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Folhetim de Santa Ozita – A curandeira que desafiou o governo do Ceará. Capítulo 6/7. Por Angela Barros Leal

“A praga final”

Durou pouco a alegria dos fiéis de Ozita. Às 4h30 da quinta-feira, dia 2 de junho de 1949, dezenas de policiais da Guarda Civil e da Polícia de Segurança proibiram de vez o acesso à casa número 42 do São João do Tauape, formando uma cerca humana necessária para evitar a entrada, ou mesmo a invasão, temendo-se o que acontecera na semana anterior, quando a pressão física do agrupamento de corpos chegara a derrubar o muro de frente da casa de Ozita.

Foi quando “sem que ninguém percebesse”, narrara Luciano, “às 9h o jornalista Pantaleão Damasceno chegara ao Tauape guiando um jipe, para convencer a multidão de revoltados que deveriam ir, incorporados, ao Palácio do Governo, pedir relevação da medida policial”. As autoridades presentes foram consultadas – o Delegado Wanderley Girão Maia, o Comissário José Weyne, o Comandante da Guarda Civil Paulo Holanda – e consentiram que Ozita embarcasse no jipe direcionado à sede do poder maior do Estado.

Luciano Carneiro sacou seu arsenal de adjetivos desqualificativos e narrou o acontecimento, até então inédito em Fortaleza. “Hoje, alguns milhares de fanáticos da curandeira, possuídos de ridícula revolta contra a atitude da Polícia em não permitir o acesso público à casa da loura oxigenada, e insuflados pelo pessoal que cerca a mistificadora, levaram a efeito passeata pelo bairro Joaquim Távora e pelas ruas centrais da cidade, indo ao Palácio da Luz pedir que  o Governo revogasse a proibição.

O percurso era de 4 a 5km, com certeza cansativo para a saúde do público que compunha a singular procissão. À frente, em marcha solene, o jipe no qual seguia Ozita, seu ar e atitude incutindo respeito, entronizada no banco duro do veículo. Atrás, o lento caudal de gente a pé, os mais carentes, os mais miseráveis, os mais pobres entre os pobres, enfrentando as ruas mal calçadas e a inclemência do sol para defender quem acreditavam que lhes traria a cura.

Os fortalezenses pararam para ver movimentar-se aquele cortejo sofrido, “provocando tumulto por onde passava”, segundo o jornal carioca A Noite, até alcançar o Palácio da Luz, na Praça General Tibúrcio, às 13h30. Alguns Deputados presentes “não esconderam a estupefação pela atitude incoerente da multidão, cujos clamores na rua ecoavam em todas as dependências do Palácio”, percebera Luciano.

Indignado, o Governador recolheu-se a seus aposentos”, prosseguira o jornalista, “e não tomou em consideração os pedidos para receber Ozita e sua caravana”. Ao ouvir de Clodoveu de Arruda, Secretário do Interior e Justiça e temporariamente Chefe da Polícia, representando o Governador, que a proibição de obrar milagres se mantinha, e o conselho para que Ozita deixasse Fortaleza, os poderes dela se fizeram ouvir.

A ‘santa’ falou apenas duas frases, de uma tal maneira e com uma voz tão estranhamente modulada que os presentes se viram incapazes de comentar o gesto da ‘simpática mocinha’”. Até então calada, Ozita teria dito soturnamente, com entonação emitida das entranhas: “Pois avise o senhor Governador que se prepare para receber o castigo. Deus é justo!” Ou teria enunciado: “O Céu o castigará”, na versão do O Jornal, do Rio de Janeiro. De uma forma ou outra, a praga estava lançada.

Ozita reembarcou no jipe usando um jornal para ocultar o rosto do estouro luminoso das câmeras fotográficas, “e atravessou a Praça do Ferreira como uma rainha, seguida de seu grande séquito”, concluíra aliviado Luciano, para quem “o Governo, a braços com tantos problemas, não pode nem deve perder mais tempo com uma mulher vulgar.

O Jornal detalhou ter a multidão passado sem manifestações de agressão diante do edifício-sede dos Diários Associados, que vinha “combatendo violentamente as mistificações de Ozita” A vidente ainda permaneceu mais uns dias em Fortaleza. Sua proposta de atuar no Instituto dos Cegos foi recusada e findou retornando às origens, a rua Visconde de Goiana, Recife, de onde seu périplo prosseguiria para aonde mais determinasse a Voz.

 

Angela Barros Leal é jornalista e escritora.

 

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