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Disputa de Fortaleza terá voto decisivo de empreendedores populares e neo-pentecostais

Evento da Igreja Comunidade das Nações, em Fortaleza: longe da esquerda e perto da direita.

Por Fábio Campos
fabiocampos@focus.jor.br
Em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo, o ex-presidente da Bolívia, Evo Morales, fez uma avaliação de uma face do quadro político e social  boliviano que se enquadra à perfeição com o que vem ocorrendo no Brasil nos últimos seis anos. Na entrevista, Evo reconheceu que uma “nova classe média” nascida na Bolívia emergiu em sua longa temporada no poder e acabou não se identificando mais com ele”.
Transportando para o caso brasileiro, é exatamente o que acontece entre nós numa reação contra a esquerda. São cidadãos que nasceram um pouco antes ou um pouco depois do Plano Real, que não sabe o que é inflação, cresceu na democracia e nas liberdades, que não se sente viúva da ditadura e que, naturalmente, sempre vai querer mais do que o que os seus pais tiveram.
Em boa parte, esses cidadãos se organizam muito mais em torno de sua igreja, geralmente de natureza Pentecostal, do que em organizações civis e/ou sindicais. É claro que o grosso desse público aderiu ao anti-petismo, tanto que rechaçou o partido em São Paulo e, em todo o país, engrossou as fileiras pró-Bolsonaro.
É evidente que, nas grandes cidades, como é o caso de Fortaleza, esse público será decisivo na campanha eleitoral do próximo ano.
A ascensão desse contingente social e, portanto, eleitoral foi cientificamente identificado e entendido pelo PT há bastante tempo. Uma famosa pesquisa da Fundação Perseu Abramo, realizada em 2017, levantou uma série de indicativos desse processo social.
Devulgada em março de 2017, a pesquisa qualitativa identificou “fenômenos como o avanço do consumo, do neo-pentecostalismo e do empreendedorismo popular” com a demonstração de “uma intensa presença dos valores liberais do ‘faça você mesmo’, do individualismo, da competitividade e da eficiência. Veja a pesquisa completa aqui.
É claro que o que nascia na periferia de São Paulo, motor da economia brasileira, naturalmente se espalharia pelo país. Com muito menos força, claro, nas regiões de economia mais frágil e mais dependente do Estado, como o Nordeste.
Dizia a introdução da pesquisa: “Como resultado geral, pode-se encontrar uma população que tendencialmente acredita na política, mas não crê em partidos; reconhece a importância da coletividade, mas almeja crescer individualmente; busca transformações, mas é pouco afeita a rupturas; anseia por novas idéias, mas é também pragmática”.
Na sequência, a introdução apontava que, em suma, “esse novo caldo cultural exigirá renovações tanto na forma como se realiza a política partidária quanto no conteúdo das políticas públicas que se implementam”.
O texto fechava da seguinte forma: “A mistura entre valores do liberalismo, do individualismo, da ascensão pelo trabalho e do sucesso pelo mérito, com valores mais solidários e coletivistas relacionadas à atuação do Estado, à universalização de direitos, à ampliação da inclusão social, permeiam a visão de mundo e o imaginário dessa nova classe trabalhadora das periferias de São Paulo”.
Mangabeira Unger
Bem antes da pesquisa da Fundação petista, o professor de Harvard, Mangabeira Unger, já antevia o fenômeno social. Veja a seguir o que ele dizia.
“Precisamos distinguir na estrutura social que está emergindo no Brasil três componentes. Há uma pequena burguesia empreendedora, uma multidão de pequenos empreendedores que não estão só nas periferias das grandes cidades do Sudeste, mas se espalham pelo Brasil afora. Essa é uma classe média diferente da classe média tradicional. A classe média tradicional se associava às profissões liberais e ao emprego público e tinha uma cultura europeizada. Essa pequena burguesia empreendedora é mestiça e vem de baixo. Não está orientada para as preocupações da pequena classe média tradicional. Não está vidrada no emprego público e tem novos valores. Atrás dessa pequena burguesia empreendedora, e com uma dimensão muito maior, há uma multidão de trabalhadores ainda pobres, que não podem ser considerados pequeno-burgueses ou classe média. Eles trabalham dia e noite, muitas vezes têm dois ou três empregos. Assimilaram esses valores que nós associamos historicamente à pequena burguesia. Esses batalhadores são uma correia de transmissão entre a pequena burguesia empreendedora e a massa ainda mais pobre e desorganizada do país, que cada vez mais no Brasil tem um horizonte imaginativo voltado para a ascensão. Não é uma perspectiva proletária ou industrial. É uma perspectiva empreendedora de pequeno-burguês. A pesquisa se refere sobretudo aos batalhadores. Ainda pobres, porém já comprometidos com uma nova cultura de autoajuda e iniciativa. Isso representa uma revolução no país, maior no plano da consciência coletiva do que no plano da situação econômica. É uma revolução subjetiva, uma reorientação, com uma trajetória política indefinida”.
 

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