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O progressismo, por Rui Martinho

Rui Martinho é professor da UFC, advogado, bacharel em administração, mestre em sociologia e doutor em história. Com 6 livros publicados e vários artigos acadêmicos na área de história, educação e política. Assina coluna semanal no Focus.jor.

Intelectuais são escribas, letrados e peritos (Raymond Aron 1905 – 1983), que vivem do saber (Maximilien Karl Emil Weber, 1864 – 1920), situados logo abaixo dos homens públicos de peso (Carl Wright Mills, 1916 – 1962). Mas desde Platão (428/427 a.C – 348/347 a.C) sonham com uma república em que os filósofos sejam reis. Este é o ópio dos intelectuais (Aron). As universidades são dependentes deste ópio. Escritores, jornalistas, professores , juristas – inclusive ministros do STF – são intelectuais. As constituições modernas são analíticas, programáticas e principiológicas e progressistas, influenciadas por intelectuais. O controle concentrado de constitucionalidade e a nova Hermenêutica constitucional, com a interpretação conforme e a mutação constitucional, ensejou ao STF legislar positivamente, colocando-se acima dos demais poderes. Isso o transformou em Poder absoluto, acima de tudo e de todos. Vejamos as raízes disso.

A ideia de progresso era ignorada pelos gregos, para quem a história era uma repetição de ciclos. Agostinho de Hipona (354 – 430) impulsionou a ideia de progresso com um rumo divinamente definido até o fim dos tempos. O progressismo secular ganhou força com o iluminismo, movimento político-filosófico, que invocando o nome da ciência, apresentava-se como luz contra as trevas, ciência unívoca e estreme de dúvidas. Nascia a engenharia social. O outro, ignorante ou perverso, devia ser tutelado ou destruído.

A promessa de um mundo melhor legitimava todos os meios. A Revolução Francesa, inspirada no iluminismo, praticou a “fraternidade” da guilhotina. Cortou centenas de milhares de cabeças. Hippolyte Taine (1828 – 1895) entende que o espírito destrutivo da citada Revolução era uma vigorosa fé na racionalidade havida como científica. Isidore Auguste Marie François Xavier Comte (1798 – 1857), herdeiro do iluminismo, queria nomear como Física Social o estudo da sociedade, vislumbrando as etapas teológica, metafísica e positiva como uma lei: o progresso. Os socialistas, também progressistas, criticam Comte, mas igualmente apresentavam o socialismo como ciência. Leandro Augusto Marques Coêlho Konder (1936 – 2014), um comunista dos mais qualificados, via incrustrações positivistas nas fileira marxistas. Os pensadores semeam ideias sem se responsabilizar pelos seus resultados e não lideram movimentos políticos. Antes da Revolução Francesa poucos leram Jean-Jacques Rousseau (1712 – 1778). José Guilherme Merquior (1941 – 1991) lembra que foram os integrantes de uma espécie de lumpen-intelligentsia que fazem as revoluções, não os pensadores. Konder, na obra “A derrota da dialética”, diz que a militância marxista não conhecia Marx.

O progressismo começa com um equívoco. Não existe evidência de que a realidade se mova em direção a um objetivo, algo melhor, seguindo as “leis da dialética”, como queria Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770 – 1831). Arthur Schopenhauer (1788 – 1860), Karl Raymond Popper (1902 – 1994) e muitos outros denunciam a falta de fundamentos válidos das conjecturas de Hegel sobre a “astúcia da história”. A dialética é uma senhora de costumes cognoscitivos fáceis (Lucio Coletti, 1924 – 2001). O Estado não é o agente da História para aperfeiçoar a sociedade e o homem. Intelectuais têm a ilusão de controlar um Estado dirigente de consciências. Isso é totalitarismo e é o ópio dos intelectuais (Aron). É tambem ilusão. Vladimir Ilyich Ulianov (Lênin, 1870 – 1924) moveu implacável perseguição aos intelectuais, descrita na obra “A guerra particular de Lênin” (Lesley Chamberlain, 1951 – viva). A competição entre as elites guerreira; sacerdotal; econômica; intelectual; e militar é o esteio da democracia (Gaetano Mosca, 1858 – 1941). Reduzir o número de elites abala a democracia, é projeto totalitário.

Intelectuais têm como objeto de suas cogitações o mundo das ideias (Thomas Sowell, 1930 – vivo), o que os faz inclinados aos devaneios. Não produzindo resultados materiais visíveis, são tentados a atribuir aos próprios conhecimentos um sentido prescritivo, um dever ser. Mas são apenas descrições e interpretações de fatos e atos. A engenharia social tem a ambição de alcançar a totalidade do real. É cediço, porém, que quanto mais amplo o objeto de pesquisa, mais superficial e incerto é o conhecimento produzido. Transformado em instrumento de poder o conhecimento se torna ideologia que acumula fracassos e comete abusos.

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