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O acirramento do racismo

Rui Martinho é professor da UFC, advogado, bacharel em administração, mestre em sociologia e doutor em história. Com 6 livros publicados e vários artigos acadêmicos na área de história, educação e política. Assina coluna semanal no Focus.jor.

Por Rui Martinho Rodrigues
rui.martinho@terra.com.br
O racismo do brasileiro, envergonhado, mitigado pela tendência do Macunaíma ao pluralismo das formas ecléticas, acentuado pela uma inclinação à transgressão, flertando até com a anomia, está se tornando mais agressivo. Até o futebol tem sido palco de manifestações desse tipo. Toda cultura estranha o que foge aos seus padrões, mas, volto a dizer, Macunaíma não é apegado a padrões culturais. O que está acontecendo? O nosso multiculturalismo teve a influência assimilacionista, desclassificou culturas distintas das referências eurocêntricas, conforme tendência amplamente difundida no mundo colonizado.
A necessidade de adaptação aos trópicos, ressaltada por Gilberto Freyre; ao lado da informalidade e da improvisação de uma formação histórica empreendida de modo mais assemelhado ao procedimento meio desordenado do semeador, diverso do trabalho metódico do ladrilhador, conforme a metáfora de Sérgio Buarque de Holanda, nos deram a tolerância mais próxima do multiculturalismo interativista. A novidade que está produzindo intolerância é o multiculturalismo diferencialista, voltado para ressaltar diferenças em nome de um valor identitário, sublinhando diferenças, origens, buscando arrimo naquilo que Marc Bloch chamou de ídolo das origens, cavando fossos entre identidades assim antagonizadas, exumando o cadáver histórico da chamada dívida social. Tudo isso tem acirrado os ânimos e revigorado preconceitos que a flexibilidade macunaímica vinha lentamente atenuando.
Esquecem-se os diferencialistas de que o tempo é voraz. As identidades, corroídas pelo tempo, não são puras, principalmente em um país mestiço. Fazer uso da palavra raça, apesar da biologia desautorizar a existência de tal coisa entre humanos. Políticas públicas destinadas a promover a igualdade de oportunidades, na chamada linha de partida, com a desequiparação pela constituição e a doutrina devem ser implementadas. Os critérios universais norteadores das aludidas políticas públicas devem ser observados. Tais iniciativas devem ter como destinatários os mais vulneráveis; devem satisfazer a exigência de mínima de eficácia e efetividade; deve atender ao critério de extensão de cobertura, não sendo orientada para uma pequena parte dos vulneráveis para os quais se destina; devem saber distinguir com clareza quem se enquadra no perfil definido para os destinatários. Não devendo tal reconhecimento fica ao sabor da declaração do interessado que se diga pertencer ao grupo ao qual destinatário a ação afirmativa. Deve também buscar fundamento de validade objetivando a igualdade de oportunidades, não no discurso de acerto de contas históricas.
A agressividade crescente dos preconceitos é estimulada pelo multiculturalismo diferencialista, que é uma forma de racismo reverso, e por políticas públicas que buscam fundamento de validade nas mágoas históricas, ao invés de atentar para os critérios de extensão de cobertura, de clara identificação de quem se enquadra como vulnerável, da eficiência e efetividade, juntamente com os demais critérios aqui mencionados. Exumar o cadáver da dívida histórica favorece os chamados pescadores de água turva, que assim podem explorar as condições criadas pelo aumento da intolerância e a proliferação de conflitos.

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