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O STF e o “inquérito do fim do mundo”, por Bruno Queiroz

Bruno Queiroz é Advogado Criminalista. Doutor em Direito.Diretor do Instituto dos Advogados do Ceará. Professor da Disciplina Direito Penal no Curso de Direito da Unichristus e na Escola Superior do Ministério Público/CE. Conselheiro da Abracrim (Associação Brasileira de Advogados Criminalistas)

Por Bruno Queiroz
Post convidado

O Supremo Tribunal Federal tem sido alvo de fortes críticas em razão da instauração, ex officio, do inquérito criminal n. 4781, cujo objetivo consiste na investigação sobre fake news, ameaças e ofensas que atingem a honra e a segurança de membros da Suprema Corte.

A razão principal da crítica reside em que o mencionado inquérito ofende ao Sistema Acusatório previsto na Constituição Federal de 1988 que atribuiu ao Ministério Público a função privativa de promover a ação penal pública, ou seja, enquanto as autoridades com poderes investigativos detêm a função de presidir a fase preliminar de investigações, cabe ao Ministério Público a iniciativa exclusiva para promover a ação penal pública na forma da lei. Ao Poder Judiciário, incumbe o juízo de recebimento ou rejeição da denúncia e, caso aceita, o processamento e julgamento do processo penal. Também são características do sistema acusatório a separação rígida entre o juiz e acusação, a paridade entre acusação e defesa e a publicidade do julgamento.

O inquérito n. 4781, de fato, possui vícios de enorme gravidade e que o conduzem na contramão dos princípios que norteiam o Devido Processo Legal. Inicialmente, cabe registrar  que o inquérito  fora  instaurado de modo arbitrário, direcionado  para um instrutor também de maneira pessoalizada, circunstância que vai absolutamente contra a exigência da lei processual penal brasileira no sentido de que se alguém tem interesse na causa não deve sobre ela exercer jurisdição, vale dizer, não é possível que uma mesma pessoa figure como juiz e acusador ou como juiz e vítima no mesmo p rocesso.  Ao que tudo indica, no referido inquérito parece mesmo haver acúmulo de funções por parte do Ministro Alexandre de Moraes, que ora figura como investigador, ora figura como juiz que decreta prisões e outras medidas cautelares e ora figura como vítima dos ataques objeto da própria investigação.

Importante esclarecer que os fatos investigados não estão apenas no âmbito da liberdade de expressão pois existem fortes indícios de que existe grupo organizado com estrutura hierárquica e divisão de  funções com objetivo de cometer delitos de calúnia, difamação, injúria, ameaça, constrangimento ilegal e outros crimes previstos em nossa legislação, mas isso não significa que a investigação possa  seguir o rumo  adotado pela Suprema Corte.

O Ministro Alexandre de Moraes afirmou recentemente que outros órgãos fazem investigações penais e citou o Congresso Nacional, a Receita Federal, o Banco Central e os tribunais. Segundo ele, o resultado de qualquer inquérito, para se tornar ação penal, depende da iniciativa do Ministério Público, razão pela qual cabe ao Supremo Tribunal Federal autorizar a instauração e promover o arquivamento dos inquéritos que tramitam no Tribunal.

Ocorre que nos demais inquéritos instaurados  no âmbito da Corte Superior, a exemplo dos inquéritos instaurados para investigar eventuais crimes praticados por parlamentares federais, não se pode afirmar que existe um  interesse direto do Ministro responsável pela Presidência das investigações como parece ser o caso do inquérito  4781, isto porque, é indiscutível o fato de que o próprio Ministro Alexandre de Moraes figura como vítima das condutas  praticadas pelos investigados no referido inquérito.

Não se pode olvidar também que ataques ao sistema acusatório não são nenhuma novidade no Brasil. O ex-juiz Sergio Moro, por exemplo, cometeu verdadeiras atrocidades contra o sistema acusatório em processos da Operação Lava-Jato e isso já ficava muito claro mesmo antes do vazamento das mensagens dos celulares do ex-juiz, pois este decretou, de ofício, prisões temporárias, prisões preventivas e outras medidas sem pedido do Ministério Público. Depois ficou claro que o ex-juiz, à época muito aplaudido pelos que hoje atacam o Supremo,   permitiu adiantamento informal de peç as, pelo Ministério Público Federal para facilitar preparo da decisão, em episódio de evidente e descabida combinação entre ambos, inclusive com o juiz alertando ao procurador da República para o cumprimento do prazo, via aplicativo Telegram. O ex-juiz também indicou ao Ministério Público que deveria incluir nos autos prova contra um réu, antes do julgamento.

O sistema acusatório, sem dúvida, constitui inegável característica do Estado Democrático de Direito e o Supremo Tribunal Federal deveria zelar por esse princípio, não apenas no inquérito n. 4781, mas sempre que chegar ao conhecimento da Corte qualquer notícia de abusos que maculem a imparcialidade de qualquer órgão do Poder Judiciário.

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