de natureza singular do serviço prestado, inviabilidade de competição e notória especialização.
  4. É impossível aferir, mediante processo licitatório, o trabalho intelectual do Advogado, pois trata-se de prestação de serviços de natureza personalíssima e singular, mostrando-se patente a inviabilidade de competição.
  5. A singularidade dos serviços prestados pelo Advogado consiste em seus conhecimentos individuais, estando ligada à sua capacitação profissional, sendo, dessa forma, inviável escolher o melhor profissional, para prestar serviço de natureza intelectual, por meio de licitação, pois tal mensuração não se funda em critérios objetivos (como o menor preço).
  6. Diante da natureza intelectual e singular dos serviços de assessoria jurídica, fincados, principalmente, na relação de confiança, é lícito ao administrador, desde que movido pelo interesse público, utilizar da discricionariedade, que lhe foi conferida pela lei, para a escolha do melhor profissional.
  7. Recurso Especial a que se dá provimento para julgar improcedentes os pedidos da inicial, em razão da inexistência de improbidade administrativa.

Trilhando o mesmo caminho, o Supremo Tribunal Federal, analisando o RECURSO EXTRAORDINÁRIO 656.558 SÃO PAULO, de relatoria do Ministro Dias Toffoli, reforçou o mesmo entendimento. Veja-se:

¨Pois bem. Exige-se a licitação pública para se tratar com igualdade os possíveis interessados nos contratos da Administração Pública, nos termos do art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal. Para trat-los com igualdade e para que seja possível a licitação publica, essencial que se estabeleçam previamente critérios objetivos para comparar uns e outros. Se o critério for subjetivo, então, os interessados não serão tratados com igualdade, uma vez que a disputa se resolverá pela discricionariedade do julgador. Nesses casos, eventual interessado que venha a ser preterido não terá́ em que se amparar para exigir tratamento igualitário, principalmente porque o critério determinante será́ a livre vontade do julgador, sem que se possa cogitar de igualdade, ao menos num plano objetivo.

Se os serviços elencados no inciso II do art. 25 da Lei no 8.666/93 são prestados com características subjetivas, consequentemente são julgados de modo subjetivo, afastando a objetividade e, com ela, a competitividade, não se justificando a necessidade de instauração da licitação pública¨.

Desta forma, a fim de gerar uma maior segurança jurídica para gestores públicos e para os prestadores de serviços advocatícios, a Lei n. 14.039/2020 acresceu à Lei n. 8.906/94 (Estatuto da OAB e da Advocacia) o art. 3o-A, cuja inteligência dispõe que TODOS OS SERVIÇOS PROFISSIONAIS PRESTADOS POR ADVOGADOS SÃO SINGULARES, quando comprovada a notória especialização. Veja-se:

Art. 3º-A. Os serviços profissionais de advogado são, por sua natureza, técnicos e singulares, quando comprovada sua notória especialização, nos termos da lei.

Portanto, diante da nova norma, restando comprovada a notória especialização[2] do advogado ou da sociedade de advogados, cuja aferição decorrerá de desempenho anterior, estudos, experiências, publicações, organização, aparelhamento, equipe técnica ou de outros requisitos relacionados com suas atividades, que permita inferir que o seu trabalho é essencial e indiscutivelmente o mais adequado à plena satisfação do objeto do contrato; estará caracterizada a hipótese autorizadora da contratação direta realizada por inexigibilidade de licitação, nos termos do art. 25, da Lei n. 8.666/93.

 

 

[1] Art. 2o As obras, serviços, inclusive de publicidade, compras, alienações, concessões, permissões e locações da Administração Pública, quando contratadas com terceiros, serão necessariamente precedidas de licitação, ressalvadas as hipóteses previstas nesta Lei.

[2] Art. 3o-A […]

Parágrafo único. Considera-se notória especialização o profissional ou a sociedade de advogados cujo conceito no campo de sua especialidade, decorrente de desempenho anterior, estudos, experiências, publicações, organização, aparelhamento, equipe técnica ou de outros requisitos relacionados com suas atividades, permita inferir que o seu trabalho é essencial e indiscutivelmente o mais adequado à plena satisfação do objeto do contrato.

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