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Incerteza, prudência e política, por Rui Martinho

Rui Martinho é professor da UFC, advogado, bacharel em administração, mestre em sociologia e doutor em história. Com 6 livros publicados e vários artigos acadêmicos na área de história, educação e política. Assina coluna semanal no Focus.jor.

As ciências da natureza antecipam passagens de cometas, resultado de reações químicas, trajetórias de projéteis e muitos acontecimentos. Assim o é nos fenômenos recorrentes cujo conhecimento da dinâmica permite vaticinar resultados. A ausência de repetição regular obstaculiza a previsão, conforme se verifica no caso das partículas subatômicas e dos fenômenos cujos “reagentes” têm ação voluntária, o que vale dizer, são sujeitos. As ciências sociais integram esta última categoria. Elas não têm leis, no sentido científico. Estas exigem três coisas: um conjunto de fatores; condições definidas; e resultados determinados. Só a natureza tem dinâmicas com tais características.
As ciências sociais detectam probabilidades de validade limitada aos grandes números e tendências indeterminadas. É possível vaticinar 70% de intenções de voto, mas não se pode antecipar a escolha de um eleitor. Ficamos apenas nos grandes números. Ação voluntária é o que confere condição de sujeito, quando seja também uma ação finalista. Gestos involuntários ou inadvertidos não caracterizam sujeito consciente. A regularidade dos fenômenos econômicos permite, no âmbito dos grandes números, enunciar tendências quantificadas, como elasticidade da oferta ou da procura relacionadas ao preço e renda, consagradas na literatura como lei.
Tendências no âmbito dos grandes números ensejam conjeturas no campo da Antropologia Filosófica. Aristóteles (384 a.C – 322 a. C.) defendia a monarquia por esta premiar com honrarias a quem se dedicava ao interesse público, deixando antever um certo ceticismo quanto ao regime republicano, porque este não distinguia os que se dedicam à causa pública. Adam Smith (1723 – 1790) considerou que a melhor forma de defender o interesse público é recompensar o interesse particular de quem o serve. A base de tal raciocínio está na Antropologia Filosófica que o inspira. Por ela o homem não é altruísta. Séculos depois Sigmund Schlomo Freud (1856 – 1939) apoiaria a negação do altruísmo.
Teorias de larga aceitação seriam adequadas ao homem altruísta. A República de Platão (428/27 a. C. – 348/7 a. C.) é exemplo disso, conforme o próprio autor, que se retratou, na obra “As leis”, dizendo que a República não seria compatível com a condição humana.
Antropologia Filosófica e Teoria do Conhecimento estão na base do pensamento político. Propostas de organização social dirigem-se ao homem e têm fundamento no que se entende por conhecimento válido. A epistemologia dogmática gera intolerância. Transigir com o erro é omissão. A tolerância democrática, limitada pela intolerância do outro, tem fundamento no falibilismo de John Locke (1632 – 1704), acompanhado por François-Marie Arouet, Voltaire (1694 – 1778). Não se trata de relativismo laxista, mas de relativismo crítico, conforme diferença ressaltada por Karlk Raymond Popper (1902 – 1994), centrado no princípio da validade transitória e nas verdades negativas.
Incerteza recomenda prudência, princípio conservador. Liberais também adotam o relativismo crítico prudente e tolerante, mas entendem que o homem pertence a ele mesmo. Conservadores acham que o homem pertence a um todo, como família, pátria ou igreja. Assemelham-se, neste aspecto, aos revolucionários que consideram o homem como pertencendo ao partido, classe social, etnia ou grupo de comportamento, subsumindo a pessoa ao pertencimento, às estruturas sociais, havido como alienado. É a negação da ação voluntária consciente sem a qual não há liberdade nem dignidade da pessoa. E é pressupõe uma consciência verdadeira a ser oficializada. Peço vênia para dispensar o uso consagrado, mas desnecessário, do adjetivo “humana”.

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