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Da liberdade de informar e do direito de ser informado, por Paulo Elpídio

Paulo Elpídio de Menezes Neto, é articulista do Focus, cientista político, membro da Academia Brasileira de Educação, Rio de Janeiro; ex-reitor da UFC, ex-secretário nacional da Educação superior do MEC; ex-secretário de educação do Ceará.

“Quando os verdadeiros inimigos são muito fortes, é preciso escolher inimigos mais fracos”. Umberto Eco

Em breves observações acerca das múltiplas figuras assumidas pela mídia, aventurei-me, em texto anterior, a incursionar aos espaços por onde circulam as informações sobre fatos, circunstâncias e as ideias. O terreno no qual me  aventurei pisar está calçado de riscos e tomado por privilégios que não pretendo ofender, sequer questionar a sério. Naquela ocasião,  recorri a um título provocativo, admito: “A mídia transgressora: há vida inteligente nas redes sociais”. Traço, a contragosto, breve sumário do texto lembrado em homenagem aos leitores eventuais, ainda que suspeite da sua fidelidade a leituras tão pouco recomendadas.

Comparei as redes sociais à mídia tradicional. Extraí exemplos de virtudes e largos pecados que as assemelham e distanciam. E de como atuam os controles “políticos” e os do Estado sobre esses meios de comunicação. Sem esquecer, naturalmente, a força dos canais de financiamento que tornaram possível o advento audacioso dos hackers a soldo, da imprensa marrom e de parte dos grandes conglomerados da grande imprensa e dos canais audiovisuais. Dos primeiros jornais aos blogs e sites nestes dias pletóricos de informação e de compactação das ideias, a realidade foi sendo apropriada e reconstruída segundo propósitos particulares. Nas redes sociais se requenta o caldo de cultura de um tipo de jornalismo popularesco, movido a proselitismo, intolerância e ódio. Excessos a parte, e por essa razão, não generalizei julgamentos – tampouco o farei agora.

Não me disponho, entretanto, a retomar o tema; nada obstante, não pretendo abandoná-lo por inteiro.

A metáfora do quarto poder

A metáfora do “quarto poder” com a qual se enaltece a importância e o relevo do papel da mídia em um sistema de governo democrático e, por cima, republicano, tornou-se lugar comum. Montesquieu consideraria, certamente, essa condição respeitável, mas provavelmente questionaria a sua legitimidade, na perspectiva da participação política e da representação, na justa medida de atributos da soberania do povo. A ponderação não importaria, a rigor, na minimização da força da mídia, em face do enorme poder do Estado e das formas modernas de organização política. O poder da imprensa e, em sentido amplo, da mídia, poderia justificar a premissa de que “só o poder controla o poder”, no espectro de um sistema de “freios e contrapesos”. A mídia seria um desses instrumentos de controle e de equilíbrio em relação aos poderes constituídos. O reconhecimento desses predicados valeria como reconhecimento e legitimação da mídia e do seu papel em um sistema democrático e republicano, com voz e amplo direito de oposição e crítica. Até mesmo em defesa dos mecanismos de governo e de seus agentes e programas. A mídia livre e independente não há de ser forçosamente militante, não é esse o seu papel. A sua força reside no conteúdo da informação que transmite, pelo respeito aos fatos, na sua fidedignidade e na honesta construção da opinião que leva aos leitores.   A liberdade de compartilhar a notícia e formular opinião são conquistas, celebradas pelos ganhos e perdas acumulados, saldos de avanços democráticos, postos em risco nos momentos de quebra da estabilidade democrática ou rompimento da inteireza das instituições do Estado.

O papel da mídia aparece claramente perceptível na condição de  instrumento mediador da opinião pública, em circunstâncias que a tornariam voz e canal da vontade popular e dos anseios do povo. Equivaleria, em um certo sentido, aos aparelhos democráticos da representação formal, dotada dos meios de percepção, entendimento e formulação e da interpretação dos fatos e da realidade social, política e econômica em um determinado momento histórico.

Dotada desses recursos, reconhecidos amplamente pela sociedade, seriam atribuídos à mídia direitos inalienáveis, garantidos pelas liberdades políticas firmadas nas Cartas Constitucionais, como efetivamente o são em Estados de índole democrática e assim aceitos e considerados pela comunidade internacional.

A censura prévia ou quaisquer que sejam as formas que venham tomar a  constrição da liberdade da palavra e da opinião são formas abusivas que ferem a concepção original do Estado de direito, maculam as expectativas de acesso à informação e frustram o papel essencial da mídia.

Em uma democracia, a opinião deve ser livre, na medida da responsabilidade de quem a emite e como é veiculada.

Os artifícios empregados em momentos críticos da vida política brasileira para restringir a liberdade de opinião ao enquadramento legal de exigências abusivas alcançaram diretamente a mídia e terminaram por atingir as manifestações culturais e as suas fontes de criatividade. E tudo se fez e nome  da “segurança nacional” mediante práticas preventivas ou de correções punitivas. Nesses alongados hiatos de restrição à liberdade de expressão, calaram-se pela censura ou pelo poder intimidador da cooptação muitos órgãos da mídia, jornalistas e escritores, e frustraram-se no nascedouro jovens vocações e iniciativas culturais inovadoras.

A permissividade é, em qualquer democracia, tão perversa quanto os rigores da censura e os caprichos de quem proíbe, apaga e refaz  ideias e omite acontecimentos. Da mesma forma,  o falseamento dos fatos, a crítica sem os fundamentos que a autorizam, a privação da palavra e a omissão dos argumentos de contestação são infrações morais e éticas da autoridade que as pratica ou dos meios de comunicação que as ignoram. Nesses casos, os meios de comunicação perdem credibilidade e respeito, mas, antes, fraudam a opinião e a realidade que expõem em suas mensagens.

Jornalismo de massa, uma imprensa popular

O jornalismo de massa brotou nos Estados Unidos, já pelos fins do século XVIII, conhecido como penny press (jornais de larga tiragem a preço de capa popular). A popularização do jornal, à época, foi favorecida, de um lado, pela expansão da classe média, pela universalização da escola e da alfabetização das camadas populares; de outro lado,  em consequência da articulação de ações empresariais e comerciais, cujo objetivo se fixava pela afirmação de uma imprensa popular. O afastamento de uma certa cultura elitista, caracterizada pelo estilo de conteúdos e linguagem, iria favorecer a  popularização dos temas, das matérias e da sua apresentação a um público maior, embora menos dotado do ponto de vista intelectual. A nova imprensa, contemplada pelo enorme sucesso alcançado pelas mudanças de forma e conteúdo, sofreria significativas transformações ao longo dos séculos seguintes, nos Estados Unidos e em outros países na Europa – e modelaria um novo leitor e o conteúdo das mensagens que a ele eram dirigidas.

O new journalism tardaria pelo menos um século para introduzir nova formatação na produção jornalística e emprestar-lhe as artes da literatura, uma sorte de literatura não ficcional, na busca de  maior profundidade, uma verdadeira revolução, no jornalismo desde as suas origens mais primitivas.

O jornalismo de massa, entretanto, não desapareceu; perduraria como objetivo visível, ao modo de um jornalismo de impacto, ainda que atenuado pela força da afirmação dos conteúdos compartilhados nas sociedades política e economicamente complexas do século XIX. Sociedade e Estado viram novos horizontes projetados, já não eram os mesmos. A expansão dos poderes do Estado, no espaço de duas guerras mundiais e de um perseverante processo de globalização, corresponde historicamente a alterações sem precedentes nas relações sociais, em um século marcado pelas ideologias, pela revolução tecnológica e suas aplicações econômicas.

A imprensa, dotada de som e imagem

A mercantilização da imprensa ocorreria paralelamente à proporção que os meios de produção do jornal e de publicações assemelhadas assumiram a condição econômica e financeira de grandes e pesados investimentos. A modernização dos equipamentos e das técnicas com elas compatíveis transformou o jornal impresso dos  começos da imprensa em uma empresa com características industriais de elevados custos operacionais. Esse formato empresarial iria repetir-se, com latitudes mais amplas, na mídia audiovisual, ao final do século XIX, início do século XX.

O rádio broadcasting  e a televisão, associados à imprensa tradicional (não se chegou a caracterizar a mídia como “imprensa falada e escrita”, por aqueles tempos?) associaram o jornalismo a outras formas de entretenimento e cultura, tais como o cinema, a dramaturgia, o esporte, a ciência e a educação.

Há uma equação comum entre essas mídias, as antigas e as modernas, cuja solução esclarece algumas incógnitas em comum. Baseadas na aceitação do leitor, a sua relação essencial entre o que produz e o que os consumidores reclamam reside precisamente na importância da circulação, da venda nos quiosques ou por assinatura. Dos números da tiragem e da circulação depende a saúde financeira dos meios impressos. Da audiência, no caso dos audiovisuais (rádio e televisão). Os sites, blogs e outras plataformas de comunicação são caso à parte, cujas peculiaridades impõem análise pontual.

Os números que confirmam a sua aceitação credenciam-nas como veículo de opinião e valorizam-nas perante as instâncias do Estado, emprestam-lhes visibilidade em presença do setor empresarial, fortalecem nexos delicados com as organizações político-partidárias, com leitores e anunciantes.

A dificuldade consiste, na construção dessas afinidades eletivas, precisamente em como moldar a linguagem e modular os conteúdos, de modo a que atendam senão a todos pelo menos aos mais influentes e poderosos dos destinatários  da sua mensagem, clero, nobreza e povo

A dinâmica midiática da informação

Entre os especialistas circula e desfruta de grande respeitabilidade o que se chamou, talvez inadequadamente, de teoria do enquadramento. Trata-se de um approach acadêmico que busca recuperar o real significado de sensacionalismo como estratégia de ampliação da recepção da mensagem veiculada pela mídia. A essa estratégia de mobilizar leitores e audiência associam-se outras fórmulas, de grande efeito prático, as que envolvem direta ou indiretamente os estamentos superiores da administração pública e atores políticos. O sensacionalismo não é a única forma de sensibilizar a opinião, pública ou privada. A descrição do processo tratado aqui, faz-se, na perspectiva puramente analítica, de inspiração sociológica, ao largo de qualquer pretensão de referir fatos e circunstâncias, intenção que foge à elaboração deste texto.

O sensacionalismo não se inscreve apenas na órbita divulgação de escândalos privados, casos policiais de violência ou sexo, insultos ou do desrespeito a pessoas, acusações sem provas, dentre um rosário de agressões que poderiam ser expostas. Talvez valesse salientar, dentre as ações que revelam sensacionalismo, a omissão de fatos relevantes, a superposição de interesses privados aos públicos e a manipulação da informação, o esquentar a matéria, a publicidade de ações, serviços e produtos suspeitos, contrários ao interesse e ao bem estar coletivos. Diz-se do impacto da versão e da opinião que informam menos do que sensibilizam emocionalmente o leitor.

Os recursos midiáticos

A mídia de que nos servimos, informa-nos e formata a opinião de muitos;  não se reduz  a funções primárias do fato, tampouco das circunstâncias da ocorrência. Diz-se de muitos operadores da mídia que exercem a função, socialmente aceita, influenciers, categoria distinta de profissional especialista na formação da opinião. Esse personagem moderno tornou-se mais familiar nas redes sociais em sites de modas e aconselhamento.

A expressão pode, entretanto, ser ampliada como significativa do poder de quem dispõe da capacidade ou dos recursos da persuasão para influenciar terceiros e os emprega com habilidade. A ciência política designa a expressão recursos políticos  como o conjunto de meios  ao qual se atribui a capacidade ou o poder de influenciar pessoas a se comportarem de modo diferente do que o fariam habitualmente. Os meios de comunicação  empregam, na medida do alcance ou eficácia da mensagem produzida, recursos midiáticos de enorme alcance social.

O arsenal de informação e análise concentrado na mídia equivalem, em peso e na sua medida, aos recursos políticos, tão preciosos na vida política, combustível insubstituível nas emulações das forças do poder e do Estado.

Por tudo isso, no foco de estudos correntes sobre os modernos meios de comunicação, explica-se a importância que a sociedade lhes atribui e o prestígio de que desfrutam nas democracias,  na escala que as separa ou as aproxima.

Não por outra razão, vem se ampliando, nos últimos tempos, no Brasil e em outros países, dotados de maior ou menor densidade democrática, aguda percepção crítica do papel da mídia, e de tendência observada de duvidosa neutralidade política, salvas as exceções por merecimento. É do que pretendemos tratar em outro artigo, guiados pela prudência e pelo crivo dos leitores, se os houver.

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