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O Fundo Partidário e a defesa de candidatos, por Raquel Machado

Raquel Cavalcanti Ramos Machado é advogada, mestre em Direito pela UFC, doutora em Direito pela USP, professora de Direito Eleitoral e Direito Administrativo da UFC e Visiting Research Scholar da Wirtschaftsuniversität, Viena, Áustria. Escreve quinzenalmente para o Focus.jor.

Em recente decisão, o TSE desaprovou contas de partidos que utilizaram parte de recursos do fundo partidário no pagamento de honorários para a defesa de candidatos, em ações ajuizadas contra eles individualmente. Uma das desaprovações se refere à contratação de advogados para a defesa de ação eleitoral. Outra a honorários pagos em defesa de ação de improbidade administrativa. Em seu entender, o fundo partidário não pode ser utilizado em atos voltados à defesa de particulares.
Sou professora de Direito Eleitoral de Universidade Federal, com dedicação exclusiva. Não advogo, portanto, em ações eleitorais, o que me deixa mais à vontade para examinar a questão sem parecer que estou envolvida com causa própria.
Começo minhas reflexões com indagações: a quem pertencem os mandatos políticos no Brasil? O candidato pode fazer eleição sozinho, sem a participação do partido político? Caso o candidato eleito mantenha seu mandato essa questão será só de seu interesse ou também do partido político? Imputar ao candidato, durante as eleições, uma conduta contrária ao ordenamento jurídico, como, por exemplo, abuso de poder, atinge a imagem apenas do candidato ou também do partido político?
Foi diante da resposta a essas perguntas que o desacerto da decisão do TSE pareceu-me mais evidente. Como não há candidatura avulsa no Brasil, como o ganho dos candidatos representa ganhos para o partido em representatividade e até em acesso a verbas do fundo partidário, o entendimento merece ser repensado.
Não se discute que o fundo partidário não pode ser utilizado em atos voltados à defesa de particulares. Ocorre que os candidatos, enquanto participam de eleições, e em relação a atos do processo eleitoral, não agem como particulares. São partes de um todo na engrenagem do debate político realizado na esfera pública. Fazer a defesa de um candidato em ação eleitoral em processo eletivo de interesse do partido é diferente de fazer a defesa desse mesmo candidato em uma ação de família, por exemplo.
Esse entendimento do Tribunal não equivale apenas a um mero desacerto de decisão, mas a um desacerto feito com a usurpação do Poder Legislativo, arvorando-se o TSE do poder de inovar o ordenamento jurídico.
A legislação eleitoral não traz qualquer proibição expressa quanto ao uso do fundo partidário na remuneração de advogados na defesa de candidatos por atos relacionados às eleições e que podem interferir no exercício do mandato. Até pode-se sustentar não ser possível o uso do fundo para a defesa de ações de improbidade, por alegados atos improbos praticados no exercício do mandato e que não tenham relação direta com uma eleição, mas vedar o uso do fundo para atos praticados durante a eleição é distorcer a lógica da dinâmica entre candidato e partido central no ordenamento brasileiro. Caso o próprio legislador venha a assim decidir, a limitação no uso do fundo partidário para esses fins poderá ser válida.
As fragilidades democráticas do Brasil não decorrem apenas das mazelas testemunhadas no cenário político, mas também, entre outros motivos, do desequilíbrio institucional que o Poder Judiciário insiste em praticar, com seu ativismo desmedido. O entendimento do TSE em questão ilustra essa fragilidade, quando, a propósito de equilibrar a disputa política, desestabiliza o jogo institucional, extrapolando suas funções e impondo limitações legais na distribuição do fundo partidário não anunciadas pelo legislador e incompatíveis com a relação entre partidos e candidatos.

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