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Game over para os bancões brasileiros? Por Henrique Lyra Maia

Henrique Lyra Maia, Bacharel em Administração de Empresas, Especialização em Administração Financeira e Mestrado em Administração de Empresas pela Universidade de Fortaleza, Especialização em Gestão Empresarial pela FGV e Doutorando em Contabilidade e Finanças pela FUCAPE Business School. Sócio da LYRA&MAIA Consultores Associados.

Apesar das altas consecutivas do IBOVESPA desde a queda provocada pelo COVID-19, ainda estamos com uma queda acumulada no ano de aproximadamente 12%. No entanto, os bancos tradicionais – os ditos bancões – parecem ter ficado bem atrás ao comparar com o índice. Se pegarmos as ações dos principais bancos vemos uma queda aproximada de 32% para Banco Itaú, 36% para o Banco Bradesco, 37% para Banco do Brasil e 38% para Banco Santander.  Em contrapartida, temos alguns bancos que estão tendo grandes valorizações no ano ao comparar com o índice que é o caso de BTG Pactual com 8%, Banco Inter com 27% e XP com 10% em valorização em dólar (XP é negociado na bolsa de NASDAQ).

O mercado parece colocar um desconto maior para os bancos tradicionais em detrimento dos bancos digitais. E aparentemente há vários fatores que faz com que o mercado tenha uma visão pessimista para esse segmento, em oposição ao segmento digital que ganha tração no novo cenário.

As empresas são avaliadas pela capacidade que ela tem de gerar fluxos de caixas futuros, quanto maior for essa perspectiva, maior será o valor atual da empresa e vice-versa. Essa geração irá depender basicamente de quatro fatores principais.

O primeiro fator é o ciclo econômico, empresas que estão inseridas em um ciclo econômico favorável, estará em um ambiente propício para gerar mais lucros aos seus acionistas e vice-versa. No que tange ao ciclo econômico no Brasil, estávamos bem no início, partindo de uma base em janeiro de 2020 com alto nível de desemprego (cerca de 11%), capacidade ociosa das indústrias (cerca de 80%), inflação dentro da meta (cerca de 4% acumulada 12 meses) e à época em desaceleração.

Esses indicadores indicam início de ciclo econômico, pois os recursos de mão de obra e indústrias ociosos e inflação de preços ao consumidor contida. Para os bancos, o crescimento da economia significa maior necessidade de capital por parte dos agentes econômicos, portanto, espera-se que em um processo de recuperação econômica os bancos cresçam sua base de empréstimos.

No entanto, a crise provocada pelo COVID-19 fez com que o ciclo fosse interrompido e a economia iniciasse uma trajetória recessiva, em linha com os países ao redor do mundo. Essa recessão é ruim para os bancos, porque além de provisionar altas perdas para devedores duvidosos, o Banco Central tenderá a permanecer com uma taxa SELIC historicamente baixa. Ao unir altas provisões para perdas com uma SELIC baixa, as margens dos bancos ficarão fortemente pressionadas.

Outro fator que afeta a lucratividade de qualquer empresa são as forças macro advindos dos ambientes institucionais, legais, demográficas, ambientais e políticas. Entre esses fatores, pode se destacar os fatores legais e políticos, que com o advento do COVID-19 criou-se um ambiente desfavorável aos bancos com medidas restritivas vinda do legislativo. Esse ambiente ruim para bancos, faz com que investidores coloquem um prêmio de risco maior para se investir nesse segmento. Quanto maior o prêmio de risco para se investir em uma empresa, menor será seu valor de mercado.

O terceiro fator seria o ambiente setorial, quanto maior for a entrada de novos competidores no setor, piores serão as margens dos players estabelecidos no mercado. Ainda mais se os novos entrantes trouxerem novas capacidades tecnológicas, modelos de negócios diferentes e mais alinhados com as necessidades dos clientes. Nesse sentido, os bancões estão ameaçados pela proliferação vigorosa das fintechs, que oferecem serviços gratuitos em relação aos bancos tradicionais, que estes cobram altas tarifas.

Adicionalmente, as fintechs vem com uma proposta de desburocratização dos processos, tornando tudo mais simples e rápido, em oposição aos bancões que tem processos mais burocráticos e lentos. Assim, o cenário que se discute daqui em diante é que as perspectivas do setor bancário são de maior concorrência e isso não é bom para as empresas estabelecidas. O mercado acredita que a entrada vigorosa das fintechs no mercado irá pressionar para baixo os retornos dos bancos tradicionais.

O último fator que contribui para a lucratividade de uma empresa são suas vantagens competitivas. As vantagens competitivas dos bancos estão parcialmente sob ameaça. Uma grande vantagem competitiva dos bancos é a sua capilaridade de agências ao redor do país. O leitor pode se recordar quando Bradesco empregou estratégias de comunicação em que se dizia que era o banco mais presente nos municípios do Brasil, a campanha “Bradesco é P de Presença”. No entanto, para gerações mais novas, o ato de ir na agência é na verdade uma enorme desvantagem. A percepção dessas pessoas é que esse processo é penoso e não há nenhuma satisfação em se deslocar, perder tempo em filas de espera, trânsito e demais desconfortos. Sem contar que agências carregam um custo muito grande para manter, exigindo altos aluguéis, pessoas, manutenção, etc. O que antes era uma vantagem competitiva, agora se tornou desvantagem.

Por todos esses fatores, o mercado acredita que os bancos tradicionais têm muitas ameaças para lidar e ainda não há tanta certeza se com todas as vantagens que os bancos tradicionais têm – e são inúmeras e não citadas nesse artigo – serão suficientes para vencer todas as ameaças ao ponto de manter sua rentabilidade histórica.

Se considerarmos que os Bancos tradicionais estão na categoria de setores que pagam dividendos, ou seja, em setores maduros, com baixo crescimento e altas distribuições de lucros, poderíamos utilizarmos o modelo de dividendos (Dividend Discount Model) para identificar o valor justo da ação.

De acordo com esse modelo, o valuation de uma empresa pagadora de dividendos seria em função ao dividendo pago, seu custo de capital e um crescimento futuro esperado. No caso de Itaú e Bradesco, o crescimento implícito do mercado é de um crescimento anual dos lucros na perpetuidade de 0,2% e 0,7%, respectivamente. Nos últimos quatro anos, Itaú cresceu seus lucros a uma taxa anual composta de aproximadamente 6,0% ao ano e Bradesco a uma taxa de 8,8% ao ano. Ou seja, o mercado projeta que as ameaças são muito superiores a capacidade dos bancos de se reinventar e manter suas taxas de crescimento atuais.

O investidor poderá ganhar dinheiro com essas ações se acreditar que o mercado está errado e os bancos (nessa análise, Itaú e Bradesco) puderem entregar um crescimento acima de 0,2% e 0,7% a longo prazo. Para efeitos de simulação, se ambos os bancos entregarem um crescimento a longo prazo de 2%, ambos os bancos podem ter um upside de 20%, ou seja, quem comprar agora estará adquirindo essas empresas a um desconto de pelo menos 20%. Esse potencial de valorização é ainda maior para Banco do Brasil e Santander.

É possível os bancos entregarem um crescimento na perpetuidade maior que o mercado acredita? Apenas o tempo irá dizer, mas por esse método de valuation podemos concluir que o mercado deposita uma baixa capacidade dos bancos de lidar com todas essas ameaças ao mesmo tempo. Cabe a cada investidor fazer sua própria análise e chegar as suas próprias conclusões[i].

A era de ouro dos Bancões acabou? O mercado está precificando que sim. E você, o que acha?

[i] O investidor não deve se basear em apenas um único método de valuation para tomar decisão, há pelo menos nove modelos de valuation que são amplamente utilizados por analistas.

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