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No Ceará, setor público não usa a hidroxicloroquina, mas o setor privado aderiu ao medicamento

Por Fábio Campos
fabiocampos@focus.jor.br

O Focus foi o primeiro veículo de jornalismo do País a abordar com detalhes o uso da hidroxicloroquina + a azitromicina no tratamento de pacientes com a Covid-19. Na manhã de 19 de março, o site saiu com a seguinte manchete: “Cloroquina, antigo e barato medicamento, pode ser a luz no fim do túnel contra a COVID-19“. Era o relato acerca de uma pesquisa científica na França. No dia 28 de março, Focus republicou uma entrevista do cientista francês Didier Raoult, de Marselha, concedida ao jornal Le Parisien, em que afirmou ter encontrado a cura da doença. Raoult, conhecido por seu estilo polêmico, é o mais notório defensor do medicamento no mundo.

A partir da França, a notícia se espalhou pelo planeta. Na tarde do mesmo 19 de março, o presidente dos EUA, Donald Trump, fez a defesa do medicamento apontando-o como a “virada” na luta contra a coronavírus. Ao fazer isso, a contragosto de seus assessores sanitaristas, Trump ideologizou a questão. Na sequência, Jair Bolsonaro foi na mesma linha. Era o que faltava para o fármaco já bastante conhecido pelos médicos se tornar de “direita” e encorpar a irracionalidade + imbecilidade ideológicos dos extremos que se digladiam no País.

Claro que não é uma boa ideia políticos defenderem tratamento A ou B. Claro que é uma péssima ideia vetar e torcer contra determinado tratamento só para se contrapor a um político. As duas atitudes são extremamente danosas principalmente diante de um coquetel de fármacos ainda controverso e não consensual na comunidade científica. Isso, muito embora não seja razoável esperar consenso em meio à pandemia quando se sabe que a hidroxicloroquina já é bastante conhecida da medicina.

No Ceará, um trio de médicos, pesquisadores e professores da UFC produziu um protocolo de orientação e sugestão (veja aqui) para que o coquetel hidroxicloroquina + azitromicina + zinco fosse usado profilaticamente (uso preventivo) pelos profissionais de saúde que estão na linha de frente no tratamento dos pacientes em hospitais do Estado.

O documento foi assinado por Anastácio Queiroz, Odorico Moraes e Elizabete Moraes, três respeitados pesquisadores muito conhecidos de todos os médicos que passaram pelas salas de aulas do melhor curso de medicina do Ceará, o da UFC. O Focus Colloquium fez duas entrevistas com o trio. Veja aqui e aqui. Nas entrevistas, os Drs. Anastácio, Odorico e Elizabete são firmes na defesa do uso da hidroxicloroquina. Sempre com a devida orientação e acompanhamento médico.

Entre uma entrevista e outra, o tempo de observação dos pacientes no uso do medicamento fez uma diferença fundamental no argumento dos médicos: o coquetel precisa ser prescrito aos primeiros sintomas da Covid-19. Na fase mais grave, seus resultados positivos passam a ser bastante limitados. Efeitos colaterais? Claro que é possível. Até um simples analgésico os produz.

Porém, como já dito e repetido, a hidroxicloroquina é uma antiga droga, velha conhecida e com possíveis desdobramentos já plenamente dominados pela medicina. Ainda em março, conversei com um competente e estudioso médico, velho e bom amigo que havia morado por anos no Acre, região em que a malária é endêmica e, portanto, tem a cloroquina como usual medicamento de proteção. Ele me disse: “Usei muito. Usa-se muito. Efeitos colaterais são raros e só em usos prolongados”.

Nunca é tarde lembrar: a hidroxicloroquina podia ser comprada em qualquer farmácia. Sem receita. Doentes de lupus e reumatóides, além da malária, sejam crianças, jovens ou idosos, tomam o remédio com frequência. Mesmo assim, desde março, o medicamento passa por uma saga injusta e contraproducente. A velha hidroxicloroquina, há 70 anos usada no Brasil, enfrenta duros ataques e apaixonadas defesas.

No Ceará, o setor público se mantém vacilante no uso do fármaco e, oficialmente, não adota o medicamento em seus protocolos de combate inicial à doença. Muito embora unidades hospitalares do Governo tenham o medicamento, não há uma política pública estadual de usá-lo no início da doença como forma de evitar o agravamento, desafogando os hospitais.

Já com a iniciativa privada, a atitude é oposta. Mesmo antes da liberação pela Anvisa, os médicos que trabalham em conhecidos hospitais privados de Fortaleza já a prescreviam. Primeiro, para casos graves. Depois, a indicação passou a se dar aos primeiros sintomas. A experiência é a observação mostraram esse caminho. Com a liberação pela Anvisa, os médicos tiveram ainda mais segurança e tranquilidade para prescrever o coquetel. O objetivo maior é evitar hospitalizações, UTIs e respiradores.

Nos últimos dias, Focus desatacou em reportagens que a Unimed Fortaleza (veja aqui) e o Hapvida (veja aqui), o maior grupo de planos de saúde do país e com uma imensa rede hospitalar, adotou a hidroxicloroquina + azitromicina como tratamento base de seus pacientes, prescrevendo-o principalmente logo após a identificação dos primeiros sintomas da doença.

Ao longo da semana, outro protocolo de orientação assinado por renomados medicos que atuam no Ceará incluiu a hidroxicloroquina (e também a invermectina) em coquetéis que devem ser ministrados de acordo com as fases da doença. Primordialmente, até 48 horas dos primeiros sintomas. Assinam o documento, além dos três pesquisadores da UFC já citados acima (Anastácio, Odorico e Elizabete), os médicos Heitor de Sá Gonçalves, Renata Amaral de Moraes, Fernando Antônio Frota Bezerra e Anderson da Silva Costa.

O documento é intitulado “Proposta de tratamento da Covid-19 dependendo da fase, no momento do diagnóstico”. Com a sexta atualização finalizada neste domingo (17), o protocolo fornece “um resumo da experiência clínica atual e orientações de tratamento”. O trabalho é oriundo do Núcleo de Pesquisa e Desenvolvimento da UFC. “O objetivo do tratamento é antecipar o processo de cura clínica e/pu virológica. O tratamento precoce evita complicações, diminui a necessidade de internamento e de uso de ventilação mecânica”, diz o protocolo que sugere tratamentos para quatro fases da doença.

Há uma polêmica que ainda não ganhou dimensão pública, mais que não tardará a ganhar: por qual motivo o setor público no Ceará não adota a hidroxicloroquina em seus protocolos de tratamento inicial? Por causa de política ou por causa da ciência, já que há vários estudos que a apontam como inócua? Ou os dois motivos se entrelaçam?

Como escreveu o médico João Flávio Nogueira em seu Facebook, “há apenas duas ‘verdades absolutas’ na medicina: uma é que todos nascemos e outra é que todos vamos morrer. Mas entre o nascer e o morrer acabam-se as verdades absolutas em nossa profissão médica e nossa arte se torna justamente a ciência das verdades transitórias. Quanto ao uso ou não da Hidroxicloroquina, para que não pairem dúvidas, nesse momento (e isso pode mudar) sou favorável à decisões pessoais, ou seja: se o paciente quiser tomar, se sentir mais seguro tomando, e se não tiver contraindicações, sempre orientado por médico, ele (paciente) deve usar. O mesmo vale para médicos: se quiserem prescrever, orientando sempre os pacientes, os médicos podem fazê-lo”.

Assino embaixo.

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