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Publique-se…, Por Uinie Caminha

Uinie Caminha é advogada. Sócia de BMC Advogados. Doutora em Direito Comercial pela USP, professora Titular da pós-graduação da Unifor e Adjunta da Universidade Federal do Ceará. Escreve mensalmente para o Focus.jor.

Por Uinie Caminha
Post convidado
Os meios de comunicação acompanham a evolução tecnológica da humanidade, ou dela são pressupostos, não se sabe ao certo. Mas pode-se afirmar sem grandes temores de erro que se trata de um caminho sem volta. As formas de armazenamento e transmissão de informação de todo tipo já passaram por tantas mudanças, de pedras a papiro, a papel, a gravações, a disquetes, a CDs, a pen drives, a “nuvens”… Não é diferente com os documentos jurídicos.
Atualmente, contratos e títulos podem se materializar em linguagem digital com a mesma validade, eficácia e segurança do papel, porém, com grande ganho em eficácia, não demandando grandes espaços físicos para sua guarda nem muita mão de obra para sua circulação. Na contramão dessa estória, alguns (vários, na verdade) dispositivos legais ordenam publicações de documentos em veículos oficiais de imprensa e nos chamados “jornais de grande circulação” como forma de dar publicidade a determinados atos, especialmente relacionados ao Direito Societário.
Assim, tanto o Código Civil quanto a Lei das Sociedades por Ações preveem a publicação física de atos societários, como convocações para assembleias e reuniões de sócios, informações financeiras, fatos relevantes, redução de capital social e alienação de estabelecimento. Se a intenção é razoável, a forma certamente não é mais. Em 1976, ano de edição da Lei 6.404, e mesmo em 2002, ano do “novo” Código Civil, as pessoas ainda tinham na mídia impressa uma fonte relevante de informação. Isso não ocorre atualmente. Manter obrigação de publicações societárias em jornais impressos não se justifica técnica ou economicamente, apenas representam um custo ineficiente para as empresas, sem qualquer contrapartida, sequer no quesito segurança, como alguns alegam.
Quem advoga na área societária sabe que as publicações são feitas, além dos órgãos oficiais, não em jornais de grande alcance (o que em si já é um conceito obscuro), mas naquele mais barato. Ou seja, se a ideia da Lei é que se atinja o maior número possível de eventuais interessados na publicação, o meio utilizado está fadado ao insucesso.
No conjunto de reformas microeconômicas que vem sendo apresentadas por iniciativa do Ministério da Economia, a aparentemente singela Medida Provisória 896 de 05 de agosto de 2019, com apenas cinco artigos, busca modificar essa realidade. Com efeito, a MP permite que as publicações de sociedades anônimas abertas sejam feitas, por certificação digital, nos sítios eletrônicos da Comissão de Valores Mobiliários e entidade de mercado na qual sejam negociados os títulos de emissão da companhia e em seus próprios sítios, ao invés de papel.
Com relação às companhias fechadas, a MP delega ao Ministro da Economia a competência para tratar de suas publicações, e ainda acrescenta que as publicações, em qualquer caso, não serão cobradas. A princípio, pode-se acreditar que se trata de uma alteração simples, que intuitivamente se considera racional, mas não é. A medida mexe com grupos de comunicação que ainda possuem jornais impressos pois as publicações legais representam parcela relevante de suas receitas, já tão abaladas pela preponderância das mídias digitais. Ainda que ninguém leia as demais páginas, o fato de a lei obrigar que empresas paguem por espaços em algumas delas ainda justificaria sua existência.
Nessa mesma linha, e mais recentemente, em 06 de setembro, foi publicada a Medida Provisória 896, que traz iniciativa similar, limitando as publicações legais a meios digitais, mas âmbito de poder público.  Isso afeta a publicação dos atos da administração pública, inclusive – e principalmente, aqueles relativos a licitações. Quando a lei determina que “se publique” um ato, deve-se entender que pretende torná-lo público, acessível ao maior número de pessoas, ao menor custo possível. Papel, definitivamente, não atende a um ou outro requisito.
Não se pode, a pretexto de salvar da extinção (ou retardar) o último suspiro de atividades econômicas destinadas a desaparecer, criar uma demanda artificial ou obrigar empresários a custos e burocracias que não encontram justificativa técnica. As empresas de comunicação mudaram, assim como seu público mudou. Ainda há outros dispositivos que demandam reforma: exigências dos tempos dos selos e carimbos nas quais o Código Civil, por exemplo é pródigo. Espera-se, ao menos na esfera do Direito da Empresa, que sejam corrigidos no futuro Código Comercial que tramita no Senado.
Não se trata de guerra ao papel, tenho notícias de pessoas que não abandonam os jornais pela manhã em troca de um tablet ou celular. Ótimo, se elas forem em número suficiente para sustentar esse mercado, ele se manterá. Assim como livros, assim como cadernos, agendas… Eu mesma, dia desses, escrevi uma carta a um destinatário relutante com relação à privacidade dos meios digitais. Foi uma experiência interessante, mas nem cheguei a enviá-la… tomara que não tenha sido a última, e que, quando decidir enviar, tenha outras opções que não os Correios… mas aí já é outro assunto.

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