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Metabolismo político ou intubação eleitoral, por Paulo Elpídio de Menezes Neto

Foto: s/título. De Antônio Berni

Presságios incômodos tomam conta de quem busca entender o quadro político eleitoral que se abrirá com a aproximação de 2022.

Os níveis de governabilidade — se essa é uma medida a ser levada em conta — tornam imprevisíveis os ajustes das alianças que se formarão para a consolidação das candidaturas presidenciais. 

A dança dos partidos e as imprudentes combinações de lideranças sem liderados deixam evidente que os eleitores com intenção real  de votar ainda não se arrumaram nos lugares certos. Quem são eles, afinal?

O povo, a sociedade, as tendências e dissidências partidárias estão tragicamente divididos. Um ano e meio serão provavelmente tempo exíguo para que um freio de arrumação (democrático ou autocrático, nunca se saberá) possa alterar essas forças, postas até agora em banho-maria.

As lideranças em estado de espera e os candidatos autonomeados desconfiam que esse nó de marinheiro só será desatado quando a situação econômica e social do país alcançar alinhamento tranquilizador e as expectativas dos que contam e importam  nesse jogo de juízos e influência apontem para para o norte das águas.

O coronavírus alterou todas as perspectivas e promessas de retomada do crescimento em espaço de tempo menos longo do que se imaginava. Transformou o que parecia, à primeira vista, simples alteração de rota no obstáculo duradouro de uma trágica pandemia. 

 A permanecerem as circunstâncias que comandam os graves desequilíbrios que tolhem as previsões de crescimento, ganhar a eleição presidencial poderá não ser um bom negócio. E por variados motivos.  

Formou-se, graças ao legado de seguidos governos convergência perversa de fatores cumulativos que, associados, armaram, por sua vez, uma bomba de efeito retardado de proporções ainda não conhecidas. Pouco valeu que esses governos trilhassem lealdades ideológicas distantes e dessem impressão desses pendores  ao grande público — e o fizessem crer nas suas bandeiras políticas históricas. 

Tão preocupante quanto a desarrumação econômica, talvez pesadelo maior venha a ser a implosão do nosso sistema político. Não que esse desastre não possa ser evitado, porém pelos indícios e sintomas que se avolumam, por via de episódios, falas, obras e feitos de rala compleição republicana.

A desestruturação da federação e o rompimento dos laços de sustentação institucional abalaram gravemente o equilíbrio republicano e a confiança do povo e da sociedade nos mecanismos constitucionais de pesos e contrapesos. 

A competição ambiciosa entre poderes e a imprudência de juízes supremos conspícuos a promoverem a invasão de competências de outras jurisdições abriram vazios profundos nas cartas de governabilidade do Estado. 

A inépcia no trato dos instrumentos legais dos quais depende a ordem republicana, alimentada pela ambição ou por descuidos na leitura  dos feitos constitucionais, criou um espaço abissal de insegurança jurídica no qual nos debatemos. 

A cultura que fomos construindo, aos poucos, no Brasil, a partir de um pesado legado de leis de distante extração peninsular, sabemo-lo bem, não foi capaz de induzir o brasileiro ao cumprimento da lei. Não surpreende que as decisões das cortes e os ricos torneios verbais, travados por vezes em colégio reduzido, tenham por si a capacidade de agravar a desconfiança que os brasileiros nutrem em relação às decisões mais recentes do poder judiciário. 

As perspectivas que se oferecem para 2022 não tranquilizam o mais otimista dos brasileiros. Nem o mais pessimista. Incomodam, mesmo, os indiferentes.

Como governar um país mergulhado em uma crise econômica e social sem tamanho, tendo as instituições ameaçadas permanentemente por predadores à solta, o pacto federativo encolhido pelos consórcios regionais que comprometem a unidade nacional e o tratamento indulgente a suspeitos, réus e condenados em ações pela participação notória em crimes contra o interesse público? 

Não há como encontrar a porta de saída desse precário condomínio de surdos-mudos, ainda que escancarada por decisões judiciais que devolveram aos seus negócios bem sucedidos os maiores meliantes pilhados em flagrante delito. 

Pois aí está o imbróglio por resolver. Quem for eleito presidente, pelo descuido dos eleitores, terá que arrostar, juntamente com os da sua tribo, o desafio de governar um país reduzido a escombros na escala da sua governabilidade. 

Os quatro anos que se seguirão ao advento fatídico de 2022 serão um exercício de metabolismo político, sem precedentes na nossa história.

A travessia desses ermos de poder e legitimidade exporá qualquer liderança e os partidos alinhados aos riscos do descrédito político. E aos perigos anunciados de desmoronamento dos redutos  eleitorais visíveis ou  aparentes. 

Não surpreenderá se estrategistas de longo curso e pele curtida por tantas combinações favorecerem, com a arte da sua esperteza astuciosa, a eleição do adversário em segundo turno. A sabedoria política  está em perder para quem supõe estar a ganhar. 

Em um cenário povoado pelos atores em busca de holofotes, quem perde, ganha. 

Paulo Elpídio de Menezes Neto, é articulista do Focus, cientista político, membro da Academia Brasileira de Educação, Rio de Janeiro; ex-reitor da UFC, ex-secretário nacional da Educação superior do MEC; ex-secretário de educação do Ceará.

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