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O significado de conversas, por Rui Martinho

Rui Martinho é professor da UFC, advogado, bacharel em administração, mestre em sociologia e doutor em história. Com 6 livros publicados e vários artigos acadêmicos na área de história, educação e política. Assina coluna semanal no Focus.jor.

Conversas podem adquirir múltiplos significados. Conteúdo, pessoa e atividade dos interlocutores, âmbito em que ocorrem e circunstâncias em que se desenrolam ensejam diferentes sentidos aos diálogos. Um conteúdo pode ter conotação diferente conforme seja objeto de declaração formal ou opinião confidenciada informalmente na intimidade entre amigos. A proteção dada à intimidade, na forma de garantia constitucional ao segredo, porém, pode ser afastada quando o conteúdo tenha relação com o interesse público ou ligado ao exercício do munos publicum.
Autoridades, porém, não estão impedidas de cultivar amizades, trocar desabafos, confessar temores e apreensões uma às outras. Os órgãos do Ministério Público Federal (MPF) podem ter apreensões humanas ligadas a personagens por eles acusados, principalmente quando estes proferem ameaças nada desprezíveis para quando voltarem ao poder. Os fiscais da lei podem conversar entre si e mencionar orações para que isso não aconteça. Tal fato não é incompatível com o exercício do aludido munos publicum. Órgãos do MPF não são proibidos de conversar uns com os outros sobre o que quer que seja. Confessar apreensões e mencionar que apelam a Deus, o que pode ser mera figura de linguagem para expressar desejos ou temores não é atitude incompatível com o desempenho dos encargos ministeriais. Enfrentar numerosos e poderosos criminosos articulados em organização criminosa, com apoio nas mais altas esferas dos poderes da República, é algo preocupante, exceto para os super-heróis de revistas de quadrinhos. Confidências, em tais circunstâncias, não caracterizam irregularidade processual.
A comunicação de um órgão do MPF, sobre um processo em que atua, com o juiz da mesma ação é algo distinto da conversa entre procuradores e é objeto de certas restrições legais. O processo acusatório separa quem acusa de quem julga. Mas juízes e procuradores que oficiam na mesma vara, debruçando-se sobre os mesmos processos, não estão proibidos de cultivar amizade, conversar informalmente e fazer desabafos e confidências na intimidade. O que não é permitido é a subordinação de uns aos outros. A independência do MPF é assegurada constitucionalmente e os seus integrantes são ciosos de suas prerrogativas. Quem conhece os meios forenses sabe que procuradores não se deixam tutelar. Podem, todavia, ter ideias semelhantes às do juiz. Isso não é proibido nem é conluio.
A independência do MPF e a imparcialidade de um juiz podem ser avaliadas pelas divergências entre eles. Sérgio Moro absolveu cinquenta e quatro réus para os quais o MPF havia pedido condenação e teve impugnadas, pela via recursal, centenas de decisões terminativas e interlocutórias. Não houve tutelava sobre o MPF, nem conluio deste com o juiz citado, nem sanha persecutória. Procuradores são selecionados mediante concursos rigorosíssimos. São profissionais qualificados. Não precisam de guias de cego.
O interesse público afasta a intimidade e a proteção ao segredo. Uma informação que revele uma clara tentativa de obstacular a ação da Justiça, valendo-se de documento oficial produzido no exercício de uma elevada função pública não deve ser sigilosa. Precisa obedecer ao princípio da publicidade dos atos administrativos e processuais. Caracteriza conduta ilícita. Uma conversa informal, porém, sem a elaboração de nenhum documento oficial e sem efeito sobre as decisões oficiais não viola o Direito Processual Penal. Já a tentativa de promover a impunidade de réu ou condenado violando comunicações para criar uma aparência de nulidade processual é uma ilicitude.

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