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Relicário, uma crônica de Augustino Chaves

Sítio Cajueiro, Tianguá, 1907. A azáfama do dia era sucedida pela calmaria da noite. Dia de sol, escura noite. Mas naquela noite a voz que emanava de fora da casa, voz do vento, voz de outras entidades, voz alta que desafiava o silêncio, não inquietava a criança: estava ao lado do pai, isso era tudo.

Quase dizia à voz: hoje você não tem vez. O pai entretanto notou que o filho observava a voz. Levou-lhe à origem: uns galhos entrelaçados ao vento produziam “a voz”. Mexeu nos galhos, silenciou a voz. Os temores não existem.

Fortaleza, 1977. A criança de outrora contava ao neto o que lhe ocorreu. Mostrava a atitude do pai. O avô mostrava seu relicário ao neto. Os temores não existem.

Brasília 2021. O ciclo da vida em mais uma temporada. O neto agora, por sua vez, é avô. E ao falar ao seu neto, inspira-se no espectro de seu falecido avô, expressivo em contar histórias, expressividade intacta às camadas usadas pelo tempo para cobrir o passado.

Coronel Raimundo Rodrigues Lima, pai do Vovô Édson. Não o conheci. Fotos suas não existem. De seu universo decorre o degradado ford bigode 1929 jogado na garagem do Sítio Cajueiro, da degradada antes imperial casa grande solidamente erguida no final do século XIX. O Coronel, próspero, arquitetou seu mundo e nele altivamente movimentava-se.

Na circunstância de neto primogênito, destino essas concisas linhas aos mais de cinquenta primas e primos, netos do Vovô Édson. Nada a temer.

Augustino Chaves é juiz federal exercendo hoje funções de assessor da presidência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) em Brasília. 

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