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Programa de Integridade: requisito obrigatório para celebração de acordo de leniência. Por Karyna Gaya

Karyna Gaya, sócia de Cabral e Gaya Advogados. Foto: Divulgação

O Programa de Integridade consiste, no âmbito de uma pessoa jurídica, no conjunto de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades, bem como na aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta, políticas e diretrizes com objetivo de detectar e sanar desvios, fraudes, irregularidades e atos ilícitos praticados contra a administração pública, nacional ou estrangeira.

O Decreto nº 8.420/2015, que regulamenta a Lei Anticorrupção (Lei nº 12.846/2013), define que o programa de integridade deve ser estruturado, aplicado e atualizado de acordo com as características e riscos atuais das atividades de cada pessoa jurídica, a qual, por sua vez, deve garantir o constante aprimoramento e adaptação do referido programa, visando garantir sua efetividade.

O acordo de leniência, segundo o Decreto, poderá ser celebrado com as pessoas jurídicas responsáveis pela prática dos atos lesivos previstos na Lei Anticorrupção (Lei nº 12.846/2013) e dos ilícitos administrativos previstos na Lei de Licitações (Lei nº 8.666/1993), bem como previstos em outras normas de licitações e contratos. Visa a isenção ou a atenuação das respectivas sanções, desde que haja colaboração efetiva da pessoa jurídica com as investigações e o processo administrativo.

Deve resultar da colaboração efetiva da pessoa jurídica no acordo de leniência: a identificação dos demais envolvidos na infração administrativa, quando couber; e a obtenção célere de informações e documentos que comprovem a infração sob apuração.

O Decreto nº 8.420/2015, em seu artigo 37, determina que o acordo de leniência deve conter, obrigatoriamente, dentre outras disposições, cláusulas que versem sobre a adoção, aplicação ou aperfeiçoamento de programa de integridade, conforme os parâmetros estabelecidos no próprio Decreto, em seu artigo 42. São 14 (quatorze) requisitos para avaliação do programa de integridade quanto a sua existência, aplicação e, o mais importante, quanto à efetividade do programa e das medidas adotadas.

A competência para celebração de acordos de leniência tem sido tema constante entre especialistas e dos órgãos de governos envolvidos. Recentemente, em 6 de agosto de 2020, foi assinado Acordo de Cooperação Técnica entre diversos Órgãos do Governo (clique aqui), em matéria de combate à corrupção no Brasil, especialmente em relação aos Acordos de Leniência da Lei nº 12.846/2013. Foram signatários: a Controladoria-Geral da União (CGU), a Advocacia Geral da União (AGU), o Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) e o Tribunal de Contas da União (TCU).

Quanto ao Ministério Público Federal (MPF), a 5ª Câmara de Coordenação e Revisão — Combate à Corrupção do Ministério Público Federal (5CCR/MPF) divulgou, em 10 de agosto de 2020, Nota Técnica (clique aqui) em que defende que o MPF não deve aderir ao Acordo de Cooperação Técnica sobre Leniência. Dentre as questões apontadas, a CCR sustenta que a ausência de atribuições do MPF para negociar e celebrar Acordos de Leniência, no marco de responsabilização de pessoas jurídicas por atos de corrupção, feriria a legitimidade concorrente do Órgão para o tratamento do tema no campo da legislação anticorrupção criminal.

Acima da discussão interinstitucional em voga, é pacífico entre os entes públicos envolvidos que o programa de integridade é requisito essencial e obrigatório para celebração de acordos de leniência.

O Acordo de Cooperação Técnica em matéria de combate à corrupção no Brasil elenca 17 (dezessete) princípios que devem reger a e a atuação dos órgãos competentes em matéria de acordos de leniência da Lei nº 12.846/2013, sendo que o primeiro princípio já destaca a importância de um programa de integridade efetivo: “colaboração, lealdade, boa-fé objetiva e proteção da confiança entre Estado e a pessoa jurídica colaboradora, buscando, a um só tempo, a completa cessação do comportamento ilícito pretérito e a readequação das práticas empresariais para o futuro, especialmente por meio de programas de integridade.”

O aprimoramento dos programas de integridade como requisito para celebração de acordos de leniência foi mencionada no décimo quarto princípio do Acordo de Cooperação Técnica: “efetividade e caráter dissuasório das sanções, uma vez que o acordo de leniência é um instrumento de aplicação do direito sancionador que requer para a sua celebração, a colaboração da pessoa jurídica, a admissão da responsabilidade objetiva, a cessação da prática dos atos lesivos, o incremento dos valores de ressarcimento e a assunção dos compromissos de aprimoramento dos programas de integridade.”

Já a Nota Técnica emitida pela 5ª Câmara de Coordenação e Revisão — Combate à Corrupção do Ministério Público Federal (5CCR/MPF), apesar de sugerir acréscimos à lista de princípios elencados no Acordo de Cooperação Técnica, não questiona ou modifica qualquer aspecto relacionado à obrigatoriedade dos programas de integridade como requisito para celebração dos acordos de leniência.

Nesse cenário, ainda que se discuta atualmente a competência concorrente de órgãos públicos para celebração dos acordos de leniência, é certo que, sem um programa de integridade efetivo, que siga os requisitos previstos no Decreto nº 8.420/2015, as pessoas jurídicas não estarão aptas a celebrar acordo de leniência, na hipótese de responsabilização por atos lesivos à administração pública.

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