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O lucro e o demônio medieval, por Rui Martinho

Rui Martinho é professor da UFC, advogado, bacharel em administração, mestre em sociologia e doutor em história. Com 6 livros publicados e vários artigos acadêmicos na área de história, educação e política. Assina coluna semanal no Focus.jor.

O demônio, na Idade Média, era a explicação para epidemias, inundações, secas, guerras, amores malsucedidos, unha encravada e demais infortúnios. O lucro, na economia de mercado, nas sociedades que Karl Raymond Popper (1902 – 1994) nomeia como abertas, substituiu o demônio medieval. Pessoas letradas e cheias de informação e desinformação dizem, com ares de superioridade intelectual e contrariedade piedosa, que o problema do Brasil é o lucro. A imunização cognitiva impede a percepção da existência de povos desenvolvidos em sociedades cuja economia busca o Lucro.
O acesso aos bens de consumo e chegou primeiro nos EUA. A Suíça também esteve em primeiros lugares do mundo em que a democracia e a popularização dos bens foi alcançado por largas parcelas da população. A economia destes dois países perseguia o lucro. Não havia neles presença expressiva do chamado “movimento operário”. O sucesso material não foi conquista de altruístas abnegados. A busca do lucro contribuiu muito mais para isso. Adam Smith (1723 – 1790) dizia que o egoísmo pode ser colocado a serviço da sociedade beneficiando-a. Isso foi confirmado nos exemplos citados e em outros mais. Coreia do Sul, Singapura, Hong Kong, Taiwan e Japão do pós-guerra melhoraram rapidamente todos os indicadores de qualidade de vida, no plano material, adotando economias que têm, entre outros aspectos, a busca do lucro como um dos seus principais objetivos.
Resquícios medievais, casuísmo de ativistas e intelectuais, catequese de prosélitos e senso comum demonizam o lucro e valorizam virtudes muito citadas e pouco praticadas, como solidariedade, igualdade e justiça. Retirada a venda que Gaston Bachelhard (1884 – 1962) denominou como obstáculo epistemológico, compreende-se que busca do lucro contribuiu para a melhoria de vida das massas. A minimização dos custos contribui para a lucratividade ensejando, por via oblíqua, o barateamento dos bens. O aumento da produtividade proporciona o aumento da oferta de bens em face da demanda, contribuindo para a democratização do acesso aos bens. A ampliação da margem de lucro viabiliza a formação de poupança (acumulação primitiva, em outro jargão) e o investimento gerador de emprego e renda. A busca do lucro estimula a pesquisa, a criação de novos produtos e novas formas de gerir a produção e a logística de toda a economia. O lucro, sendo a remuneração do empreendedor, que é um importante fator de produção ressaltado por Joseph Alois Schumpeter (1883 – 1950), estimula a produção, a oferta de bens, a geração de emprego e renda, além de acesso ao conforto. Registre-se que a busca do lucro afasta o desperdício, reduzindo custos e favorecendo a economia como um todo.
A constelação de fatores que compõem a economia é muito complexa. Fatores outros que não o lucro podem modificar os efeitos da busca de remuneração, dentre os quais destacam-se as variáveis culturais e políticas. A exploração do exército industrial de reserva tem muito mais de medieval do que da modernidade (capitalismo). Empresas modernas não buscam desempregados para pagar salário de miséria, mas colaboradores eficientes, dispondo-se a remunerá-los bem e até muito bem. Desde o advento da economia de mercado o padrão de vida dos assalariados melhorou extraordinariamente conforme atestam todos os indicadores estatísticos. Mas D. Quixote não poderia se sentir herói sem defender uma pobre Dulcineia sendo agredida por um vilão. Miguel de Cervantes Saavedra (1547 – 1616) compreendeu e descreveu o raciocínio dos “virtuosos”.

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