Pesquisar
Pesquisar
Close this search box.

E agora, para onde iremos? Por Igor Lucena

Articulista do Focus, Igor Macedo de Lucena é economista e empresário. Professor do curso de Ciências Econômicas da UniFanor Wyden; Fellow Associate of the Chatham House – the Royal Institute of International Affairs  e Membre Associé du IFRI – Institut Français des Relations Internationales.

Finalmente encerramos o mais complexo e emocionante processo de eleição desde a redemocratização do Brasil. O que acompanhei durante essa e muitas outras eleições é que na grande maioria das vezes os partidários, de um lado ou de outro, dão por encerrada a participação política para seguir cada um sua vida após o encerramento do pleito.

Não é o caso deste ano. Na prática, assistimos a diversos efeitos políticos e econômicos totalmente inéditos para a jovem democracia brasileira. Se por um lado no primeiro turno elegemos a grande maioria dos congressistas alinhados à direita, tanto na Câmara dos Deputados quanto no Senado Federal, por outro lado foi eleito o ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva com posições majoritariamente de esquerda, seguindo uma onda na América Latina. Houve também um fato inédito tendo em vista que um presidente incumbente com uma projeção de crescimento do PIB em torno de 3%, 4 meses seguidos de deflação, reduções constantes do nível de desemprego e o apoio da maioria dos governadores dos Estados ricos dos país, não conseguiu ser reeleito, colocando um questionamento sobre a clássica frase: “E a economia, estúpido?!”. 

Por outro lado, apesar da sua derrota, o bolsonarismo se mostrou mais vivo do que nunca, elegendo uma quantidade enorme de deputados, senadores e governadores com poder político extremamente relevante daqui para frente. Como disse o governador eleito de São Paulo, Tarcísio de Sousa, Jair Bolsonaro formou novos líderes em vários Estados, e isso é completamente diferente das antigas lideranças nacionais.

Ainda no campo da política, grande maioria dos eleitos propuseram pautas de reforma do Estado, diminuição da máquina pública e principalmente de pautas liberais como redução dos impostos e simplificação do complexo sistema econômico brasileiro. O presidente eleito não se comprometeu com nenhuma pauta reformista do ponto de vista liberal, e suas propostas são totalmente alinhadas com políticas keynesianas e intervencionistas, tendo sempre o Estado no centro do desenvolvimento econômico nacional. Não é que isso seja errado, vide o modelo de desenvolvimento econômico chinês, agora é completamente diferente do pensamento da maioria dos membros eleitos no Congresso Nacional, o que será um desafio, ou uma oportunidade para firmar competência. Há um ditado que diz que muitas vezes a política é como tocar um violino, que se segura com a mão esquerda, mas se toca com a mão direita.  

Se estivéssemos ainda nos anos 2000, seria muito fácil mudar o pensamento dos congressistas sobre ideologias e pensamentos econômicos em favor do presidente Lula, entretanto uma coisa que essa eleição nos ensinou foi que políticos que dão um “cavalo de pau” na sua ideologia podem sair do céu ao inferno em pouco menos de 4 anos. Não foram poucos políticos eleitos em 2018 com centenas de milhares de votos, os chamados campeões, que amargaram derrotas fragorosas em 2022 porque mudaram radicalmente seus posicionamentos políticos e ideológicos. Além disso, o parlamento nunca esteve tão poderoso com seu orçamento impositivo e principalmente com a concentração partidária, esta última tão necessária para a moralização política no Brasil. Hoje pouco mais de treze partidos têm força no parlamento para impor vitórias ou derrotas aos presidentes e, pelo andar da carruagem, a concentração deve aumentar com o surgimento de novas federações e fusões. Menos partidos significa menos negociação e mais ideologia nas decisões políticas.

O ponto principal deste artigo é: e agora? Terminada a eleição, o que irá acontecer? Do ponto de vista econômico, uma coisa sempre esteve clara: o Brasil não irá avançar sem reformas de mercado devidamente alinhadas com as tendências mundiais. Dentro desse contexto, o que sabemos com certeza, e que é uma novidade admirável, é que nosso presidente do Banco Central continuará sendo Roberto Campos Neto graças à sua independência, uma importante reforma que não só gera uma estabilidade à política monetária, mas também garante a continuidade de reformas no âmbito do BC e no setor bancário, como a diminuição da concentração dos ofertantes de crédito e o incentivo às cooperativas de crédito como agentes de inclusão. 

O que é apreensivo para a sociedade é se de fato teremos reformas ou não. Utilizando o imperativo categórico de Kant, a situação do Brasil é simples: o certo a fazer são reformas, contínuas e complexas, referentes aos tributos, à máquina pública e ao pacto federativo; caso contrário, teremos quatro anos de crescimento mínimo, em que qualquer expectativa de melhora na qualidade de vida da população será frustrada. O Brasil mostrou nos últimos seis anos que apenas abrindo o mercado é possível transformar realidades como foi com o Marco do Saneamento ou a introdução do PIX. Essas atitudes têm como base reformas estruturais e aberturas de mercado, que no caso do Brasil significa ‘abrir o país’ como um todo aos acordos pendentes como a ascensão a OCDE e principalmente o acordo MERCOSUL-União Europeia. Neste contexto é importante que o governo “Lula III” seja pragmático posto que, para ser pragmático, será necessário adotar muitas vezes atitudes liberais. Por mais que a política clássica de esquerda queira ou tente impor-se, é impossível alavancar o crescimento econômico do Brasil utilizando apenas a máquina pública. O que assistimos no mundo hoje é ao que chamo de “liberalismo necessário”, no qual o Estado e os agentes privados cooperam entre si e se organizam para realizar investimentos e projetos, em que o pragmatismo é tido acima da ideologia. Isso é algo que os Europeus sabem fazer bem e que deve ser um espelho para o novo governo. 

É importante dizer ainda que o Brasil de 2023 será um Brasil vigiado por metade da população que não se sente representada, por investidores que não sabem bem o que irá acontecer do ponto de vista de políticas públicas com gastos governamentais e principalmente por um modo de governo que cada dia se torna mais e mais “parlamentarista”, inclusive com esse debate sendo discutido seriamente no Congresso. Atrelado às redes sociais, não há dúvida de que precisaremos de um dream team do ponto de vista de ministérios para entender que tudo hoje é mais complexo e dinâmico do que há 4 anos e que estamos atravessando uma guerra na Europa com uma tendência de continuidade e com recessão praticamente contratada em países da União Europeia e nos Estados Unidos. Os bancos centrais do mundo todo passam pelo desafio de controlar a inflação global sem destruir o crescimento dos seus países, o que está se mostrando um desafio enorme para os mais refinados e inteligentes economistas do planeta. 

Independente dos radicalismos, os últimos oito anos favoreceram a um importante fator evolucional na vida dos brasileiros, a autodeterminação política. Hoje existem brasileiros de direita, brasileiros de centro e brasileiros de esquerda, em que cada um defende com orgulho suas posições políticas, algo que de fato tem que existir em uma democracia. Creio também que emissoras e veículos de mídia também devem fazer o mesmo, como ocorre na Europa e nos Estados Unidos. Passamos tempo demais fingindo uma suposta neutralidade política que nunca existiu e nos sentimos envergonhados em muitos casos com posições políticas legítimas.  

Neste contexto, reflito sobre o pragmatismo: não importa se é de esquerda ou de direita; tivemos Abe, Merkel e Draghi na direita e Ardern, Costa e Obama na esquerda. O que importa no final é o resultado entregue à população, e se a qualidade de vida, as contas públicas, a empregabilidade, a segurança pública, a saúde, a Educação e as expectativas futuras melhoraram ou não. Encerramos este ano de 2022 com indicadores econômicos surpreendentes se comparados com indicadores das nações do G20. Melhorar esses indicadores será um trabalho hercúleo, em que será necessário um alto grau de tecnicidade e cooperação política, contando com sua base fundamental: as reformas! 

 

Mais notícias