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Murmúrios de um democrata em tempos de tentação totalitária, por Ricardo Alcântara

Ricardo Alcântara é publicitário e escritor.

Pesquisa recente indicou que a aprovação do ministro Sérgio Moro é o dobro da alcançada pelo seu chefe, Bolsonaro. No caso do ex-juiz, o índice elevado não é só um julgamento objetivo de sua ação à frente da pasta, mas, sobretudo, o prestígio acumulado como emblema da operação Lava Jato.
Moro assiste à desidratação crescente de seu poder dentro do governo e é alvo frequente de acusações com base nos conteúdos vazados pelo The Intercept, um processo de corrosão que já perdura por meses. Apesar de tudo, a julgar pelo que revelam os números, sua popularidade é resistente.
Seu vasto acervo de inimigos – políticos de todas as colorações, influencers pré-pagos e até membros assustados do Supremo Tribunal – terá que aumentar a dose de criptonita, se o quiserem silenciar. A que se deve o fenômeno? A resposta é simples, mas conduz a reflexões necessárias.
Moro tem com seu principal réu, Lula da Silva, isto em comum: ambos, mesmo com todos os revezes, têm, para amplas parcelas da população, uma reserva de crédito tão robusta que seus simpatizantes desenvolveram uma barreira cognitiva e ela suspende toda possibilidade de crítica.
A razão disso? Ambos fizeram algo inédito. Cada um, na sua esfera de atuação, mexeu nas raízes calcificadas da sociedade excludente: Lula mostrou aos pobres que sua condição não é uma fatalidade, pode ser superada; Moro mandou prender gente branca, botou milionários para limparem as latrinas de suas celas.
Por terem rompido comportas já enferrujadas, seus simpatizantes aceitam fazer vista grossa para os erros de um e outro (de proporções diferentes, por certo) pelo receio de que a demolição dos personagens possa também representar a impossibilidade objetiva de levar adiante aquilo que cada um deles iniciou.
As contradições de ambos demonstram uma antiga verdade republicana: nenhum mito pode substituir o protagonismo da sociedade na defesa dos seus interesses. Menores, claro, do que as causas que abraçaram, são super-homens apenas nas figuras pitorescas dos bonecos infláveis dos atos públicos.

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