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Diante da encruzilhada que poucos querem enxergar. Por Paulo Elpídio

Paulo Elpídio de Menezes Neto, é articulista do Focus, cientista político, membro da Academia Brasileira de Educação, Rio de Janeiro; ex-reitor da UFC, ex-secretário nacional da Educação superior do MEC; ex-secretário de educação do Ceará.

Na história deste espasmo republicano que é o Estado brasileiro, nunca, em qualquer umas das muitas repúblicas que foram perpetrados por civis e militares, desde aquela proclamação a desoras em uma praça vazia, um presidente sofreu tantos ataques, foi objeto de tanto ódio acumulado e, paradoxalmente, da solidariedade popular quanto no atual governo. As críticas e as emulações, sabe-se de onde vêm, sob a nebulosa de suspeitadas intenções. A solidariedade, a mesma que cunhou o qualificativo de “mito”, rescende ao odor das velhas unções que animaram as criaturas postas ao relento da cidadania e expostas à irrisão da ignorância. A exaltação do personalismo na pessoa dos iluminados é o refluxo recorrente do travo amargo dos remédios da intolerância, do autoritarismo e das distopias mal lavadas.

Certamente, debaixo de todas as evidências, Bolsonaro não é um mito, nem um líder de índole democrática confiável. O mito que lhe pespegaram na testa é designação pedante e falsa que lhe foi imputada pela massa menos qualificada politicamente de apoiadores — a militância aguerrida de um ativismo raivoso que faz de qualquer liderança totalitária ameaça certeira à democracia. Não são mais virtuosos nem sensatos, tampouco, os seus detratores, engolfados pelos surrados bordões que, se não vingaram no passado, poucas chances lhes restarão para que deem certo no futuro.

O capitão, de tão apagadas estrelas no exército e um quarto de século nas lides parlamentares, não é melhor nem pior de quantos o antecederam e certamente dos que hão de sucedê-lo nas artes da governança. Já não são poucos, aliás, os que porfiam pelo direito de empenhar o seu patriotismo pelo bem da pátria. Mais numerosos são, no entanto, os desvalidos de juízo que se aprestam para ungir os seus “mitos”, incorrendo nos mesmo equívocos de onde saíram os maiores predadores das nossas ilusões como povo e cidadãos. Do passado carecido de grandes gestos e valorosos exemplos, enfiamo-nos, futuro a dentro, a ouvir promessas gastas e esquecidas por decurso de prazo, assustados com a excepcional capacidade de multiplicação dos ineptos e dos corruptos nas redes do poder do Estado.

Bolsonaro é vítima da sua arrogância e da falta de familiaridade com o bom senso e a razão. As palavras que traduzem o seu pensamento traem ideias obscuras e vagas intenções, antecipam decisões irrealizáveis, e fazem da realidade uma referência relativa, provisória e passageira. Nada melhor ou pior, entretanto, nesse plano de verdades furadas, do que as invectivas articuladas pela mídia dos grandes grupos enroscados pelo próprio rabo, presos a dívidas gigantescas com o erário e o fisco e a débitos impagáveis com a verdade dos fatos.

O mais paradoxal poderia ser, se não estivéssemos no Brasil, a incerta travessia que tentamos concluir entre uma sociedade patrimonialista e a pós-modernidade política. Tornamo-nos presa dócil da nossa limitada compreensão das transformações sociais e políticas que deveremos enfrentar e vencer neste aborrecido século de avanços e invencíveis recuos, alimentados pela nossa pusilanimidade e pela esperteza dos nossos homens públicos. Como haveremos de descobrir o que fazer das potencialidades desta imensa gleba de bocas vazias, frustrações acumuladas, miséria compartilhada e tantas necessidades carecidas?

A mídia, na qual agora se inclui o jornalismo, em suas variadas vertentes, do “comentarismo” vulgar à visão pretensiosa dos “analistas” políticos, é parte de um empreendimento capitalista, com variadas cabeças e caudas, com interesses que alcançam vastos territórios de negócios variados e bem sucedidos. Nessa cadeia de empreendimentos interligados (ah! O cidadão Kane…), esse império da palavra e da imagem sofreu assédio persistente e bem tolerado de grupos militantes de ativistas de todos os horizontes. No passado, a mídia cedera aos impulsos das falanges da direita, na roda das “vivandeiras que rondavam os bivaques dos granadeiros”, como apontou, em subliminar estilo castrense, o marechal Castelo Branco.

Assim. A mídia-empresa é parte de um império capitalista, mas tem um jeitão de esquerda. Os observadores mais atentos não conseguem distinguir (ou evitam descobrir o que preferem não enxergar) qual das partes puxa a outra. Qual delas encarna o papel de “companheiro de estrada” como Lenin chamava de forma depreciativa os ingênuos aliados de ocasião.

Dessa “bagarre” sem fim, campanha que já não esconde o objetivo, antes dissimulado, de construir o “impeachment” que derrube o “mito”, o preço será pago pela rala democracia na qual fingimos descobrir os traços de liberdade e independência de uma República sólida e poderosa. Com a água do banho, irá o bebê ensaboado. Com mais um “recall” presidencial, se desfará o respeito mortiço pelas instituições, pela representação política, pelo mandato, pelo processo eleitoral, pelos partidos, pelos políticos, pela justiça — e pela ordem constitucional. Não é a figura bisonha de Bolsonaro que se apagará. São as incertezas que se tornarão reais, com chefes e chefetes espalhados pelos desvãos republicanos, decidindo, sentenciando, fazendo calar os insatisfeitos e permitindo, por falta de tempo, que a corrupção possa continuar, festeira, promissora e empreendedora, perdoados os seus agentes gentis pela fatalidade da prescrição por decurso de prazo. Tudo naturalmente à sombra dos benefícios que a lei atribui aos inocentes.

Estamos diante de uma encruzilhada perigosa, visualizada, apenas, pelos poucos implicantes de sempre. De um lado o risco, presente, de governos ineptos, embalados pelas ideologias que a poucos parecem dizer alguma coisa. Do outro, a cega submissão de eleitores desavisados, contaminados pelas ideias que não compreendem. Todos mentem e todos fingem acreditar na mentira alheia e aceitar dissimulação das próprias fantasias. O cidadão, mergulhado na sua ignorância, desvalido de educação e de consciência política, faz a sua leitura e acredita, por pura necessidade, no que lhe é dito. Os vendedores de ilusões, que fazem da politica, por essas bandas da periferia do mundo, o seu trabalho missionário, vendem a imagem anunciada de um futuro no qual eles próprios não acreditam.

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