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Renovação das políticas para o desenvolvimento do Nordeste conforme a Constituição Federativa do Brasil, por Pedro Sisnando

Pedro Sisnando Leite é economista com pós-graduação em desenvolvimento econômico e planejamento regional em Israel. Membro do Instituto do Ceará  e da Academia de Ciências Sociais do Ceará. É professor titular (aposentado) do programa de mestrado (CAEN) da UFC, onde foi também Pró-Reitor de Planejamento. No Banco do Nordeste, ocupou o cargo de economista e Chefe da Divisão de Estudos Agrícolas do Escritório Técnico de Estudos Econômicos. No período de 1995-2002, exerceu a função de Secretário de Estado de Desenvolvimento Rural do Ceará. Publicou cerca de 40 livros em sua área de especialização e escreveu muitos artigos para jornais e revistas.

Por Pedro Sisnando Leite
O Nordeste tem direito a um plano de  desenvolvimento regional, (Art. 21, inciso IX ), para redução das desigualdades e à erradicação da pobreza  e da marginalização (Art. 3º  inciso III); o Nordeste tem  direito a organismos  regionais  fortes e eficientes que executem esses planos   (Art. 43, inciso II); o Nordeste tem direito a incentivos regionais que reduzam as suas desvantagens  econômicas e ajudem a  promover  o desenvolvimento (Art.43, § 2º);  tem direito a um tratamento especial de sua região semiárida para a recuperação de suas terras e apoio aos pequenas e médios proprietários rurais (Art. 43 §3º); tem direito ao financiamento diferenciado das suas  atividades  produtivas prioritárias , com  recursos estáveis e  de  fluxo permanente (Art. 159, I,c). Além de muitos outros direitos, a Constituição estabelece  que o Nordeste tem direito a um Banco de Desenvolvimento, (Banco do Nordeste do Brasil)  contando com recursos adequados  e capacidade técnica  para  operar  os recursos que lhe são destinados promovendo a redução das disparidades regionais (Art. 159, I c Art. 192,§ 2º, Art. 34 do ADCI). É oportuno lembrar que todos esses direitos são estendidos à Região Norte (Amazônia) e ao Centro-Oeste.
Os Desafios
O desenvolvimento econômico é um processo global que envolve aspectos econômicos, sociais, físicos, organizacionais e políticos. Os constrangimentos limitantes de um acelerado desenvolvimento podem ser atribuídos a diversos fatores: restrita capacidade tecnológica, poucos recursos para investimento na modernização do setor industrial e adoção de medidas no setor rural para utilizar tecnologias de melhoria da produtividade. A meta é maximizar a produtividade dos recursos escassos em benefício do aumento do bem-estar da população. Na experiência internacional, o importante para o desenvolvimento foi a redução da pobreza segundo uma dinâmica de aumento geral da produtividade, fortes vínculos entre agricultura e atividades não agrícolas no quadro rural e desenvolvimento econômico e social de pequenas cidades.
Seguindo essa mesma ordem de generalidades, pode-se dizer que desenvolvimento regional se refere aos fundamentos teóricos e políticos que têm como papel chave ajudar na implementação das prioridades de uma determinada região com vistas a construir um futuro melhor. Criar empregos produtivos, construindo infraestruturas para fortalecer os negócios e o crescimento das comunidades, assim como conectar a região com a economia nacional e o mercado internacional e melhorar a educação, saúde e capacitar a força de trabalho para participar plenamente na economia global. Uma das preocupações dominantes nos programas de desenvolvimento regional é buscar recuperar atrasos locais em relação a outras regiões ou ao alcance do padrão médio nacional de alguns indicadores de renda ou qualidade de vida da população, como ocorre no caso do Nordeste do Brasil.
Alguns Conceitos da Ciência Regional
A economia regional tem uma longa história na literatura econômica, com alguns destacados autores da primeira geração nos anos de 1950 e 1960. As políticas iniciais nesse particular tiveram grande influência do ambiente teórico keynesiano. Depois foram as teorias de centro-periferia e da dependência (especialmente na América Latina) e os modelos de causação acumulativa de Myrdal (1956), Kaldor (1957) e Hirschman. Todas focalizadas nos mecanismos de concentração do investimento em regiões específicas. Outra contribuição  relevante nesse campo de estudos são os polos de crescimento de Perroux (1955) e Boudeville (1968), que tratam dos efeitos acumulativos de escala e aglomeração (ver livro no download: “Novo Enfoque do Desenvolvimento e as Teorias Convencionais”) – www.estradafacil.com.br/livros.
Mesmo diferenciadas, essas teorias compartilhavam da concepção de que o desenvolvimento regional não era garantido pelas forças de mercado. A redução ou eliminação dos desequilíbrios espaciais precisava para ser superado de politicas de intervenção estatal através de atuação deliberada para acelerar o desenvolvimento das regiões atrasadas. Essas teorias, no entanto, tinham como princípios uma excessiva crença nos mecanismos puramente econômicos para a obtenção da convergência das desigualdades regionais. De modo geral, na construção dessa arquitetura teórica do pensamento regional, não foram devidamente considerados os aspectos culturais, de tradição, associativismo e outros valores sociais. Apesar disso, posteriormente, na obra principal de François Perroux sobre a economia do desenvolvimento, ele diz que “o desenvolvimento econômico é principalmente um fenômeno de transformação cultural e social”. Na década de 90, finalmente, em uma nova onda de teorias do desenvolvimento regional, Helmsing (1999) Jiménez (2002), e outros economistas passaram a dar relevo aos aspectos institucionais e a valorização da capacitação dos recursos humanos como força motriz das transformações econômicas locais.
A Teoria Regional na Prática
A concepção dos formuladores de teorias econômicas é de que seus modelos são de aplicação universal, desde que os pressupostos estabelecidos sejam considerados. O modelo neoclássico do equilíbrio parcial da firma e do equilíbrio geral dos mercados, por exemplo, não necessita do elemento espaço devido ao automático ajustamento dos preços ou mobilidade dos fatores. A adoção de um formato teórico dessa natureza, numa política regional como no Brasil, torna inútil estar pensando num planejamento global do desenvolvimento regional a partir do país ou do regional para o nacional. São indiferentes.
O que se tem observado nos programas de desenvolvimento regional em muitas partes do mundo (países desenvolvidos e subdesenvolvidos) é que cada região é diferente uma da outra pelos seus recursos, atributos históricos, localização e dimensão territorial e demográfica, afora a visão estratégica dos governantes e sistemas políticos. Além disso, essas características são dinâmicas e podem sofrer variações com o próprio processo de desenvolvimento nacional ou regional. É oportuno lembrar que o primeiro plano de desenvolvimento do Brasil, em formato técnico apropriado, foi elaborado por Celso Furtado, como ministro do planejamento do Governo João Goulart (1963), adotando para isso a experiência utilizada pela SUDENE, da qual fora superintendente. Nesse sentido, não é válido pensar-se em um modelo único de desenvolvimento regional para ser aplicado em situações diferentes de espaço e de condições geopolíticas.
No momento em que se pensa na formulação de novas políticas para o desenvolvimento do Nordeste, ter-se-á de idealizar propostas e condições de políticas  segundo  suas características atuais (e não as da década de 60 da fase de criação da SUDENE), e de um novo federalismo instituído pela Constituição de 1988, além dos desafios da pobreza acumulada e de enormes desigualdades econômicas e sociais prevalecentes  hoje. De mesmo modo, com o processo de integração de mercados e com a globalização não é viável pensar-se em estruturas “autárquicas” integradas. A nova realidade aponta para a necessidade de que cada região deve se especializar naquilo para a qual apresenta potencial produtivo e adequação para a internalização dos resultados. Em outras palavras, para que as indústrias tenham efeito multiplicador é preciso que as mesmas utilizem matérias primas da própria região e outros insumos de modo a gerar um núcleo de atividades produtivas complementares.
De acordo com essa concepção, a instalação de “enclaves” que eram almejados na década de 60 são atualmente antiquados e contraproducentes. Assim, para citar um caso mais conhecido entre nós, a grande siderúrgica do Pecém de propriedade de empresas multinacionais com mercado cativo externo e insumos importados (ferro e carvão mineral) é inadmissível e um grande erro econômico, social e político. Outros projetos semelhantes a esse ou como as megas refinarias de petróleo (para exportação) são um atentado ao bem-estar da população pelos estragos ao meio ambiente e de prejuízos à saúde pública. Casos como esses, foram considerados em outros países como catástrofes e não programas de desenvolvimento regional. A informação que se tem é que estes projetos são de interesse nacional, donde uma correta política regional com a participação da opinião de segmentos da sociedade civil e representação popular não permitiriam levar avante. Muitos outros exemplos de políticas atuais podem ser enumerados, mas não cabem nesta resumida Crônica.
Uma estratégia determinante para o desenvolvimento da região Nordeste, de uma dimensão geográfica e populacional de uma grande nação, é articular os instrumentos federais, estaduais e municipais com as instituições locais (públicas e privadas) num amplo programa de desenvolvimento harmônico, com redução das desigualdades, da pobreza e das melhorias das condições de vida de toda a sociedade. Para isso, é necessário a criação ou fortalecimento de institutos de estudos e planejamento e criação de unidades de coordenação local. Do mesmo modo, é indispensável a formulação de uma política tecnológica generalizada (agricultura e indústria) e sistemas de transporte, e sobretudo melhorias acentuadas no sistema educacional básico (fundamental e ensino médio), saúde e formação de capital social básico.
Exemplos de Programas de Desenvolvimento Regional
São referenciais mundiais de programas de desenvolvimento regional o “Tennesse Valey Authority (TVA) e a Região do Appalaches, nos Estados Unidos; a Região do “Mezzogiorno”, Itália; (modelo que muito influenciou a estruturação da SUDENE), e o próprio exemplo do Nordeste do Brasil (1960). Na França, o modelo é de ordenamento do território nacional, visando o desenvolvimento de regiões atrasadas e o projeto de descentralização da região metropolitana de Paris. Nas última décadas, alguns economistas no Brasil  passaram a defender que o planejamento regional deveria ser realizado e implantado como parte de uma politica de natureza nacional. Essa concepção teve maior difusão na fase do regime militar, quando prevalecia a estratégia de integração nacional e um grande centralismo no processo decisório e de gestão pública.
Mesmo assim, a SUDENE continuou a elaborar seus planos tradicionais, mesmo que a execução era pouco efetiva. Os programas especiais de apoio ao setor rural, no entanto, como o Polonordeste, sertanejo e outros foram concebidos e executados com bastante regionalização e participação da  SUDENE. Posteriormente a essa etapa do sistema político, com a chamada redemocratização, surgiram os defensores do desenvolvimento local ou endógenos, contrariando a tese anterior.
Os estudos dos professores Clélio Campolina Diniz e Marco Crocco, da Universidade  Federal de Minas Gerais, sobre bases teóricas da economia regional formula algumas indicações  de grande atualidade e valor  no tocante ao desenvolvimento regional do Brasil. Dentre as propostas de uma nova política de desenvolvimento regional, os autores destacam: 1) reforçar a  capacidade de investimentos; 2) criação de sistemas locais de pesquisa e inovação; 3) melhoria do sistema educacional; 3) melhoria da infraestrutura de transporte e comunicações; 4) reorientação do sistema  de subsídios e incentivos fiscais.
Conclusões
O Brasil carece de novas políticas de desenvolvimento regional com vistas a encarar uma nova realidade politica e econômica nacional e internacional, bem diferente do que ocorria nas décadas anteriores. Agora é preciso fomentar novas ideias, estratégias e modelos institucionais que funcionem e estejam isentos de disfunções que caracterizaram a era da antiga SUDENE. Acredito que é oportuna a discussão sobre algumas questões básicas para o desenvolvimento do Nordeste.
Segundo os estudos do fundador da ciência regional, Walter Isard, a economia regional trabalha com cinco problemas principais, que precisam ser devidamente analisados para o caso da formulação de novas propostas para o Nordeste: 1) identificar as indústrias a implantar com prioridade em cada região para maximizar o crescimento regional e assegurar a rentabilidade satisfatória para o empreendimento; 2) aumentar a renda per capita e os níveis de emprego das regiões;  3) proporcionar a integração interna do parque industrial regional bem como sua diversificação; 4) proporcionar  o planejamento nacional  com base na agregação dos planos regionais, de sorte a obter-se a alocação racional dos recursos escassos; 5) ocupar mais racionalmente o espaço nacional, repartindo da melhor forma possível os honos e as atividades econômicas.
Segundo Richardson (2000), existem três maneiras de se analisar e planejar as implicações econômicas da dimensão espacial: 1) abordagem linear: toma por base as prioridades a partir dos custos de transporte dos fatores; 2) abordagem locacional: visa a maximização dos fatores e localização dos agentes econômicos; e 3) macroeconomia regional: identifica as inter-relações  entre as regiões  e a economia nacional de modo que as regiões integrem-se no sistema nacional.
Por fim, é oportuno opinar que a questão regional é bastante aberta na sua adoção prática ao redor do mundo. Seria difícil formular um modelo formal sobre tantas experiências bem sucedidas ou que tiveram poucos resultados depois de anos de execução. Pessoalmente estudei muitos casos segundo uma visão mais ampla das políticas e estratégias adotadas. Os resultados desses estudos estão contidos em livro editado pelo Banco do Nordeste do Brasil (2006) com o título de “O Desenvolvimento Regional e Rural no Mundo” que também pode ser consultado gratuitamente em formato virtual no Site da Editora Virtual-São Paulo, mencionado no início desta Crônica, mas pode também ser acessado facilmente pelo portal do Google, com a indicação: Livros virtuais-Pedro Sisnando Leite.

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