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Observações sobre as "teologias" de opção pelos pobres no Brasil, por Pedro Sisnando

Pedro Sisnando Leite é economista com pós-graduação em desenvolvimento econômico e planejamento regional em Israel. Membro do Instituto do Ceará e da Academia de Ciências Sociais do Ceará. É professor titular (aposentado) do programa de mestrado (CAEN) da UFC, onde foi também Pró-Reitor de Planejamento. No Banco do Nordeste, ocupou o cargo de economista e Chefe da Divisão de Estudos Agrícolas do Escritório Técnico de Estudos Econômicos. No período de 1995-2002, exerceu a função de Secretário de Estado de Desenvolvimento Rural do Ceará. Publicou cerca de 40 livros em sua área de especialização e escreveu muitos artigos para jornais e revistas.

Para a Sagrada Congregação para a Doutrina  da Fé, a teologia da libertação tem sido deturpada de seu verdadeiro sentido cristão original. Ao mesmo tempo, para alguns teólogos a Igreja tem olhado para o assunto de modo conservador e prejudicial a um movimento de vanguarda da modernização espiritual do cristianismo. 
Nesta Crônica pretendo fazer algumas reflexões sobre esse tema que tem motivado muito discussão nos meios intelectuais latino-americanos, especialmente no Brasil onde residem renomados filósofos devotados ao estudo e difusão dessa mensagem doutrinária. É muito oportuna para o bem da Igreja que essas divergências sejam esclarecidas para que prevaleça entre os fiéis um espírito de paz e harmonia. Se bem tenha que ser breve, é bom que as pessoas interessadas nessa temática recorram às inúmeras fontes bibliográficas existentes para melhores esclarecimentos.   
Foram o Concílio Vaticano II (1962) e a Conferência Episcopal Latino-Americana de Medellín (1968) que serviram de inspiração para a concepção da teologia da libertação, que seus idealizadores acreditam que servirá para a construção de uma sociedade justa, solidária e fraterna. Segundo os exegetas desses eventos, a proposta do Evangelho sobre a opção preferencial pelos pobres entusiasmou o Papa Paulo VI (1963-1978) durante as reflexões levantadas pelos teólogos durante esses encontros ecumênicos. 
De fato, Jesus Cristo deu início a sua missão terrena com as palavras do profeta Isaias: “O espírito do senhor está sobre mim, porque me ungiu; e enviou-me para anunciar a boa nova aos pobres, para sarar os contritos de coração, para anunciar aos cativos a redenção, aos cegos a restauração da vista, para por em liberdade os cativos, para publicar o ano da graça do Senhor” (Lc 4, 18-19).  
   Por volta de 1972, portanto, há quarenta e sete  anos, um grupo de sacerdotes da América Latina lançou uma espécie de manifesto, ou movimento, criticando as desigualdades e pobreza desse continente. O foco principal das críticas formuladas sobre essa situação é direcionado especificamente para o neoliberalismo econômico predominante nos países ocidentais. Alguns teólogos tomaram por base para essas conclusões o pensamento marxista, que defende a tese de que somente uma revolução completa do sistema terá resultado para sanar a exclusão social desses países subdesenvolvidos.
São essas as razões que motivaram uma cisão de pensamento sobre a Teologia da Libertação dentro da Igreja Católica. De fato, a Bíblia vê o homem como um ser criado por um Deus transcendente que tem um propósito definido para a nossa vida, mas Marx disse: “A verdadeira natureza do homem é a totalidade das relações sociais (1845). Ou seja, Karl Marx nega a existência de Deus e diz que cada indivíduo é produto da sociedade em que vive”. Além disso, ele nega que haja uma vida após a morte e que Deus é o ópio do povo.
A Igreja rejeita essa heresia, pois se alguém crê em Deus e na imortalidade da alma não pode, ao mesmo tempo, aceitar a teoria da evolução materialista da história como o caminho da solução para os problemas da sociedade. Para explicarem essa dicotomia, alguns teólogos se dizem marxistas-cristãos, mas os dois pensamentos são totalmente discordantes a respeito de Deus e da natureza humana.    
Depois de estudos e avaliações criteriosas dessa situação pela Igreja, o Papa João Paulo II (1978-2005) questionou esse movimento que passou a fomentar a luta de classes e poderia distanciar os fiéis para visões relativistas do cristianismo. Sobre o assunto, Dom Jorge Enrique Jiménez Carvajal (arcebispo de Cartagena-Colômbia) destaca que, de fato, as formas de pobreza se multiplicam no mundo, inclusive nos países onde o modelo socialista fracassou. Assim é preciso criatividade para responder hoje em dia à “opção preferencial pelos pobres”, que deve ser em nome de Jesus Cristo e do Evangelho, e não baseado em princípios marxistas chamados científicos”. 
No discurso inaugural da Quinta Conferência de Aparecida (Brasil, maio de 2007) o Papa Bento XVI fez a exortação aos bispos presentes dizendo que “devemos manter com renovado esforço pela nossa opção evangélica de preferência pelos pobres”. 
Parece que esse assunto tornou-se um referencial para algumas pessoas classificarem os católicos de conservadores ou progressistas. Isto é, os que rejeitam a proposta da teologia da libertação são os conservadores, ou em lado oposto, os progressistas marxistas! 
Na verdade, a opção preferencial pelos pobres nasceu com o cristianismo, na manjedoura de Belém, com o menino Jesus Cristo. A pobreza está também presente no antigo e no novo Testamento, nos seus aspectos espiritual e material. No Concílio Ecumênico Vaticano II, as questões de pobreza e desigualdades econômicas e sociais entre nações e pessoas foram profundamente discutidas e incorporadas aos documentos que emergiram desse evento religioso. Sem falar nos extraordinários documentos e Encíclicas papais, especialmente a partir da “Rerum Novarum” de Leão XIII, proclamada há mais de cem anos.
No entanto, foi a partir das preocupações com o mundo de hoje, oriundas do Concílio Vaticano II, como já comentado, que alguns teólogos passaram a estruturar uma estratégia em busca de soluções que permitissem uma libertação da miséria dos povos desse continente. Destacaram-se nessa tarefa de propor uma “teologia dos pobres excluídos dos bens da terra”, o então franciscano Leonardo Boff e o padre peruano Gustavo Gutiérrez. É bom lembrar que as referencias sobre “libertação” citadas no Novo Testamento são pertinentes à superação dos pecados e não da saída da escravidão do Egito, conforme a hagiografia registra no livro do” Êxodo”.    
Como se tornou conhecida, a Teologia da Libertação difundiu-se em outros países sobre diversas modalidades e concepções. De modo geral, contudo, duas correntes teológicas tomaram caminhos diferentes. Uma assumiu como fundamentação de suas ideias a Doutrina Social da Igreja, que tem a aprovação plena do Vaticano. Na América Latina, especialmente no Brasil e Peru, a opção instrumental é de ordem econômica fundamentada na ideologia marxista. 
Em outras palavras, a Doutrina Social da Igreja tem como luz, a verdade; como fim, a justiça; e como força dinâmica, o amor ao próximo e o culto da liberdade e da dignidade humana.  Por sua vez, a ideologia marxista propõe a luta de classes, pois a causa da pobreza segundo essa concepção está nas classes burguesas dominantes. Para implantação desse sistema, torna-se necessário a adoção da ditadura do proletariado, supressão da democracia e das liberdades individuais, e estatização da economia. O fundamental, no entanto, é que esta ideologia se baseia no materialismo histórico e no ateísmo.         
As religiões são consideradas como alienação do povo e que entorpecem o progresso da sociedade. Este modelo, na verdade, nunca conseguiu ser implantado plenamente na prática, a não ser um de seus estágios, que foi o socialismo adotado pela União Soviética, Leste Europeu e, ainda, em alguns países isolados (China e Cuba), com os resultados  que são conhecidos de todos. Na verdade, reconhece a Igreja que tanto o marxismo, como o liberalismo prometeu encontrar o caminho para a criação de estruturas justas. Mas, como é de nosso conhecimento, tal promessa se mostrou falsa. O sistema marxista, onde governou, deixou uma triste herança de destruições econômicas e ecológicas, além de uma penosa opressão das almas.
No ocidente, cresceu a distância entre pobres e ricos e se manifestou uma inquietante degradação da dignidade pessoal com droga, álcool e miragens efémeras de felicidades. Nesse contexto, a Teologia da Libertação, na América Latina, é uma fusão de propósitos  cristãos para com os pobres com a ideologia marxista, incompatível com os Evangelhos e com a Igreja Católica. 
Os idealizadores dessa nova “religião”, justificam-se  alegando que nada fizeram de errado, senão uma nova leitura da fé cristã à luz  das injustiças estruturais do capitalismo. O foco é que a libertação não deve ser do “Egito” ou do “pecado”, mas da  injustiça das classes sociais burguesas.  
O papa João Paulo II, de saudosa memória,  foi informado pelos bispos e leigos engajados do mundo inteiro sobre essas “Teologias” da Libertação  que estavam sendo ativadas através das pastorais das dioceses de toda a América Latina, Central e África. Em vista disso, o Santo Papa solicitou à Congregação para a Doutrina da Fé do Vaticano estudos sobre as diversas modalidades de Teologias da Libertação. Com base nesses documentos, e em reuniões e Sínodos de bispos, João Paulo II assinou, em 1984, um documento estabelecendo “Instruções sobre Alguns Aspectos da Teologia da Libertação” para orientar a Igreja Católica sobre esse controvertido assunto.
Por isso é que, quando da eleição do Bispo Joseph Ratzinger para Papa (Bento XVI) comentou-se que se tratava de um teólogo conservador, pois teria influenciado o Papa João Paulo II em condenar a Teologia da Libertação!
Na verdade, entretanto, tanto o saudoso Papa João Paulo II quanto o  Papa Bento XVI aprovavam a Opção Preferencial pelos Pobres e a Teologia da Libertação, baseada na Doutrina Social da Igreja. No discurso em Puebla, João Paulo II lembrou que a Teologia da Libertação deve estar assentada em três pilares: “A verdade sobre Jesus Cristo, a verdade sobre a Igreja e a verdade sobre o homem”. Desse modo, não é possível juntar esses fundamentos com o ateísmo marxista que nega a espiritualidade  da pessoa humana, de sua liberdade e de seus direitos individuais.
Em resumo, a posição da Igreja sobre esses assuntos foram bem expressos pelo Papa Bento XVI falando aos bispos da América Latina e do Caribe, fazendo uma reflexão teológica sobre o desenvolvimento harmônico da sociedade e a identidade católica de seus povos: “A opção pelos pobres está implícita na fé cristã naquela em que Deus se fez pobre por nós, para que nos enriquecêssemos com sua pobreza”. Acrescentou então  o Papa: ”A vocação fundamental da Igreja é ser advogada da justiça e da verdade, educar nas virtudes individuais, políticas e formar as consciências a partir de valores éticos”. Os que não agem segundo esses princípios, portanto, não podem ser chamados cristãos!

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