Search
Search
Close this search box.

Catarina Rochamonte analisa falas do 1º Focus.Summit

Catarina Rochamonte é graduada em Filosofia pela UECE, Mestre em Filosofia pela UFRN e Doutora em Filosofia pela Universidade Federal de São Carlos (Ufscar).

Pós 2018: Brasil e Ceará a partir das urnas
Por Catarina Rochamonte

Ocorreu, na segunda feira, 19 de novembro de 2018, um evento de alta relevância para a política local. Respaldado pela sua experiência como jornalista e analista político e pela credibilidade da qual desfruta junto aos políticos e leitores cearenses, Fábio Campos, editor do portal Focus.jor, conseguiu o feito de colocar na mesma mesa de debate a velha guarda e a vanguarda da política cearense. O primeiro Focus.Summit reuniu a cúpula política e econômica do Ceará para uma conversa sobre o tema “Pós 2018: Brasil e Ceará a partir das urnas”. É, sem dúvida, bastante louvável um encontro no qual – a despeito da divergência de pensamento e posicionamento dos que compuseram a mesa – todos dialogam no intuito de traçar cenários e debater ideias em prol do desenvolvimento socioeconômico do Ceará, do Nordeste e do Brasil.
Depois de um vídeo com as saudações do governador Camilo Santana, o primeiro a falar foi o executivo Geraldo Luciano, cujo anúncio da saída da vice-presidência da companhia M.Dias Branco vem gerando especulação sobre uma eventual candidatura à prefeitura de Fortaleza em 2020.
Geraldo é filiado ao NOVO e a sua fala evidenciou seu alinhamento com os ideais desse partido. De viés liberal, o NOVO advoga redução das áreas de atuação do Estado, diminuição da carga tributária e melhoria na qualidade dos serviços essenciais. O discurso de Geraldo Luciano foi por essa linha, falando da necessidade de simplificar procedimentos, desburocratizar e reduzir a estrutura da máquina pública, criar meios de controle técnico dos grandes investimentos com dinheiro público, modificar a relação com o funcionalismo (criando mecanismos de incentivo, metas, desafios, ou seja, usando o critério de meritocracia) e fazer tudo isso não apenas para reduzir custos, mas também para modernizar a gestão pública, assegurando mais eficácia do Estado nos âmbitos nos quais deverá atuar.
Segundo Geraldo Luciano, tudo isso é efetivamente uma demanda da população que está, no seu entender, “ávida por renovação política” e disposta, inclusive, a correr riscos para fazer mudanças. A eleição em Minas Gerais de “um empresário totalmente fora da política”, vindo de um partido que prega insistentemente a necessidade de renovação teria sido, nesse sentido, emblemática, mostrando que a população “rejeitou os partidos tradicionais, PT e PSDB”.
Um outro recado das urnas, segundo a sua leitura, teria sido o de que a corrupção não é mais tolerada: “o contribuinte sabe que o dinheiro da corrupção é o dinheiro da saúde, da educação e da segurança pública”, afirmou Geraldo. Apesar da lucidez e simplicidade, esse discurso foi um dos mais rebatidos no decorrer do evento.
O senador Tasso Jereissati – fazendo referência ao seu tempo e idade na política – optou por apresentar uma “visão mais cautelosa do que a dos nossos empresários aqui presentes”, colocando em questão o otimismo até então apresentado em relação ao futuro governo. Após comparar a eleição de 1990 com a eleição recente e comparar algumas propostas de Bolsonaro às propostas de Fernando Collor, o experiente senador tucano alertou: “está vindo aí uma geração de militares”, e completou:  “se pegar o histórico de Bolsonaro na Câmara, ele nunca foi liberal. Foi de um sistema extremamente estatizante e conservador, no estilo mais forte da palavra.” […] “É da própria essência da mentalidade militar o tal do nacional-desenvolvimentismo, ou seja, o estado estatizante que tem uma forte presença na economia para “proteger” nossas riquezas, nossas indústrias, etc. Não é nada liberal”, destacou.
O senador sugeriu ainda que haverá um choque entre a formação e mentalidade liberal de Paulo Guedes – futuro ministro da Fazenda do ex-capitão do Exército – com outras áreas e com outros ministros. Tasso disse que a própria base política do presidente – os que foram eleitos e que são provenientes do meio militar – formam um grupo corporativo, típico da visão política e filosófica que Bolsonaro apresentou durante a sua atuação como parlamentar, admitindo, porém, que o discurso pós-eleições de Bolsonaro não vai nessa direção. O discurso pós eleições “em relação às instituições, em relação à democracia, em relação ao Estado de direito tem sido bastante positivo e nos dá um certo alívio”, afirmou Tasso, levantando, porém, nova polêmica em relação ao nome escolhido por Bolsonaro para assumir o Ministério das Relações Exteriores. Classificando de “profundamente preocupante” um artigo escrito pelo diplomata Ernesto Araújo, o senador deu a entender pelo seu próprio discurso que essa apreciação apressada foi construída pelo que leu na mídia. Nas palavras de Tasso, o novo ministro “parece que tem”, “pelo que foi dito nas reportagens” uma “visão de mundo exótica”.
Compreende-se que a vacuidade espiritual do nosso tempo considere exótico qualquer texto político no qual se usa a palavra Deus, como é o caso do texto de Ernesto Araújo, mas é necessário salientar que o senador Tasso reproduziu o erro da mídia tradicional ao confundir na sua crítica Globalização com Globalismo. Tasso afirmou que o novo ministro “vê a globalização como um perigo para a sociedade ocidental” e que ele defende um  “nacionalismo exacerbado”. Para não alongar essa questão, apenas indico o link de dois textos para o leitor interessado: o primeiro é um pequeno trecho que distingue globalismo de globalização e o segundo um texto bem mais longo e completo no qual se pode ler, inclusive, uma análise que distingue o nacionalismo contemporâneo (que se afirma contra o globalismo) do nacionalismo moderno (que se afirma sobre o indivíduo).
Em seguida, falou o senador eleito, Eduardo Girão (Pros). Tendo como uma de suas bandeiras políticas a luta contra o aborto, Girão deve compreender bem que o globalismo é sim um inimigo a ser combatido, pois uma estrutura burocrática como a ONU que se atreve a comparar a continuidade de uma gestação à tortura e a asseverar o aborto como direito humano não é uma instituição que mereça aplausos, mas sim resistência.
O senador eleito começa classificando a sua eleição como “milagre”, mostrando que ser político e religioso e que usar termos religiosos em um evento político não é tão exótico assim. Pois bem, Eduardo Girão retoma, após o ceticismo de Tasso, o tom de otimismo em relação ao futuro governo Bolsonaro. Diz ter “se surpreendido positivamente com o convite e a aceitação do juiz Sérgio Moro, que tem feito um grande trabalho para essa limpeza pela qual o país está passando”, afirmando ainda que o momento que vivemos é de entusiasmo. Após defender a reforma tributária, que é uma das ideias defendidas pelo próximo presidente, Girão afirmou que “fará tudo para que esse governo (federal) dê certo”, mas não desconsiderou que havia divergências. “Ele (Bolsonaro) tem bandeiras que eu discordo”, justificou. Em relação aos desafios que Bolsonaro enfrentará, asseverou: “o grande desafio do novo governo será desaparelhar sem aparelhar.” Isso deverá ser feito por meio das escolhas técnicas, que priorizarão os melhores currículos, as melhores cabeças, as maiores experiências.
Já o senador eleito Cid Gomes começou arrancando risadas da plateia ao dizer, em tom de gracejo, que ia tentar “ser moderado” (provavelmente fazendo referência implícita à sua fala pouco comedida na reta final das eleições presidenciais e que teve enorme repercussão). Cid afirmou que, em relação ao governo de Jair Bolsonaro, terá, assim como Tasso, uma postura vigilante e elencou três pontos sobre os quais recairá tal vigilância: 1) Em relação à preservação das instituições democráticas e do fortalecimento da democracia. 2) Em relação ao interesse e ao patrimônio nacional: “eu temo que essa visão exaltada por alguns do liberalismo possa se confundir com desnacionalização do nosso patrimônio”; Os brasileiros, ponderou Cid Gomes, “não conseguiriam pagar a conta futura se o patrimônio que hoje está nas mãos do nosso país, estatizada, for entregue ao capital internacional”; Para Cid, os brasileiros mais pobres pagariam a conta do processo de desnacionalização decorrente de um processo exagerado de privatizações. 3) Em relação ao interesse dos brasileiros mais pobres.
Ao tratar do último item, Cid remete às falas anteriores que davam conta de um “sentimento generalizado de mudança” e, como argumento para refutar a homogeneidade desse sentimento,  lembra o percentual de votos que Bolsonaro teve no Ceará, afirmando que o fato de 70% dos cearenses terem optado por uma outra candidatura mostra uma clara divisão entre “quem precisa do Estado e quem não precisa do Estado”. Segundo Cid Gomes, “quem, para viver, precisa de um Estado empoderado, votou contra o Bolsonaro. Essa foi a realidade do Nordeste.
Nessa ocasião, se me tivesse sido dada a oportunidade de fazer perguntas ali da plateia, eu questionaria muito respeitosamente se o senador estava comemorando a dependência do Ceará em relação ao paternalismo estatal e o consequente desdobramento disso em números de votos para o PT e se não seria mais interessante pensar em como retirar o Nordeste e especificamente o Ceará dessa relação de dependência. Perguntaria também por que o Ceará continua sendo tão dependente e carente e perguntaria ainda quais singularidades da história do nosso Estado e da nossa região explicariam essa situação tão precária.  
Por fim falou o prefeito de Fortaleza, Roberto Cláudio, retomando as críticas até certo ponto sutis ao novo governo federal e afirmando já de início que apoiará uma “política pública nacional que prestigie aqueles que precisam da mão solidária do Estado.” Disse estar receoso com o excesso de otimismo em relação ao governo Bolsonaro, além de estar honestamente preocupado com as primeiras falas proferidas pelo governador eleito em Minas Gerais, Romeu Zema (NOVO) e no Rio de Janeiro, Wilson Witzel (PSC).
Roberto Cláudio classificou de “jocosa” a declaração de Zema de que iria transformar o suntuoso Palácio das Mangabeiras em um “museu das mordomias” e fez referência crítica à proposta de Witzel de contratar snipers para abater bandidos armados com fuzil. “Será que é isso o que Minas Gerais e o Rio de Janeiro precisam ouvir de um governador eleito?” e concluiu: “eu acho que nós devemos sair dessa armadilha da sociedade líquida, que vive de muitos símbolos e de pouca coisa concreta.” Como eu, particularmente, não vejo nada de abstrato em combater bandidos armados de fuzil com snipers e como interpreto a atitude de Zema não apenas como simbolismo, mas também como atitude de quem busca efetivamente a redução de privilégios da classe política, creio que eu deva ter caído na armadilha da tal sociedade líquida.

Mais notícias