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Ciro e PT: verdades e mentiras. Por Ricardo Alcântara

Ricardo Alcântara é publicitário e escritor. Foto: Divulgação

Há quem queira escrever Democracia por linhas tortas, avessas a seus princípios. Não compartilho do assédio moral para que Ciro Gomes desista de sua candidatura em favor de Lula sob o argumento de “salvar a democracia”. O que está a ameaçá-la não é a pluralidade (sua melhor qualidade e o que a define), mas o projeto de um determinado candidato, Bolsonaro. E ao PT não cabe distribuir senhas para quem pode ser ou não ser candidato.

Ciro tem todo o direito de construir sua candidatura sobre a hipótese de que a polarização entre Lula e Bolsonaro seja um fenômeno momentâneo a ser atenuado no curso do debate eleitoral que sequer começou e abrir espaço para que boa parte do eleitorado tenha a oportunidade de fazer uma outra escolha, que, no seu caso, representaria uma recusa ao presidente atual, mas também ao legado que herdou.

Sim, é um cálculo feito no limite, já que cerca de 70% dos consultados nas pesquisas de opinião que já optam por Lula e Bolsonaro afirmam que “não mudarão” o seu voto “de jeito nenhum”. Acredita quem quiser na precisão de uma consulta que antecede em 90 dias a campanha eleitoral propriamente dita. É uma referência forte, certamente, mas atípica, o que sugere que se redobre a cautela com sua verdade relativa.

É notório que Bolsonaro e Lula são francos favoritos a um eventual segundo turno. Que sequer segundo turno possa haver, se confirmada a tendência polarizada, é plausível. O que excede à cota de contrassenso que todo militante em estado de Tensão Pré-Eleitoral tem direito é querer decidir o resultado da partida aos 15 minutos do primeiro tempo e exigir que se retire de campo um candidato como ele.

Como se diz lá no sertão de Crateús: “Não é assim que se esfola um bode”. Ciro Gomes pode nem ter muitos votos, mas não é um candidato de si mesmo: conta com o apoio da direção de seu partido, uma sigla histórica. Milita na vida pública há pelo menos 40 anos. Nela, só não foi ainda senador, e porque não quis. Deputado estadual e federal, prefeito de capital, governador, ministro de Estado…e agora tem que cair fora? Ora.

O modelo de eleição em dois turnos foi uma sábia decisão. Pode-se creditar a ele grande parte da estabilidade que o regime democrático brasileiro alcançou no curso de seus 37 anos. Ele oferece ao eleitor a oportunidade de se manifestar com máxima identidade de início para, ao fim, consagrar o eleito de maneira inequívoca, atribuindo ao seu mandato uma legitimidade benéfica à governança e, por efeito, ao interesse comum.

O que muitas vezes se percebe é que o incômodo maior dos adeptos de Lula em geral com a candidatura de Ciro Gomes nem é uma improvável ameaça que ela representaria de, ao fim, permitir a eleição de Bolsonaro. O que muitas vezes os incomoda, de fato, é que, como candidato, à parte seus lamentáveis excessos retóricos, ele coloca o dedo nas feridas do Lulismo que os lulistas não querem curar, mas somente esconder.

Para concluir, uma ressalva: também muito me incomoda as críticas severas que Ciro faz a Lula, mas por razão diversa. O que me incomoda, e não é o objeto deste artigo, é seu oportunismo: Ciro detrata hoje com os piores adjetivos um projeto político, o Lulismo, ao qual serviu calado, como agente ministerial e aliado de cúpula, enquanto ele se mostrou forte o suficiente para se manter no poder.

E mais. Estaria escolhendo agora outras palavras — com a generosidade que bem sabe simular quando precisa — se tivesse recebido, como esperava, o apoio dos lulistas para seu projeto presidencial. Apesar de sua retórica valente e seu gestual tigrão, o cowboy Ciro Gomes só pegou no chifre desse touro depois que ele estava no chão, abatido. O duro, para ele, é que o touro velho ressuscitou. Também acontece.

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