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Edifício São Pedro é desafio arqueológico das lembranças confiscadas pelo tempo. Por Paulo Elpídio

Paulo Elpídio de Menezes Neto, é articulista do Focus, cientista político, membro da Academia Brasileira de Educação, Rio de Janeiro; ex-reitor da UFC, ex-secretário nacional da Educação superior do MEC; ex-secretário de educação do Ceará.

Pena que tenha chegado a este estado deplorável de abandono.

Mas não é uma perda significativa. A não ser pela memória de muitos inquilinos e hóspedes que dividiram aqueles espaços desencontrados, como se pretendessem lembrar um labirinto tortuoso de corredores e escadas.

Foi também uma comunidade de moradores heterogêneos, em um clima habitual de festa.

Certas coisas, lembranças e guardados de memória não devem ser retidos por impulsos de afeição pessoal. Parece ser este o caso.

A área construída, o projeto realizado, não pode ser considerado um marco arquitetônico, sequer uma referência entre o pouco melhor que restou da fúria modernizadora de alguns insanos empreendedores.

É um conjunto extravagante que carece de prestígio estético para tornar-se o “hit” de uma arquitetura marcante.

É obra curiosa que encantava e seduzia pelo inesperado do seu tamanho e pelos “puxados” que chegam a lembrar as moradias encravadas nas cavernas, a exemplo do que se vê na Europa ancestral e em recantos do oriente médio. Mas nada nos fala da nossa cultura.

Do ponto de vista comercial, que pudesse ainda ter valor econômico, é uma obra sem alternativas.

Se se transformasse em moradia popular, por iniciativa do Estado, seria, cedo, uma favela. Em nenhum caso, como alternativa interessaria a empreendedores privados.

Melhor seria documentar a história dessa “cidade”, devolver-lhe a sua memória, a crônica que marcou a sua presença na praia de Iracema.

Na verdade, estamos a falar de uma forma de arqueologia que arrancasse do esquecimento pessoas, estórias escondidas, relações, amores dissimulados, querências guardadas da vista bisbilhoteira dos outros. Os duelos verbais e os bons modos de damas distintas, ali no Panela, ponto no qual Lúcio Brasileiro iniciou a sua deliciosa cruzada civilizatória das nossas elites de raiz e dos novos ricos em ascenção.

O Edifício São Pedro é um sítio arqueológico precioso desta cidade. Mas não seria por essa razão, certamente, que devesse ser preservado. Antes, pela memória gravada nos sobreviventes daqueles anos dourados do Panela, das rodas de inteligência e da boêmia instaladas naquela topografia estranha e por isso mesmo sedutora.

O prédio poderia ser visto como uma “jungle” de paredes por onde deslizava uma fauna de minotauros e de cidadãos acima de qualquer suspeita.

Na verdade, estou querendo dizer que o importante do “São Pedro” não é o que as pessoas possam imaginar, ao olhar para aquela massa desordenada de prateleiras, como se fosse uma estante. Ou que fosse uma antropoteca.

Aquilo tudo que se mostra sob o limo do tempo escondido são lembranças que não se apagam.

O Iracema Plaza não é um problema arquitetônico, um desafio de política urbana a ser resolvido.
É trabalho para historiadores, para cronistas das nossas frágeis lembranças perdidas.

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