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Doenças e sintomas na nossa economia. Por Igor Lucena

Articulista do Focus, Igor Macedo de Lucena é economista e empresário. Professor do curso de Ciências Econômicas da UniFanor Wyden; Fellow Associate of the Chatham House – the Royal Institute of International Affairs  e Membre Associé du IFRI – Institut Français des Relations Internationales.

A crise da pandemia do coronavírus parece estar chegando ao fim à mediada que mais e mais laboratórios ‘sinalizam’ prazos para o início da vacinação em massa, e também pelos importantes resultados positivos na China, na Inglaterra, nos Estados Unidos e aqui no Brasil.

Entretanto, o que deve afligir o Brasil nos próximos meses e principalmente em 2021 são as contas públicas e a economia nacional. Não há dúvidas de que os programas de apoio como a manutenção da suspenção do emprego e o auxílio emergencial foram mais do que necessários para manter a coesão social e o nível de renda das famílias, apesar do enorme custo financeiro.

Todavia, em 2021 não teremos mais o chamado “orçamento de guerra” ou orçamento paralelo que foi universalmente reconhecido como medida excepcional e positiva para que o Governo pudesse fazer frente às demandas de saúde, das empresas, dos empregos e das famílias.

Ao retirar esses apoios, existe hoje a compreensão de que a taxa real de desempregados pode estar em torno de 24%, a maior da nossa história, algo que não é visto, pois o Governo continua (corretamente) a bancar a suspensão dos contratos de trabalho. Dentro desse contexto, é imprescindível que a ‘roda’ da economia volte a girar, de tal forma que essas pessoas possam voltar aos seus empregos com o fim da medida no final do ano; caso contrário, teremos um exército de desempregados.

Do lado das empresas, a grande maioria dos pequenos e médios negócios que sobreviveram aos chamados “lockdowns” está endividada em cerca de 30% acima do que estavam antes da crise, mas essas despesas financeiras devem começar a pesar também no final deste ano ou no início de 2021. Já existem tribunais se preparando para tentar negociar e criar departamentos específicos para recuperações judiciais e/ou extrajudiciais. Novamente ressaltamos que essa expansão do crédito foi uma medida correta, mas sua efetividade esbarrará no relance da economia, principalmente neste natal.

Neste mesmo contexto, assistimos na última semana a uma transferência de lucros de operações de câmbio, no Banco Central, no valor de R$ 325 bilhões de reais para o Governo Federal que, segundo a agência Brasil, “o Ministério da Economia informou que a transferência de R$ 325 bilhões do Banco Central para o Tesouro enquadra-se nos casos de excepcionalidade previstos pela nova lei que regulamenta a relação entre os dois órgãos. Segundo a pasta, as restrições de liquidez provocadas pela pandemia da Covid-19 têm dificultado a administração da dívida pública, com o Tesouro Nacional emitindo títulos com prazos mais baixos e queimando o “colchão da dívida”, reserva financeira para pagar os vencimentos dos papéis, para evitar os juros altos pedidos pelos investidores nos títulos de prazo mais longo. Diante disso, tendo em vista as condições atuais de liquidez no mercado de dívida, houve a decisão do CMN para a transferência imediata de R$ 325 bilhões dessas reservas para o pagamento da DPMI [Dívida Pública Mobiliária Interna]. Caso haja necessidade, o CMN avaliará, ainda neste exercício, a ampliação desse valor”.

Nesta situação, o Governo deverá diminuir o custo financeiro de operações correntes, forçando o Premium da dívida para baixo e deixando espaço para que ele possa emitir novos títulos com taxas mais baixas, indexadas a um novo momento econômico em que a Selic deve continuar rodando em torno dos 2,5% ao ano. Tal ação também influi na capacidade de o Governo se manter fiel ao chamado Teto de Gastos, instituído ainda durante o governo do presidente Michel Temer, e que funciona como uma âncora fiscal para o Governo, gerando credibilidade aos investidores fazendo-os crer que o Brasil não vai se endividar de maneira irresponsável, mantendo assim a solvência das contas públicas.

Apesar disso tudo, nas últimas duas semanas o mercado de ações brasileiro vem apresentando resultados questionáveis quando comparados com as principais bolsas estrangeiras. A melhora na economia americana e na Europa, as notícias sobre vacinas e a volta as compras das famílias no exterior vêm gerando recordes nas bolsas, principalmente na NASDAQ. Por outro lado, o Ibovespa chegou a perder os 100 mil pontos e hoje oscila ao redor deles, apesar de todas as políticas que foram apresentadas e dos bons resultados.

Dentro do contexto dos investidores, aparenta haver algum ceticismo sobre o futuro da economia brasileira. Esse efeito sobre a bolsa, que descola seus resultados das bolsas estrangeiras nada mais é do que um sintoma sobre a economia brasileira, lembrando sempre que o mercado acionário se move pensando no futuro dos ativos, e consequentemente do país onde essas empresas atuam.

Dito isso, existe um questionamento no ar sobre 2021, sobre como o Governo encaminhará as chamadas reformas estruturais voltadas para a administração pública, ao sistema tributário e principalmente sobre o pacto federativo. Essas são de fatos medidas de longo prazo e que podemos inferir que sua não realização representa a “doença” ou deixar o Brasil como um paciente enfermo, incapaz de recuperar seu potencial e atingir sua meta no campo da economia.

O aumento da dívida pública brasileira e um maior cenário de tensões no exterior, principalmente por causa da guerra comercial entre os Estados Unidos e a China, fazem com que efeitos negativos impactem diretamente o fluxo de recursos estrangeiros que podem beneficiar o Brasil, tanto na bolsa quanto na instalação de novas empresas.

Neste contexto, só poderemos eliminar os sintomas quando a ‘doença’ for superada, e o único remédio para nossa situação são as reformas estruturais.

 

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