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O direito de patente na gastronomia, por Frederico Cortez

Frederico Cortez é advogado, sócio do escritório Cortez&Gonçalves Advogados Associados. Especialista em direito empresarial. Co-fundador do Instituto Cearense de Proteção de Dados- ICPD-Protec Data. Consultor jurídico e articulista do Focus.jor. Escreve semanalmente.

Por Frederico Cortez
cortez@focus.jor.br

Já diziam nossas mães, tias e avós que cozinhar é uma arte, e afirmo. A proeza de unir elementos e ao fim resultar em algo especial, saboroso e único é simplesmente divino. Uma  verdadeira obra da intelectualidade do cozinheiro, ou chef. O modismo da culinária espalhou-se pelos programas de reality shows na televisão e redes sociais, e isso fez bem para os mestres cozinheiros, valorizando-os e dando a sua devida importância dentro do seu nicho. No entanto, por mais simples, exclusivo ou exótico que possa parecer um prato culinário, a lei de registro de patente não o protege. 

O direito de patente é regido pela lei de propriedade industrial (Lei 9.279/96), assim para o seu registro de invenção há que se ter impreterivelmente o conjunto indissociável elementar da novidade, da atividade inventiva e da aplicação industrial. Fora isso, qualquer tentativa de patentear algo revela a simples intenção de monopolizar algo que foge ao conceito legal da patente. 

À guisa de aclaramento, o festejado doutrinador em direito de propriedade industrial Gabriel Di Blasil, traz em sua obra “A Propriedade Industrial: os sistemas de marcas, patentes, desenhos industriais e transferência de tecnologia”. Rio de Janeiro: Ed. Forense, 2010, p. 45. um ensinamento basilar para o entendimento da aplicação do registro marcário sobre propriedade industrial: “A patente é o fator estimulante da atividade criativa das pessoas. Incentiva a demanda de soluções técnicas para as carências e os anseios da sociedade. Amplia o campo de opções e alternativas de soluções, possibilitando a escolha mais eficaz. Assim, cresce o estado da técnica”.  

Ou seja, a patente é cabível quando há uma criação inovadora que põe resposta as necessidades existentes e supri a demanda da sociedade. A receita culinária não encontra amparo legal para fins de proteção industrial. A legislação pátria é uníssona ao reconhecer a não aplicação da Lei de Propriedade Industrial à pratos culinários. No entanto, quando há o ilícito de contrafação, necessariamente exige-se a existência mútua dos sentimentos de confusão e/ou associação pelo consumidor.  

Na hipótese de restaurantes, deveria englobar o cardápio (carta de vinhos, nomes de pratos assemelhados, desenhos e ilustrações no próprio cardápio, layout do restaurante, fardamento dos garçons, ambientação decorativa e ornamental do espaço interno do restaurante). Trade dress, portanto. Nessa linha, há um grande equívoco por parte de profissionais do direito em conceituar determinados elementos isolados como “Trade dress”. Verdade seja única, a essência do Trade drees é identificada quando nos deparamos diante de um corpo de elementos que forma o todo, uma vestimenta, uma “aparência geral” ou imagem global em que é apresentado ao mercado.  

Há que se ter uma soma de traços únicos e individualizados sobre a coisa a ser protegida. O que não vislumbra-se em tutelar tão somente e único determinado prato culinário. Ou seja, a patente é cabível quando há uma criação inovadora que põe resposta as necessidades existentes e supri a demanda da sociedade. Um prato culinário, por mais especial que seja não agrega esse melhoramento para a sociedade, tampouco incrementa em respostas técnicas para o dia a dia do usuário/consumidor. 

Soma-se ainda, que nem mesmo a Lei de Direito Autoral (Ar. 8º, incisos I e II da Lei 9.610/98) dá a suposta guarida aos pratos culinários, por ser uma excludente da proteção “as ideias, procedimentos normativos, sistemas, métodos, projetos”, assim como “os esquemas, planos ou regras para realizar atos mentais, jogos ou negócios”.  

O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) em julgado inteligente e elucidativo, pontou cirurgicamente quanto à digressão da aplicação do direito de patente sobre uma receita culinária. O julgado assentou-se em discutir o direito do uso da palavra “gateau”, já devidamente com pedido de registro da marca por um restaurante de São Paulo junto ao Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPIR), em face da sobremesa que também levava o nome “Gateau” comercializada por outra empresa do ramo alimentício. Na decisão, o tribunal paulista fundamentou que a “– simples colocação de sorvete e creme sobre um “petit gateau” não é dotado de originalidade e nem pode ter exclusividade”. Ao fim da decisão, o desembargador destacou que a receita é de origem francesa, cujos ingredientes são simples e identificáveis, onde o mesmo prato é replicado cotidianamente pelos demais estabelecimentos comerciais do mesmo nicho no Brasil e no mundo, como também reproduzido nos diversos lares de muitas famílias. 

Assim sendo, a receita culinária não encontra amparo legal para fins de proteção industrial. A legislação pátria é uníssona ao reconhecer a não aplicação da Lei de Propriedade Industrial à pratos culinários. A criação de um prato culinário não agrega melhoramento para a sociedade, tampouco incrementa em respostas técnicas para o dia a dia do usuário/consumidor.

Desta feita, o mercado, que é regido por sua mão invisível, é que deve ser a bússola quanto ao trato regulador da escolha pelo consumidor por esse ou aquele restaurante em razão de determinado prato culinário. Bon appétit! 

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