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O caminho da servidão e os novos rumos para a liberdade

Catarina Rochamonte é graduada em Filosofia pela UECE, Mestre em Filosofia pela UFRN e Doutora em Filosofia pela Universidade Federal de São Carlos (Ufscar).

Por Catarina Rochamonte
No livro “A arrogância fatal”, Friedrich Hayek, um dos principais expoentes da Escola Austríaca de Economia, ataca fortemente o uso imprudente da razão por partes dos socialistas e sua  pretensão de remodelar a sociedade a partir de determinadas teorias que representam um uso dogmático e inadequado da racionalidade humana que, desconhecendo sua gênese e seus limites,  forja ideologias coletivistas que preconizam um pensamento intervencionista inibidor das potencialidades criadoras individuais geradoras da ordem espontânea de cujo dinamismo advém o verdadeiro progresso.
De fato, desde fins do século XVIII, desenvolveu-se uma metafísica idealista e romântica que, a despeito da beleza e imponência de seu edifício conceitual e sistemático, assentava-se na presunção teórica já criticada e interditada por Immanuel Kant, cuja obra é marcada pelo criticismo que expõe o caráter aporético da razão teórica que busca alçar-se para além daquilo que é objeto de experiência. A despeito de Kant, G. W. F. Hegel fez-se intérprete do “espírito absoluto” e – baseando-se no pressuposto de que “o real é racional e o racional é real” – compreendeu a sua manifestação supostamente dialética. Abrindo mão, por sua vez, do conceito metafísico de espírito absoluto, mas preservando o método hegeliano, Karl Marx conceberá o materialismo histórico e dialético e – além da presunção de capturar o real e seu movimento – o seu “socialismo científico” tentará antecipar a suposta finalidade da história por meio da revolução.    
Sob o pretexto de atingir o paraíso terrestre na forma de uma justiça social plena, a doutrina socialista atacou as saudáveis pretensões de progresso baseadas na preservação dos valores, das instituições e das leis, pregando abertamente contra a religião, principalmente contra o cristianismo.  Negando qualquer transcendência e concebendo ontologias sociais que sustentam seus ideais coletivistas, essa doutrina, sempre que aplicada, levou milhões à miséria, à morte e à servidão. Foi assim na Rússia bolchevista, na China maoísta, no Cambodja do Khmer Vermelho. É assim na Coreia do Norte de Kim Jong-un, em Cuba, na Venezuela e seria assim aqui no Brasil se não tivéssemos nos levantado contra a esquerda liberticida em geral e  contra o Partido dos Trabalhadores em particular, exigindo a aplicação da lei para o seu líder supremo.
É tolo pensar que a injustiça que reina no mundo deve-se ao sistema de produção capitalista e não à imperfeição moral intrínseca dos indivíduos que formam as sociedades. Não é solapando as instituições democráticas e mistificando e delegando poder absoluto àquele cuja retórica populista ungiu como o “pai dos pobres”, provedor dos mais necessitados que se alcançará melhor patamar de justiça social. Socialismo apenas aprofunda a miséria; o combate à pobreza depende também da geração de riqueza e a riqueza é gerada, nos termos de Hayek, pela ordem espontânea, pelas trocas voluntárias, pela ordem de mercado da qual depende, inclusive, a preservação da própria civilização:
Nossa civilização depende, não apenas quanto à sua origem mas também quanto à sua preservação, do que só podemos definir com precisão como a ordem espontânea da cooperação humana, ordem conhecida mais comumente, embora de modo algo equivocado, como capitalismo. […] A disputa entre a ordem de mercado e o socialismo não é nada menos que uma questão de sobrevivência. Seguir a moral socialista implicaria destruir grande parte da humanidade atual e empobrecer boa parte do que restaria dela.
Essa ordem espontânea de que fala Hayek é o resultado da liberdade da qual indivíduos e grupos dispõem para buscar objetivos distintos, guiados por diferentes talentos, conhecimentos e intenções. A manutenção dessa liberdade e dessa ordem espontaneamente gerada depende, porém, de certos pré-requisitos como a existência de propriedade privada e a lei, no sentido de normas abstratas que assegurem, inclusive, a minha liberdade de dispor como queira daquilo que me pertence. Ou seja, depende justamente daquilo que o socialismo tenta eliminar.  
Depois de muito tempo adormecido e enfeitiçado por teorias coletivistas, intervencionistas e estatistas, o Brasil parece despertar para o liberalismo. E o liberalismo tem a honra de ser o grande inimigo não apenas do socialismo, mas também das outras formas de totalitarismos com o nazismo, o fascismo, ou mesmo o islamismo (no seu aspecto mais fundamentalista). Acusar de fascistas aqueles que defendem pautas liberais é hipocrisia, manipulação premeditada da linguagem ou  mera estupidez conceitual.
As semelhanças entre o regime comunista/socialista e os regimes nazifascistas já foram explicitadas por diversos estudiosos, principalmente pelos grandes nomes da Escola Austríaca, Ludwig von Mises e Friedrich Hayek. Na obra “O caminho da servidão”, Hayek combate não apenas o socialismo radical, mas alerta também para os riscos do intervencionismo do Estado previdenciário que o substitui, mostrando que determinadas reformas baseadas no controle econômico tendem a paralisar as forças propulsoras da sociedade, inviabilizando uma sociedade livre.
O excesso de planejamento econômico representaria um risco de totalitarismo, pois conduziria, mesmo que involuntariamente, à necessidade de forte coerção. Enquanto o liberalismo preconiza a máxima utilização das forças espontâneas da sociedade com o mínimo de coerção, o pensamento intervencionista inibe as potencialidades criadoras individuais, inviabilizando com isso a espontaneidade necessária ao verdeiro progresso e forjando uma sociedade de indivíduos servis e dependentes.
A mudança gradual no caráter de um povo, a lenta transformação psicológica provocada pelo amplo controle governamental exercido por um Estado paternalista manifesta-se, segundo Hayek, como abandono da possibilidade de gerenciamento da própria vida, como abandono da possibilidade de escolha entre diversas formas de existência, como complacência com a coerção, como “completo abandono da tradição individualista que criou a civilização ocidental”.
O individualismo é fundamental para o exercício da própria liberdade e para a manutenção da democracia, já que sua rejeição é o que facilita o avanço das ideias coletivistas e socialistas que tendem aos regimes totalitários. Bolchevismo, fascismo nazismo, bolivarianismo são gêneros de coletivismo: abominam e execram o individualismo e aquilo que dá ao indivíduo o poder de exercer sua liberdade: a propriedade privada.
Ao rejeitar o petismo, o bolivarianismo, ao rejeitar o Foro de São Paulo e as ideias retrógradas que perfazem o chamado “socialismo do séc. XXI”, a América Latina transita de uma concepção hobbesiana e rousseauniana para uma concepção lockeana de Estado, liberdade e propriedade.  
Thomas Hobbes, John Locke e Jean-Jacques Rousseau foram pensadores que tentaram explicar o Estado a partir de um modelo contratualista. Para Hobbes, o Estado (o grande Leviatã, por comparação com o monstro bíblico) deveria ter poder ilimitado sobre todos os cidadãos, pois sendo o homem o lobo do homem, a delegação de poderes absolutos ao Estado asseguraria a sociabilidade. Para Locke, diferentemente de Hobbes, o Estado de natureza não seria beligerante, mas harmônico. Pelo esforço do seu trabalho, o homem se apropriaria dos meios necessários à sua sobrevivência, tendo sobre eles um direito natural e inalienável. De acordo com esse pensamento, a propriedade é concebida como natural, ou seja, anterior ao contrato social e inicialmente limitada pelo trabalho. Mais do que isso, o pacto que inaugura o Estado e a sociedade civil teria por principal função justamente a preservação dessa propriedade privada.
Locke defende ainda que o Estado seja limitado e vigiado, precisamente para evitar que um poder excessivo avance sobre os direitos dos indivíduos, sendo esses direitos existentes por natureza; basicamente: o direito à vida, o direito à liberdade, o direito à propriedade. Enquanto para Locke a legitimação da propriedade é algo justo, pois se instituiu com base no esforço de trabalho do proprietário, para Rousseau, ao contrário, a propriedade é injusta, geradora de desigualdades. Na  sua hipotética história da humanidade, a sociedade civil teria surgido com a propriedade privada, favorecendo o proprietário e legitimando a desigualdade. Seria, pois, necessário um pacto, baseado na vontade geral dos indivíduos, para devolver à humanidade o seu estado natural de igualdade.
Ainda hoje digladiam-se os herdeiros de Rousseau – que pregam um suposto aprofundamento da democracia, que aponta para um coletivismo – e os herdeiros de Locke – que defendem a limitação do Estado e valorizam o indivíduo. A noção de Estado como instituição que tem por função assegurar a propriedade privada, assim como a consciência da necessidade de estabelecer limites para essa instituição, são algumas reflexões de Locke que servem de base para o conceito de Estado de direito, podendo ser consideradas como princípios norteadores do liberalismo. Já o conceito de vontade geral, concebido por Rousseau, traz em si o embrião de um pensamento socialista e, de certo modo, totalitário. A vontade geral limitaria a liberdade civil visando garantir a igualdade; o povo delegaria ao Estado um grande poder no intuito de que se reestabeleça a igualdade desfeita pelo surgimento da propriedade privada.
Garantir a cada um o básico necessário à sobrevivência pode ser uma função do Estado. O problema não está nem na distribuição de renda que garanta aos necessitados a sua comida, nem no Estado que lhe dá suporte, mas na manutenção de uma prática governamental que impede a ordem espontânea, pois é esta, através do esforço de muitos indivíduos, que satisfaz plenamente as demandas de progresso da sociedade. A objeção dos liberais não é, portanto, contra a assistência social no sentido de gerar igualdade de oportunidades, mas contra a tentativa de subordinar toda uma geração a um assistencialismo que, em última instância, deteriora a vontade que cada um tem de superar – por meio do poder criativo que advém da individualidade livre e potente – as limitações impostas pela situação na qual se encontra.
Conforme nos explica Hayek em O caminho da servidão, socialismo não significa apenas os ideais de justiça social, igualdade e segurança, mas “significa também o método específico pelo qual a maior parte dos socialistas espera alcançar esses fins.” ou seja, “socialismo equivale à abolição da iniciativa privada e da propriedade privada dos meios de produção, e à criação de um sistema de “economia planificada” no qual o empresário que trabalha visando ao lucro é substituído por um órgão central de planejamento”.
É bom sabermos que as desgraças imensas que se abatem hoje sobre a Venezuela não caíram de repente do céu; pelo contrário, foram preparadas, cultivadas e desenvolvidas por esse ideal coletivista que atende pelo nome de socialismo. Esse caminho da servidão, lá iniciado há, pelo menos, duas décadas, muito cedo tornou patente que levaria, inevitavelmente, ao fim da democracia. Com efeito, na Venezuela chavista a propriedade privada e a iniciativa empresarial foram colocadas sob cerco, o capitalismo foi demonizado e o coletivismo colocado na ordem do dia. Em 2008, ao fim de um ciclo de estatizações de empresas nacionais e multinacionais, o presidente Hugo Chávez declarou: “O que temos agora é o terceiro estágio: a consolidação do socialismo” e reforçou a mensagem com uma espécie de desafio: “E ninguém terá força para nos desviar desse caminho.”
Realmente, não tinha havido, até então, força suficiente para desviar o socialismo chavista do seu caminho; pelo contrário, o sucessor de Chávez, Nicolás Maduro, acelerou o processo revolucionário até levar a Venezuela à triste condição em que se encontra: alastramento da fome e da miséria, com os desvalidos fugindo em massa das desgraças insuportáveis construídas pela hipertrofia do centralismo e do planejamento econômico estatal.
Contudo, para nossa esperança, o já prolongado regime opressor da Venezuela hoje se exaure e a coragem do povo se apresenta como a força capaz de barrar o caminho da servidão e aprumar o país pelos rumos da liberdade, assim como fizemos aqui no Brasil ao apear o PT do governo. Em face da bravura da resistência popular interna e da pressão internacional, ampliam-se a cada momento as possibilidades desse caminho. Esperamos não apenas que seja vitorioso, mas que o seja com o menor sacrifício do já tão sofrido povo venezuelano.

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