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Encontro em Moscou mostra o quanto o Brasil está ficando fora do jogo global

Afreximbank – Uma visão Global da África e do multilateralismo

Por Igor Macêdo de Lucena, especial de Moscou para o Focus
Entre os dias 20 e 22 de junho ocorreu na cidade de Moscou, na Rússia, o 26º encontro anual do Banco de Importação e Exportação da África – Afreximbank. As reuniões anuais do Afreximbank são voltadas para profissionais do setor bancário, profissionais de comércio e finanças, acadêmicos, instituições internacionais e outros agentes transnacionais envolvidos no desenvolvimento econômico de toda a África. Líderes empresariais e políticos também participam e esse é um dos encontros mais importantes para os tomadores de decisões econômicas no continente africano.
Esta é a segunda vez que o encontro é realizado fora de um dos 54 países africanos. O primeiro ocorreu em 2012 na China e agora, em 2019, em seu outro shareholder, a Federação Russa. A importância do Afreximbank para as relações econômicas dos países da África com os BRICS é de tal ordem que todos os países do grupo, com exceção do Brasil, possuem participação no capital social do banco e influenciam suas decisões para melhorar as relações políticas e comerciais com os países africanos.
Dentro desse importante grupo de emergentes, a não participação do Brasil mostra uma falta de alinhamento do país com políticas geoeconômicas para a África. Perdemos um espaço importantíssimo para ampliar nossa influência internacional, nossa capacidade de expandir mercados consumidores e explorar recursos naturais voltados para o desenvolvimento de produtos de alta tecnologia.
A abertura do evento foi feita no primeiro dia pelo ministro de relações exteriores Sergey Lavrov e no segundo dia, pelo primeiro ministro Dmitri Medvedev. A exaltação sobre as relações Rússia-África começava neste evento, mas viria a ser continuada em uma série de eventos durante o ano, em suas mais diversas áreas: transportes, tecnologia, finanças, cultura, alimentação, energia e defesa nacional.
Os dois líderes russos fizeram questão de reforçar a importância da Rússia na região e como as relações bilaterais entre as nações podem expandir a força russa e desenvolver as nações africanas, principalmente a recém-criada African Continental Free Trade Area.  Outro importante ponto abordado pelo primeiro ministro foi a instabilidade internacional que os países sofrem hoje devido às guerras comerciais e ao enfraquecimento de instituições internacionais. Medvedev procurou incentivar que os países africanos sejam mais engajados nas Nações Unidas e possam ampliar as atividades do Conselho de Segurança, além de exigir uma reforma organizacional do FMI e do Banco Mundial. 
O presidente do Afreximbank, Dr. Benedict Oramah, anunciou que este ano estariam explorando vários aspectos do comércio e do desenvolvimento econômico, analisando a transformação das economias africanas através do comércio e principalmente dos desafios do multilateralismo em um momento de protecionismo entre as nações. Dentre os mais importantes palestrantes, destaco sem dúvida o professor de economia Ha-Joon Chang da Universidade de Cambridge.
Em sua palestra o prof. Chang pontuou as falhas que a total liberalização dos mercados geram para nações consideradas frágeis. Em sua teoria o livre comércio entre as nações com níveis diferentes de desenvolvimento seria muito bom para consumidores no curto prazo, pois haveria uma clara diminuição de preços com a venda de produtos de melhor qualidade. No longo prazo, entretanto, políticas totalmente liberalizantes impediriam que nações frágeis (política ou economicamente) pudessem desenvolver indústrias capazes de concorrer em pé de igualdade com aquelas de nações desenvolvidas.
Para exemplificar ele usou exemplos como o Japão, a Coréia e a China que passaram por momentos de alto protecionismo, até desenvolverem grandes empresas, que em seguida foram capazes de competir no mercado internacional, com a abertura comercial. Questionado por mim sobre se isso não seria prejudicial no longo prazo, porque poderia gerar monopólios e oligopólios com produtos de baixa qualidade, sua resposta foi contundente: “a indústria incipiente é como uma criança, você tem que cuidar dela até uma certa idade, depois dos 18 anos (exemplo de maioridade), você joga ela no mundo da competição, se não der certo, paciência, deixa o mercado selecionar as melhores.”
O ponto de vista dele é que uma nação como Guiné não poderia ser cobrada por liberar todos os seus mercados por um país como o Canadá, no longo prazo as indústrias da Guiné nunca se desenvolveriam e o nível de pobreza se manteria. Sua ideia é que deveriam existir mecanismos de proteção de mercados, que ao longo do tempo seriam retirados até que as nações estivessem com níveis de desenvolvimento muito próximos uma da outra e assim o livre comércio poderia ser aplicado sem problemas.
Outra importante palestra foi ministrada pela diretora do Instituto para Estudos Africanos da Academia Russa de Ciências, Irina Abramova, a qual defendeu que excluindo os Estados Unidos e o Reino Unido, as grandes potências mundiais como a China, a Rússia, o Japão e outras potências regionais como o Brasil e a Turquia estão procurando ampliar suas zonas de livre comércio e macrorregiões aduaneiras a fim de dinamizar suas economias. O exemplo da União Europeia vem sendo seguido pelos países da África com a criação da União Africana e por mais que o mundo anglo-saxônico esteja se distanciando do multilateralismo, essa questão ainda é defendida e abordada por grande parte dos Estados.
O vice-ministro para do desenvolvimento econômico da Rússia, Timur Maksimov, levou em consideração que a chave para a prosperidade das nações no século XXI está no desenvolvimento de novas tecnologias, a sua manutenção por parte das nações e a capacidade de aplicar essas tecnologias na prática, seja no campo militar ou civil.
Além destas o evento contou com mais algumas dezenas de debatedores e palestrantes, contudo neste contexto minha impressão foi de que a Rússia e a África estão extremamente alinhados sobre o que fazer, como fazer e quais são os objetivos para as ações geopolíticas e geoeconômicas no continente. Acredito que ainda não é tarde para que na nossa política externa possamos desenvolver nossa estratégia para a África, caso contrário perderemos espaço e oportunidades no mundo.
Durante o segundo dia do evento, a Sra. Vera Songwe, secretária executiva do comissariado das Nações Unidas para o desenvolvimento econômico da África, exemplificou desafios da União Africana, principalmente na montagem de um arcabouço regional para o desenvolvimento da economia digital. Os comentários sobre as sanções dos Estados Unidos e da União Europeia para com a Rússia devido a anexação da Criméia foram abordados, mostrando o enfoque geopolítico do encontro, além da participação de State Owned Enterprises, Sovereign Wealth Funds e Multinational Corporations que se apresentam hoje como atores importantes nessa relação bilateral.
A participação do empresário Samuel Dossou-Aworet, presidente do grupo Petrolin, foi importante, dando um norte do ponto de vista empresarial tanto para a África quanto países como a Rússia e o Brasil. Em sua opinião a chave para o crescimento da riqueza e do poder dos Estados e suas empresas estão no investimento em tecnologias aliadas ao capital humano, esses dois elementos foram capazes de desenvolver em poucas décadas a países na Ásia e é capaz de ser replicado em outras regiões.
A palavra chave deste encontro na minha opinião foi “estratégia”. Sejam atores individuais, pesquisadores, pequenas empresas, conglomerados ou Estados nacionais, o enfoque desse encontro foi demonstrar as estratégias que cada um destes agentes no cenário internacional é capaz de efetivar para desenvolver suas habilidades, seja no âmbito financeiro ou no âmbito do poder. As estratégias não são novas, vem apenas passando por modificações, dado as novas variáveis do cenário global, e esta é a principal lição que o Brasil precisa aprender. Já passou da hora de termos a nossa própria estratégia global com parceiros em várias esferas, a nível geopolítico e geoeconômico em todos os continentes.

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