Por Leandro Vasques
Uma vez mais a sociedade se vê seqüelada com a incontrolável onda de infrações praticadas por adolescentes. Novamente inflamados pela repercussão da mídia, segmentos reascendem a discussão do tema da redução da idade penal. Algumas propostas retratam um “museu de velhas novidades”, no dizer do poeta Cazuza.
Uma delas tenta resgatar teorias com a do sistema do discernimento, considerada em 1830 no Código Criminal do Império que rezava ser a maioridade penal absoluta a partir dos 14 anos, salvo se o agente tivesse obrado com discernimento. Por este critério, o discernimento poderia ser descoberto até mesmo em uma criança de oito anos e um adolescente de quinze anos poderia ser condenado à prisão perpétua.
O Código Penal Republicano (1890), determinava a inimputabilidade absoluta até os 09 anos de idade, sendo que os maiores de 09 e menores de 14 anos estariam submetidos à análise do discernimento, critério este que sempre foi um verdadeiro enigma para os aplicadores da lei, censurado pelo jurista Evaristo de Moraes, de “adivinhação psicológica”.
A verificação da aptidão para distinguir o bem do mal, o reconhecimento do menor possuir relativa lucidez para orientar-se segundo as alternativas do lícito e do ilícito, era das mais difíceis para o juiz que, quase invariavelmente, decidia em favor do menor. Antigamente, na Inglaterra e na Itália, para conhecer se a criança agira ou não com discernimento na prática de uma infração, aplicava-se a prova da maçã de “Lubecca”, que consistia em oferecer ao infrator uma maçã e uma moeda, escolhida esta estava provada a malícia e anulada qualquer proposta legal com proteção.
O certo é que nos dias atuais, com o amplo acesso que a maioria dos jovens (de qualquer camada social) dispõe aos meios de comunicação, parece difícil, senão impossível, a opção de um adolescente de 16 ou 17 anos pela “maça”, no entanto, ocorre que a questão da redução da idade penal precisa ser vista racionalmente e não sob a atmosfera de terrorismo e pânico social como, aliás, rotineiramente são votadas nossas mal elaboradas leis penais.
Devemos analisar a complexidade do problema e chegaremos à conclusão de que o enfrentamento da violência exige uma série de medidas. O simples endurecimento da lei é apenas uma forma de dar uma resposta ao clamor social e para o parlamento (desgastado moralmente) tentar recuperar sua imagem diante da opinião pública, gerando uma sensação ilusória de segurança. Agora, convido o distinto leitor a uma reflexão: o fracassado sistema penitenciário brasileiro transformou-se em um verdadeiro represamento de homens ociosos, mais de 700 mil (o Brasil é o terceiro país com maior número de pessoas presas, atrás de Estados Unidos e China. O quarto país é a Rússia) e segundo dados oficiais temos uma carência de mais de 250 mil vagas, num flagrante desafio às leis da física.
Estudos acadêmicos apontam o assustador cenário de que a cada 100 pessoas que deixam o cárcere, cerca de 75 retornam à criminalidade. Em suma, acaso se aprove a redução da idade penal só iríamos aumentar a população prisional num sistema reconhecidamente falido, provocando-lhe um colapso sem precedentes. E a experiência precoce do jovem menor de 18 no cárcere só serviria para antecipar sua desgraça. Proclama um provérbio chinês que “Se as raízes não são removidas durante a capina, a erva daninha volta na próxima primavera.” Precisamos, pois, antes de enfrentar as conseqüências da omissão do Estado, olhar para as raízes de nossas graves omissões sociais.
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