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Censura em pauta. Por Rui Martinho

Rui Martinho é professor da UFC, advogado, bacharel em administração, mestre em sociologia e doutor em história. Com 6 livros publicados e vários artigos acadêmicos na área de história, educação e política. Assina coluna semanal no Focus.jor.

A censura dos meios de comunicação, nos últimos tempos, passou a ocupar lugar de destaque no debate político. As redes sociais estão intimamente associadas ao retorno das preocupações com a violação da liberdade de expressão, inclusive de crítica e até de consciência. Crítica, ataque pessoal, opinião estapafúrdia, mentira, calúnia, injúria e difamação antes ditas em mesa de bar, ganharam, com o advento das novas tecnologias de informação, enorme alcance e grande poder destrutivo do bom nome das pessoas. A lei penal, em todo o mundo, tutela tanto a honra objetiva como a subjetiva das pessoas, considerando-as merecedoras da tutela do Estado.

A liberdade, por sua vez, é essencial ao processo democrático. Por isso, o Direito penal, que em geral é a ultima ratio, deve ser especialmente minimalista neste campo. Restringir a liberdade de expressão fere o direito de todos os membros da sociedade à informação. A repulsa aos crimes contra a honra, a preocupação com a desinformação e suas consequências políticas e econômicas já estão atendidas pelos tipos penais de calúnia (art. 138, CPB), difamação (art. 139 CPB) e injúria (art. 140, CPB).

A mídia tradicional nem sempre foi escrupulosa no trato do bom nome das pessoas. Mas não se falava tanto em notícias falsas e desinformação. As chamadas redes sociais, porém, revigoraram a ideia de censura, quando democratizaram a desinformação, quebrando o monopólio da comunicação de massa exercido pelos veículos tradicionais da comunicação social. A perda de prestígio e de influência dos veículos citados causa incômodo nos gabinetes dos seus dirigentes e nos espaços das redações povoadas por profissionais previamente catequisados nas universidades. Há quem pense que as notícias mentirosas preocupam menos do que as verdadeiras.

A internet incomoda. Não tem dirigente com quem obter a autocensura em forma de omissão, ângulo favorável, evitar destaque e repetição de informação constrangedora. Existem simpatizantes, nas redes sociais, que fazem contorcionismo lógico para interpretar favoravelmente atos e fatos, negam a realidade e criam narrativas “adequadas”. As redes sociais, porém, não têm dirigente que se possa cooptar, nem redações aparelhadas. As novas tecnologias proporcionaram a omnipresença de câmaras, transformaram os cidadãos em repórteres improvisados, divulgaram imagens e universalizaram o acesso a uma tribuna de grande audiência, estimulando o protagonismo dos cidadãos e uma era das manifestações, como diria Eric J. E. Hobsbawm (1917 – 2012), surge a censura virtuosa.

Partidos e líderes caíram do pedestal. O exercício da cidadania, antes estimulado, passou a ser coisa de ignorante e grosseiro, contrariando a tendência anterior que glorificava os simples. Então a censura é o último recurso. Mas é preciso guardar as aparências. Censura é palavra feia. Chamemos de “regulamentação” ou “controle social”. O STF “pode” fazer isso. A exigência constitucional segundo a qual “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal” (CF/88, art. 5º, inc. XXXIX) não obriga o STF, que dentre outras iniciativas de natureza legiferante, criou tipo penal por analogia (homofobia, “análogo” a racismo).

O tempo tudo resolve, mas a solução pode ser dolorosa. As circunstâncias do momento favorecem o apetite por regulamentação e controle. A censura, com as vestes da democracia, é apresentada como democrática, instrumento de defesa das liberdades. Tristes trópicos, bem o disse Claude Lèvi-Strauss (1908 – 2009).

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