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Fortaleza, 295 anos ou mais! Por João Flávio Nogueira

Planta Fortaleza feita em 1726 pelo capitão-mor Manuel Francês como procedimento da instalação da Vila de Fortaleza de Nossa senhora d’Assunção do Ceará Grande. Trata-se do primeiro registro iconográfico de Fortaleza e está guardado no Arquivo Ultramarino de Lisboa. Veja a descrição feita pelo padre Serafim Leite: “Em cima do mapa, no ângulo direito, está a Fortaleza, com a bandeira portuguesa e três peças de artilharia visíveis, uma a disparar. Entre o Forte e a regata, uma casa assobradada, e entre a regata e o mar, outras. A seguir à Fortaleza, na mesma linha para o interior, uma casa pequena e depois a Casa da Câmara, com doze portas e outras tantas janelas. Em frente da Câmara e do Forte, a praça com os símbolos municipais, coincidindo o pelourinho com a frente da Câmara, e a forca com a da Fortaleza”.

Hoje, 13 de abril de 2021, nossa cidade completa 295 anos desde sua elevação à categoria de vila por ordem régia de Dom João V, então Rei de Portugal. O próprio decreto do Rei é uma peça de arte e história viva.

Escrita na Língua Portuguesa da época, ele traz, dentre alguns trechos, o seguinte:

“Fui seruido resolver… em consulta de meu Conselho Ultramarino que a Villa dos Aquiraz se conserve e que haja também outra junto à Fortaleza para que ajudem os seus moradores a defença dela e esses a tenham também por azillo, para a sua conservação de que me pareçeo avizar-vos para o terdes asy entendido. El Rey Dom Joam (Dom João V) por graça de Deus, Rey de Portugal e dos Algarves daquém, e dalém mar, em África SNR de Guiné.”

Polêmicas à parte, já que há historiadores sérios que defendem outras datas de “fundação” da nossa cidade, que “ganharia” alguns séculos a mais além dos 295 anos, esse “13 de abril” é muito significativo. E o decreto real o torna mais ainda.

Desde sua elevação à categoria de vila, em 1726, Fortaleza teve como um dos objetivos ser o lar (azillo) das pessoas. E, ultimamente, somos nós, as pessoas, quem fazemos as vilas e cidades, escrevendo diariamente nossas histórias.

De nada importava um decreto real, se não houvesse pessoas vivendo aqui, antes mesmo dos portugueses, espanhóis, franceses e holandeses chegarem por esses verdes mares.

E é por isso mesmo que podemos ter várias datas de “aniversário”. Podemos contar como fundação a chegada há milhares de anos dos povos indígenas que viram nessa verdadeira “mesopotâmia”, região entre os rios Pacoti e Ceará, um grande oásis com vários riachos de água doce e perenes, rica em lagoas, em contraste com a aridez do interior. Então podemos “comemorar” desde há milhares de anos…

E foram justamente esses povos indígenas quem forjaram os primeiros contatos (amistosos ou não) com os povos que vieram através do vasto Atlântico. Esses povos indígenas são homenageados atualmente com os milhares de nomes de ruas, avenidas, lagoas e muito mais que temos em nossa cidade.

Mas vieram os europeus. Primeiro, chegou o espanhol Vicente Pinzón, homenageado em nossa cidade com um bairro, e que teria sido o primeiro europeu por essas bandas, em janeiro de 1500, antes mesmo de Cabral chegar na Bahia. Pinzón teria aportado na enseada do Mucuripe. Achou tão linda a região que a nomeou em seu rico diário de navegação de “baía hermosa”, ou baía bonita! Então, podemos “comemorar” desde 1500…

Depois, o açoreano Pero Coelho, homenageado com nome de rua, fundou aquilo que se crê ser a primeira fortificação dessa região, o Fortim de Santiago, em 1603 na importante e icônica região da Barra do Ceará. É sempre bom lembrar que nessa época os reinos de Portugal e Espanha estavam unificados na conhecida União Ibérica (1580-1640). Então, podemos “comemorar” desde 1603…

Mas a luta por essas terras era difícil e forjou heróis a sangue, suor e lágrimas. Pessoas fortes, como o próprio nome da cidade já diz. Nesse contexto, apareceu Martim Soares Moreno, imortalizado na obra de José de Alencar como o “Guerreiro Branco”. Natural de Santiago do Caçém, em Portugal.

Martim veio ao “Siará” ainda jovem, na expedição de Pero Coelho. E ele aqui novamente retornou em 1612, fundando uma outra fortaleza, também na região da foz do rio Ceará: o forte de São Sebastião, em homenagem ao rei desaparecido de Portugal, Dom Sebastião, cujo corpo nunca foi encontrado, morto na batalha de Alcácer-Quibir, no Marrocos. Então, podemos “comemorar” desde 1612…

Depois de Martim Soares Moreno, homenageado com estátua em Fortaleza e com seu nome no Panteão de Heróis da Pátria, o verdadeiro “fundador do Ceará”, vieram os holandeses. O mais conhecido e longevo deles, Mathias Beck, chegou no Mucuripe em abril de 1649. Veio procurar as minas de prata que supostamente haveria na serra de Maranguape.

Tão logo chegou, Mathias foi às ruínas do antigo Forte de São Sebastião, mas escolheu sua nova fortaleza no monte Marajaitiba, às margens do riacho Marajaik, o nosso Pajeú! Em abril, costumeiramente mês de chuvas nessa região, o Pajeú deveria estar cheio e lindo! Fonte perene de água potável. E fez-se o forte Schoonemborch, em homenagem ao então “governador” de Pernambuco, o holandês Walter Van Schoonemborch.

Em 1654, Mathias Beck foi o último dos holandeses a deixar o Brasil, numa empreitada bélica e econômica dos neerlandeses no Nordeste desde 1630 nessa segunda tentativa. Mathias Beck já foi nome de avenida (hoje Abolição), de praça (hoje Dr. Moreira Sousa), que fica defronte ao Náutico, e hoje é nome de rua no bairro Presidente Kennedy.

Depois de Beck, veio o português Álvaro de Azevedo Barreto, que trouxe consigo a imagem da Nossa Senhora da Assunção, e que rebatizou a fortaleza, tomando posse pacificamente da guarnição construída pelos holandeses.

E não podemos nos esquecer de Manoel Francêz, o Capitão-Mor em 13 de abril de 1726, quando da elevação de Fortaleza de povoado à condição de Vila. Pouco se fala sobre essa figura histórica que desenhou uma das primeiras plantas (foto) que se tem notícia da cidade, justamente de 1726.

Mas ao redor dessas muralhas, “junto à sombra dos muros do forte, a pequena semente nasceu; em redor para a glória do Norte, a cidade sorrindo cresceu”.

Esse é um dos trechos do hino de Fortaleza. E a cidade, com seu povo, cresceu e prosperou. Com muitos desafios, muitas lutas, muitas histórias, com os ingleses, com os negros e mestiços no trancamento do porto ao embarque de escravos, com o algodão, com as ferrovias que trouxeram riqueza (mas que também ajudaram na propagação da pandemia da Gripe Espanhola (1917-1918) no estado), com os retirantes das inclementes secas (que construíram muitos prédios públicos históricos) os automóveis, o povo, enfim, tudo aquilo que forja verdadeiramente uma cidade.

E é justamente esse resgate histórico que tentamos fazer, junto com outros colegas, não reescrevendo nossa história, mas a resgatando e a tornando acessível para todos, no trabalho que fazemos no YouTube no canal “História de Fortaleza do Ceará” (www.YouTube.com/históriadefortalezadoceará)!

Fortaleza pode ter milhares de anos, podemos “comemorar aniversário” de 521, 418, 409, 372 ou 295 anos em 2021. Tudo vai depender da perspectiva. Prefiro, assim como o médico e historiador Eurípedes Chaves, não chamar essa data de “aniversário”, mas de comemorar o 13 de abril como o DIA DA CIDADE DE FORTALEZA.

Polêmica ou não, milhares de anos ou não, o que não podemos é nos esquecer da rica história, forjada com muitas fortalezas, com sangue, muitas pessoas, sofrimento, mas com muita resiliência. Aliás, se o “Nordestino é antes de tudo um forte”, o fortalezense (nascido ou criado aqui) já tem essa fortaleza dentro de si. Desafios ainda são muitos, problemas vários ainda a serem resolvidos, mas a esperança de que nos próximos aniversários, cada vez mais, possamos conhecer e nos orgulhar da nossa história, nosso presente e vislumbrar um futuro melhor, mais justo.

Melhor e mais justo justamente para fazer desse local que chamamos de nossa terra, nosso verdadeiro “lar”, assim como previu o decreto de Dom João V, representando um porto seguro para nosso povo, afinal, como o próprio hino da cidade já diz: “onde quer que teus filhos estejam, com amor e saudade desejam ao teu seio o mais breve voltar”.

João Flávio Nogueira é médico (CRM-CE 9344, RQE 4114), formado na UFC, com residência médica em otorrinolaringologia em São Paulo. Fellowship na Penn University – Philadelphia Membro da Academia Americana de Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço Professor convidado do Massachusetts Eye and Ear Infirmary – Harvard affiliate.

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