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Keynes continua atual e liberal. Por Igor Lucena

Articulista do Focus, Igor Macedo de Lucena é economista e empresário. Professor do curso de Ciências Econômicas da UniFanor Wyden; Fellow Associate of the Chatham House – the Royal Institute of International Affairs  e Membre Associé du IFRI – Institut Français des Relations Internationales.

Por Igor Lucena

Uma das bases da teoria de John Maynard Keynes era que o sistema de livre comércio seria fundamental para impulsionar a economia mundial e fornecer condições equitativas para todos. Na prática, os países reclamam há muito tempo pelo fato de que os seus rivais injustamente distribuem ajuda sob a forma de subsídios apoiados pelo Estado para impulsionar as empresas, as chamadas campeãs nacionais. Agora que a pandemia forçou os Governos a realizar grandes esforços de resgate para suas economias, o apoio do Estado dentro de diversos setores econômicos se expandiu a níveis que impressionaria até Keynes se ele estivesse vivo.

A idéia é proporcionar às empresas locais uma vantagem sobre os concorrentes externos para gerar empregos. Impulsionar as exportações e estimular o crescimento econômico é fundamental em momentos de crise, principalmente quando se busca evitar a depressão econômica, outro elemento fundamental da teoria keynesiana.

Contudo, também existe a preocupação de que os Governos podem apoiar empresas inviáveis, sufocando a inovação e desperdiçando dinheiro de impostos. Antes da pandemia, os repetidos resgates bancários na Itália aumentaram a desconfiança sobre várias empresas do setor financeiro. Por outro lado, setores de muita importância e avançada tecnologia dependem diretamente do apoio do Estado, como é o caso dos EUA e da União Europeia, que se acusam mutuamente há décadas quanto ao apoio às fabricantes de aviões rivais Boeing e Airbus.

Sobre o presidente Donald Trump, os EUA desencadearam uma guerra comercial em parte por acusações de que os subsídios da China firmaram uma concorrência desleal contra as empresas americanas, o que em muitos casos é verdade. O apoio do Estado pode ‘alimentar’ batalhas entre lugares que disputam empregos e investimentos, como é o caso da Irlanda e de Luxemburgo, que se tornaram alvos dos reguladores da União Europeia pelas baixas taxas de impostos cobradas para a Apple, Microsoft e Amazon.

A pandemia pode estar deixando de lado qualquer pretensão de restrição em relação à ajuda estatal, desde que seja capaz de reter empregos e diminuir a queda abrupta do PIB, mesmo que durante apenas alguns meses. Durante anos, os líderes europeus que lutavam contra o crescente populismo e a concorrência de grandes empresas chinesas queriam mais liberdade de ação, e agora conseguiram. A crise gerada pelo novo coronavírus fez Governos e bancos centrais desencadearem ondas de assistência estatal por todo o bloco, o que se mostrou eficaz na maioria dos setores.

A União Europeia rapidamente relaxou as restrições às injeções de dinheiro, à compra de títulos, e propôs a injeção de mais de 1,5 o trilhão de euros para empresas e para a população. As companhias aéreas de todo o mundo foram resgatadas com ofertas de empréstimos de vários bilhões de dólares e pacotes de apoio ao emprego do setor. A França forneceu fundos para a montadora Renault e a indústria aeroespacial, enquanto a Fiat Chrysler garantiu um empréstimo para apoiar suas operações na Itália e na América.

A Alemanha deixou de lado tradições de não gerar déficits e lançou uma estratégia para ajudar as indústrias importantes da nação e principalmente buscou promover a sobrevivência de seus fornecedores locais, pequenas e médias empresas que são responsáveis por mais de 50% dos empregos do país. A companhia aérea Deutsche Lufthansa AG recebeu um aporte de 10 bilhões de Euros em troca de 20% de suas ações.

Para garantir que as empresas enfraquecidas não se tornem ‘presas’ fáceis de grandes grupos chineses, árabes ou americanos, a Comissão Europeia está reescrevendo as regras da concorrência para restringir aquisições de entidades estrangeiras que possam estar recebendo auxílio estatal externo. O HNA Group, da China, ganhou destaque ao gastar mais de 40 bilhões de dólares em aquisições em seis continentes desde 2016, e agora se tornou uma das maiores vítimas da pandemia, pois várias de suas subsidiárias contraíram dificuldades financeiras e o Governo de Pequim começou a assumir o controle da empresa com dívidas em março deste ano, colocando por terra teorias conspiratórias.

Agora a dúvida é: os auxílios estatais funcionam? A resposta é sim, ou não haveria conflitos por causa disso. Ajudar empresas a gerar empregos serve principalmente a um propósito político. Hoje existe uma percepção ampla de que o Estado possuir determinadas empresas que podem competir globalmente é um instrumento geoeconômico importante e que já impulsionou as exportações nos EUA, na Coréia do Sul, no Japão e na China. O risco que existe é de que elas percam competitividade e virem focos de corrupção e se voltem para a política partidária interna.

Lembrando que os socorros de bancos e de grandes empresas durante a crise de 2008, os chamados Bailouts que resgataram o sistema financeiro global, também foi uma ajuda estatal útil e que a maioria dos empréstimos foi pago, embora também tenha gerado um ressentimento sobre o uso de fundos de contribuintes.

Dentro deste contexto, todas as ações adotadas pelo ministro Paulo Guedes e por sua equipe econômica, no âmbito da manutenção do emprego, das linhas de crédito, do diferimento de impostos e principalmente da ajuda emergencial se alinham com as melhores práticas internacionais em momentos de profunda crise econômica e social.

Este artigo pode parecer antiliberal por defender a atuação enérgica dos Estados em setores econômicos e até mesmo fazer uma “ode” ao Estado por possuir empresas como braços de atuação. Entretanto, lembremo-nos de que essa defesa ocorre em um momento em que os mercados estão disfuncionais, no qual o nível de desemprego explode e o PIB desaba. Se cedêssemos ao caminho do liberalismo ultraortodoxo e fôssemos aguardar os mercados se realinharem dado às forças de oferta e de demanda, estaríamos condenando bilhões de pessoas a seguir o caminho da pobreza, da fome e da miséria. Esse caminho é justamente o oposto de tudo que se prega no liberalismo político e econômico.

Nesse cenário, ou o Estado age, ou em longo prazo todos estaremos mortos.

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