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O outro como abstração , por Rui Martinho

Rui Martinho é professor da UFC, advogado, bacharel em administração, mestre em sociologia e doutor em história. Com 6 livros publicados e vários artigos acadêmicos na área de história, educação e política. Assina coluna semanal no Focus.jor.

O iluminismo foi um movimento intelectual e político que no século XVIII queria produzir um conhecimento humanístico consistente, como a Física da Revolução científica do séc. XVII. Queria fazer previsões tão confiáveis quanto as que antecipam a passagem de cometas, o resultado de reações químicas e demais vaticínios das ciências da natureza. Queria acatamento. Reivindicava o status de autoridade. Eram intelectuais do tipo ungido. Os chamados déspotas esclarecidos deixaram-se embair pelos iluministas e os acolheram em seus castelos, dando ouvidos aos seus conselhos. François-Marie Arouet (1694 – 1778) e Jean-Jacques Rousseau (1712 – 1778) são exemplos disso, tendo sido hospedados e patrocinados por nobres e reis.

Os iluministas citados escreviam com grande beleza. Não com rigor científico da Física do pretendido argumento de autoridade. Presumiam-se superiores intelectual e moralmente. Paul Bede Johnson (1928 – vivo), na obra “Os intelectuais”, desnuda retalhos biográficos de alguns dos mais renomados pensadores, mostrando que não havia entre eles superioridade moral. Thomas Sowell (1930 – vivo), na obra “Os intelectuais e a sociedade”, descreve a atitude dos intelectuais ungidos nas vésperas da IIGM. Alunos da Universidade de Oxford comprometeram-se publicamente a não lutar pela defesa do seu país, no chamado juramento de Oxford. Amavam o outro abstrato. Estudantes podem não ser intelectuais, mas expressavam a atmosfera intelectual da universidade citada. Sowell ressalta que Bertrand Arthur William Russel (1872 – 1970) defendia o desarmamento do Reino Unido. Assim ninguém (Hitler) teria motivos para temer e atacar os britânicos. Amor pelo outro abstrato.

Intelectuais ungidos amam abstrações. A presunção iluminista de esclarecimento não tem fundamento na realidade. Críticos das tradições declaram amor surpreendente a valores tradicionais como solidariedade e amor ao próximo, cujas origens passam longe do secularismo cientificista, evidenciando as raízes confessionais das religiões civis. Não amam, todavia, o próximo, mas o distante, envolto nas nuvens de suas abstrações e devaneios, fáceis de amar, que não nos contrariam, não representam ônus para nós. Amamos ao longe as criancinhas vitimadas pela guerra na Síria e amamos a concretude dos cachorros submissos e incondicionalmente leais.

O próximo não se confunde com a distante abstração. É o chefe, subordinado, cônjuge, filho, guarda do trânsito que interagem conosco de perto ou não se chamaria próximo. O narcisismo confundido com virtude procura vítimas e vilões ou não haverá herói nem salvador. Tomar arbustos por donzelas agredidas e moinhos de vento por vilões enseja heroísmo. Basta fechar os olhos para a realidade. A crítica social passa ao largo de todos os indicadores objetivos que evidenciam a enorme melhoria das condições de vida nos últimos cem anos. Mortalidade infantil e esperança de vida, anos de escolaridade e analfabetismo, acesso aos bens que proporcionam conforto, com eletrodomésticos, que se tornaram populares. José Guilherme Merquior (1941 – 1991), na obra “O argumento liberal”, ressalta que um operário qualificado hoje vive melhor do que vivia um rei na Idade Média. Não olhamos para isso, mas para a pobreza comparada. Nos mesmo cem anos de grande melhoria das condições de vida houve grande concentração de renda, que varremos para debaixo do tapete da História para não perdermos a nossa Dulcinéia, com licença de Miguel de Cervantes Saavedra (1547 – 1616).

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