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O TCE-CE e a jurisprudência do extinto TCM-CE

 

Geraldo de Holanda Gonçalves Filho – Advogado – OAB-CE nº 17.824 – Advogado Militante da área do Direito Público, atuante no âmbito dos Tribunais de Contas.

Por Geraldo de Holanda Gonçalves Filho
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A necessidade de uniformização das decisões, seja no âmbito dos Tribunais de Contas, tribunais administrativos e/ou do Poder Judiciário, mostra-se como sendo pedra basilar da segurança jurídica, no sentido de se garantir a plena estabilidade do sistema judicante, das relações jurídicas e do próprio Estado Democrático de Direito.
Compreende-se que os órgãos julgadores, quando da modificação de entendimentos jurisprudenciais sedimentados, devem delimitar de forma objetiva o conteúdo da alteração, bem como preservar as relações jurídicas consolidadas definitivamente sob a ordem jurisprudencial anterior, firmando um efeito pró-futuro para plena aplicação do novo pensamento, bem como estabelecendo uma forma de transição para tanto.
Não se defende aqui a imutabilidade das decisões, muito pelo contrário, o sistema jurídico deve ser pautado pela evolução do pensamento, sempre no sentido de privilegiar uma interpretação equânime da norma legal, no contexto de salvaguardar o equilíbrio das relações, diante necessidades impostas pelo contexto social vivido.
O que se prega, diante da ordem processual e legal vigente, esta, como dito, pautada na segurança jurídica e no respeito aos precedentes jurisprudenciais, é que devem as relações jurídicas consolidadas sob a égide de um pensamento anterior ser apreciadas sob a ótica deste entendimento, não podendo as mesmas ser atingidas por uma mudança interpretativa ulterior da norma.
Neste cenário, no âmbito do Tribunal de Contas do Estado do Ceará, diante da ruptura sistêmica decorrente da extinção do TCM/CE, em agosto de 2017, é que devem as Prestações de Contas dos gestores públicos, estas apresentadas com base nas reiteradas decisões da extinta Corte de Contas, ser efetivamente processadas e julgadas de acordo com o entendimento até então consolidado, salvo quando a alteração hermenêutica efetuada pelo TCE/CE não lhe for mais benéfica.
Tem-se que a Prestação de Contas protocolada sob a “jurisdição” do TCM/CE configura um ato jurídico perfeito, ou seja, de impossível alteração diante de um novo entendimento jurisprudencial formulado pelo TCE/CE (Corte de Contas que recebera todo o acervo processual do TCM/CE), razão pela qual deve ser preservado no momento do julgamento o entendimento sedimentado da época de sua realização.
Do contrário, estaríamos diante um cenário completamente inverso ao ordenamento processual e legal posto, em que o aplicador do direito deixa efetivamente de cumprir com os aspectos da segurança jurídica das relações, este amplamente difundido com o Código de Processo Civil de 2015 (art. 927, § 3º) e, mais recentemente, com a Lei nº 13.655/2018, esta que incluiu os artigos 20 a 30 na LINDB (estabelecendo normas de segurança jurídica e eficiência na criação e na aplicação do direito público).
Dentro das alterações formuladas na LINDB pela Lei nº 13.655/2018, destaque-se o teor do art. 23, este que dispõe que a decisão, judicial ou controladora, que estabelecer nova orientação jurisprudencial sobre tema consolidado “deverá prever regime de transição quando indispensável para que o novo dever ou condicionamento de direito seja cumprido de modo proporcional, equânime e eficiente e sem prejuízo aos interesses gerais.
Seguindo esta linha, temos a destacar ainda o teor do dispositivo do art. 24[1] e seu parágrafo único do mesmo diploma legal, em que resta consignada a necessidade de que as decisões administrativas que revisem atos anteriores levem em conta as orientações gerais da época dos fatos.
Outrossim, importante registrar que, antes da edição do novo Código de Processo Civil ou das alterações da LINDB, o direito positivo, por meio da Lei nº 9.868/99 (que dispõe sobre o processo e julgamento da ação direta de inconstitucionalidade e da ação declaratória de constitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal), já previa a modulação de efeitos, prospectivamente, na Ação Direta de Inconstitucionalidade e na Ação Declaratória de Constitucionalidade.
Temos que no Ordenamento Jurídico Brasileiro, pautado pela supremacia da Constituição da República, o maior vício que uma legislação infraconstitucional pode ter é a declaração de sua inconstitucionalidade. Assim, o próprio ordenamento ressalva a possibilidade de que a lei declarada inconstitucional possa a permear seus efeitos (inclusive pró futuro), quando constatado que a decisão pela inconstitucionalidade possa gerar prejuízos à segurança jurídica e diante de um excepcional interesse social. Há, efetivamente, a preservação das situações jurídicas já consolidadas, mesmo quando eivadas com o vício de inconstitucionalidade.
Assim, torna-se desarrazoável penalizar o Gestor Público por ato de gestão que praticou acreditando estar amparado pelo entendimento da Corte Contas, já que a matéria era pacificada de uma forma quando da sua execução, não podendo uma alteração jurisprudencial posterior atingir a relação jurídica, pois estaria, inclusive ferindo o Princípio da Ampla defesa, pois ensejaria na impossibilidade da prática de qualquer ato de defesa.
Reitere-se, no caso dos entendimentos pacificados no âmbito do TCM/CE e modificados pelo TCE/CE, tem-se que a razão da referida alteração é decorrente da extinção daquela Corte de Contas, o que robustece ainda mais a necessidade de modulação dos efeitos pró-futuro do novo pensamento da Corte de Contas Estadual.
Por todo o exposto, tem-se que no âmbito do Tribunal de Contas do Estado do Ceará, como decorrência da abrupta extinção do Tribunal de Contas dos Municípios do Estado do Ceará (TCM/CE), os atos dos gestores municipais praticados sob a égide de um entendimento consolidado do extinto tribunal, devem efetivamente ser avaliados/julgados levando em consideração o entendimento firmado da Corte de Controle da época da sua prática, em uma direta aplicação dos Princípios da Segurança Jurídica e da Ampla Defesa.

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