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Do Suez ao Ceará, por Angela Barros Leal

Sir John Hawkshaw (1811-1891) foi um engenheiro civil inglês. Nasceu em Leeds, Yorkshire. Além de ferrovias que cortaram a Inglaterra, a construção de canais e portos foram outros ramos da engenharia nos quais se engajou. Em 1862, tornou-se engenheiro do canal de navios de Amsterdã e, no ano seguinte, foi o engenheiro consultor que viabilizou o Canal de Suez. Em suas andanças pela América do Sul, projetou o famoso Puerto Madero, o porto de Buenos Aires.

O súdito inglês Sir John Hawkshaw desembarcou em Fortaleza numa segunda-feira, dia 14 de setembro de 1874. Na realidade, o verbo desembarcar tratava-se de um eufemismo, já que não havia porto para ancoragem do vapor Werneck, no qual o respeitado engenheiro vinha do Norte do País.

A descida do navio era uma operação arriscada, mais difícil ainda na maré alta. No Relatório por ele produzido em 1875, e publicado pelo Barão de Studart na Revista do Instituto do Ceará de 1909, a descrição dos transtornos para cargas e passageiros é clara.

“O desembarque dos passageiros é muito difícil, escrevera. “Raras vezes podem os botes aproximarem-se da terra. O embarque e desembarque praticam-se, geralmente, em jangadas a vela. De ordinário os passageiros molham os pés ao desembarcar, e ficam inevitavelmente molhados os que se arriscam a embarcar durante a preamar”.

A experiência pessoal que vivenciara no desembarque fazia parte do trabalho que viera realizar, tendo sido chamado pelo Imperador justamente para estudar e propor soluções que criassem ou aumentassem a operacionalidade de seis portos brasileiros, do Maranhão ao Rio Grande do Sul.

Talvez o porto cearense não fosse dos piores que houvesse conhecido em seus 63 anos de vida. Trazia na bagagem da memória as dificuldades de ancoradouros do mundo inteiro, da Inglaterra à Rússia, passando pela Índia, Alemanha, Ilhas Maurício, Venezuela, onde residira por dois anos, e pelo Egito, ao qual prestara imensa contribuição aprovando o trabalho do francês Ferdinand de Lesseps e possibilitando a continuação da obra grandiosa que seria o Canal de Suez.

No Ceará Sir John Hawkshaw permaneceu por apenas quatro dias. Tempo bastante para perfurar solos, observar as marés, a força dos ventos e a mobilidade das areias, receber e analisar projetos anteriormente apresentados e perceber que, tecnicamente, o Mucuripe serviria melhor do que o inadequado trapiche ao pé da cidade, em torno do qual se estruturara o precário sistema de embarque e desembarque em uso.

Da mesma forma que fizera em seus estudos sobre a viabilidade de um canal submarino ligando a Inglaterra à França, que antecipara como factível, levara em conta a conveniência de fatores, econômicos, culturais e sociais, além da pura técnica. “Se a costa do Ceará fosse completamente desabitada”, resumira, “e se tratasse da escolha do melhor porto, é indubitável que Mucuripe seria o preferido.”

É bem provável que a familiaridade com a língua espanhola tenha sido de ajuda nas conversas com a elite comercial cearense, que o teria convencido pela argumentação, bem como os fatos e depoimentos que vira e ouvira entre o movimento de cargas e barcos.

Como o homem pragmático que era analisara: “Entretanto, o Ceará [refere-se a Fortaleza] representa um centro comercial; a cidade, que é asseada e cômoda, já existe, e despendeu-se considerável capital em armazéns prensas de algodão, repartições e edifícios para o comércio. É por isso que a Associação Comercial do Ceará tem toda a razão de opor-se à mudança do porto para Mucuripe.” Concluíra recomendando melhoramentos para o porto existente e descartando uma nova construção.

Sua sugestão de um quebra-mar no local foi aceita, mas a obra nunca seria concluída. De qualquer forma, Sir John Hawkshaw permanece na nossa História como inesperada e humana ligação existente entre o Ceará e o distante Canal de Suez.

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