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Como dizer quase tudo sem dizer quase nada, por Ricardo Alcântara

Ricardo Alcântara é publicitário e escritor.

O presidente Bolsonaro fez um pronunciamento surpreendente na noite deste 31 de Março de torturantes lembranças. Boa surpresa, aliás. O chefe de Estado, sóbrio e conciliador, foi o Bolsonaro que muitos não acreditavam sequer que existia.

Por óbvio, não se expôs a retratações tardias, mas significou – a menos que sofra uma recaída até a publicação deste artigo – uma correção de rota no discurso que vinha sustentando até o momento, de confrontar o consenso internacional no tocante ao enfrentamento da pandemia de COVID-19.

Bolsonaro vem sofrendo sucessivos revezes em consequência da posição adotada até ontem. Vejamos as principais

1 – O esforço de reagir com a mobilização de sua legião cívica em carreatas nas principais cidades resultou em fracasso. A adesão foi pífia. O bolsonarismo, que já vinha encolhendo no circuitos digitais, encolheu também nas ruas.

2 – O recuo de seu líder referencial, Donald Trump, que, às voltas agora com a dura realidade pandêmica, se curvou às recomendações de isolamento social adotadas em toda parte. Bolsonaro ficou falando sozinho.

3 – As pesquisas de opinião (Datafolha, Valor) consolidaram um adesão insofismável da opinião pública ao conceito do isolamento como estratégia eficaz e, consequentemente, de apoio aos governadores que a adotaram sem tibieza.

4 – No caso dos governadores, gerou desgaste maior o round perdido no embate com João Dória (SP), a ameaça de ruptura institucional de Wilson Witzel (RJ) e, principalmente, a retirada de apoio político de Ronaldo Caiado (GO), muito influente no agronegócio.

5 – O pronunciamento público do general Edson Pujol, em que o Comandante do Estado Maior do Exército anunciou medidas em sintonia com a estratégia de isolamento social como “o maior desafio da nossa geração”.

6 – O aumento crescente – gradual, porém contínuo – na adesão aos “panelaços” noturnos que, em cidades importantes, já se espalha dos bairros de classe média para as zonas de baixa renda.

7 – A articulação conjunta de Sérgio Moro e Paulo Guedes, os ministros de maior expressão no governo, em apoio ao seu colega da Saúde, Henrique Mandetta.

8 – Por fim, mas não menos importante, a iniciativa ousada do ministro Marco Aurélio Mello (STF) de acolher e enviar para a Procuradoria-geral da República a denúncia contra o presidente que, no limite, cogita a possibilidade de enquadramento em crime de responsabilidade.

Amplo, como se vê, o isolamento político a que Bolsonaro já se expunha quando levou para a televisão em 31 de março a boa disposição de agir com maior sobriedade. Ok, ele não disse muita coisa. Mas, no caso dele, dizer pouco já é uma grande vantagem, ora.

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