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O Brasil em um mundo tripolar. Por Igor Lucena

Articulista do Focus, Igor Macedo de Lucena é economista e empresário. Professor do curso de Ciências Econômicas da UniFanor Wyden; Fellow Associate of the Chatham House – the Royal Institute of International Affairs  e Membre Associé du IFRI – Institut Français des Relations Internationales.

Os últimos dois anos não foram marcados apenas pela pandemia e pela guerra na Ucrânia. O que assistimos nos últimos meses foram mudanças profundas no âmbito das relações internacionais e na visão como as nações enxergam a si e as outras, tanto do ponto de vista da economia de suas empresas quanto,  principalmente, de sua segurança.

Considerando sob o contexto internacional, o mundo modificou drasticamente. Se antes vivíamos em um mundo bipolar, dividido econômica e politicamente entre os Estados Unidos e a União Soviética, as duas superpotências vencedoras da Segunda Guerra Mundial, e que racharam o mundo entre o bloco capitalista e o bloco comunista, esse tempo foi encerrado em 26 de dezembro de 1991 e fechou a porta de uma importante fase da humanidade sem que isso deixassem abertas feridas e conflitos sociais, políticos e étnicos, principalmente em Cuba, na China e no Leste Europeu.

A década de 1990 trouxe o fim da Cortina de Ferro e consolidou a liderança dos Estados Unidos em um mundo unipolar no qual a influência cultural, econômica, militar, financeira e diplomática dos americanos foram imbatíveis durante décadas, moldando o desenvolvimento da América Latina, a integração da Europa e principalmente a transformação da matriz econômica do Oriente Médio.

Entretanto, o início do século XXI trouxe mudanças fundamentais dentro do contexto de polarização global. Assistimos ao alargamento da União Europeia, à expansão da OTAN, à ascensão da China e da Índia e principalmente à mudança do centro econômico mundial para a Ásia com o reposicionamento do Japão e o aumento da importância de nações como Coreia do Sul, Singapura e Indonésia.

Hoje o mundo passa nitidamente por uma nova disputa ideológica agora não mais entre comunismo e socialismo, mas entre modelos de governos baseados no sistema da democracia liberal contra governos híbridos, ou iliberais, que possuem apenas uma aparência de democracia. Contudo, o mundo hoje também observa e coexiste com governos totalmente autoritários, como ocorre na China e na Arábia Saudita.

Neste contexto, baseado em diversos interesses econômicos e geopolíticos, nações passam a adotar posturas muitas vezes antagônicas e em alguns casos dúbias em relação aos seus valores, pondo seus interesses em risco iminente. Dentro desse cenário, vivemos cada vez mais em um mundo compostos por ‘tons de cinza’ e menos ‘preto e branco’, de modo que observamos o planeta dividir-se em três grandes polos de influência, sendo o primeiro liderado pelos Estados Unidos em aliança com as nações anglofônicas como o Canadá, a Austrália, a Nova Zelândia e o Reino Unido, acompanhado de aliados históricos, como o Japão e a Coreia do Sul. Esse polo tem uma visão econômica baseada no liberalismo econômico mais exacerbado, com sistemas democráticos de governo em Repúblicas e Monarquias Constitucionais e com forte aplicação da globalização, além de possuir um sistema específico de inteligência compartilhada, o Five Eyes, o que proporciona a essas nações um maior grau de espionagem e tecnologia sobre outras nações.

O segundo bloco também tem uma forte base democrática e liberal, entretanto o grau de intervenção dos Estados na economia é bem mais forte do que o primeiro, com a presença de fortes empresas estatais e de economia mista em nível nacional e internacional, além de um complexo sistema de integração econômica continental. Esse segundo bloco é liderado pela União Europeia, com seus vinte e sete membros, com um grau de influência cada vez maior por meio de seu alargamento no Leste Europeu em nações como a Albânia, a Sérvia e a Macedônia do Norte, bem como as nações do norte da África, como o Marrocos e a Tunísia.

Apesar de os dois blocos serem ideologicamente similares, com valores sociais e políticos compartilhados, e projetos supranacionais em comum, como a Aliança Atlântica e a OTAN – Organização do Tratado do Atlântico Norte -, esses blocos também rivalizam na dominação financeira com a disputa entre o Dólar e a ascensão do Euro, a venda de armamentos a nível global como foi o caso da disputa entre a Lockheed Martin produtora do F-18 e a Saab produtora do Grippen para a Aeronáutica Brasileira, e, mais recentemente, o projeto de defesa AUKUS, que excluiu a venda de submarinos franceses para a Austrália, o que irritou profundamente os europeus, que se sentiram enganados pelos anglófonos.

O último bloco deste novo mundo tripolar é liderado pela China, como a principal economia da Ásia e a segunda maior do planeta, com um mercado consumidor interno de 1,4 bilhão de pessoas e sendo fundamentalmente uma nação autoritária, em que os básicos princípios como livre imprensa, propriedade privada, livre fluxo de capitais e direitos individuais não existem, apesar de ser uma economia forte, pujante e desenvolvedora de novas tecnologias. Hoje a China se tornou aliada de nações iliberais e autocráticas como a Rússia, a Arábia Saudita, o Irã, a Coreia do Norte e nações do sudeste asiático, como o Vietnã e a Tailândia.

Dentro deste contexto, essas nações, ao contrário do século passado, possuem relações diplomáticas, políticas e econômicas apesar de suas divergências,  contudo apresentam em muitos casos interesses conflitantes, principalmente em temas polêmicos e complexos como a implantação da tecnologia 5G, a corrida espacial e o desenvolvimento de uma nova organização da arquitetura do sistema internacional. Esses conflitos se baseiam sobre os meios e os fins de como desenvolver suas nações, em movimentos de consolidação ou de crítica e retrocesso ao liberalismo político e econômico incorporado ao mundo ocidental no pós-guerra.

Apesar de vivermos em um mundo tripolar com três blocos definidos, existem potências regionais que, apesar de serem mais ligadas a um ou outro bloco, não possuem um alinhamento total e/ou são zonas de influência ou locais de disputas como a Turquia, a África do Sul , a Índia, o Paquistão, o Brasil, o México e outras nações, em especial aquelas do G20. Independente do bloco que estamos analisando, um objetivo é comum aos três: a expansão de sua influência  pela conquista de  novos mercados consumidores para suas empresas e a capacidade de assegurar fontes de matérias primas ao redor do planeta por meio de suas capacidades diplomáticas e geoeconômicas.

A cada dia essas disputas ficam mais intensas e se apresentam com roupagens mais claras, como é o caso das disputas por instalação de bases militares, nas nações insulares do pacífico; a exploração de minas, na África; o financiamento de obras de infraestrutura, na América Latina, e até mesmo o lançamento de satélites, na Índia.

Agora… Onde fica o Brasil neste cenário? Historicamente nosso país não possui uma visão diplomática de alinhamento unilateral a nenhuma nação. Apesar de um relacionamento histórico com os Estados Unidos, desde a nossa independência, passando pela Segunda Guerra Mundial, o bloco americano vem perdendo espaço e influência na América Latina para os chineses, bem como no Brasil, com um ciclo de fortes investimentos em infraestrutura e aquisições de bancos e empresas de serviços. Por outro lado, apesar de a China ser nosso maior parceiro comercial, os europeus trabalham com o acordo Mercosul-União Europeia, que pode se destravar com a manutenção da crise da Ucrânia, e tem potencial para ampliar nossa capacidade de exportação e o parque fabril latino-americano. Esses são apenas alguns dos fatores que mostram que nossos interesses como brasileiros permeiam os três blocos em diversos aspectos, seja no âmbito militar, econômico, financeiro e político.

Neste novo mundo, como nossa nação deve se portar? A resposta é baseada em puro pragmatismo. Não devemos abrir mão de nossos interesses como brasileiros; ou seja, primeiramente sobre a nossa base ideológica fundamental, que é fundamentada no liberalismo político e econômico com fortes raízes francesas e americanas, nas quais os princípios de liberdade, igualdade e fraternidade permeiam a criação do nosso Estado e das nossas empresas, algo que claramente se assemelha aos dois primeiros blocos. Entretanto, o forte desenvolvimento da Ásia com o crescimento da China e das nações Árabes tem uma ligação forte com o nosso desenvolvimento, como grandes consumidores de alimentos e commodites, e para quem o Brasil é um importante exportador, o que garante parte de nossa estabilidade cambial. Um mundo tripolar é infinitamente mais complexo do que tudo que vivenciamos até agora, contudo ao mesmo tempo que é complexo e inter-relacionado, também se apresenta como um mundo de oportunidades para nações que não possuem um alinhamento unilateral imediato, como é o caso do Brasil, o  que pode abrir várias portas de oportunidades para que possamos negociar nossos próprios interesses dentro de disputas cada vez mais acirradas entre eles.

Precisamos compreender cada vez mais o mundo em que vivemos, entender que não existem amigos ou inimigos (com algumas exceções) nas relações internacionais, que nações se movimentam por interesses econômicos, interesses políticos ou de segurança. Precisamos definir quais as disputas que são relevantes para o Brasil e saber como podemos navegar em campos distintos para alinhar os interesses específicos em cada um desses blocos, buscar o caminho em que possamos obter as maiores vantagens, onde o Brasil poderá encontrar as melhores oportunidades e cenários que favoreçam a nós brasileiros e ao nosso Estado, e não as disputas de poder entre outras potências.

 

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