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Canhão do século XVII encontrado em conjunto histórico ao lado da Estação João Felipe

Canhão: relíquia colonial encontrada em um terreno ao lado da Estação João Filipe, em Fortaleza.

Por João Flávio Nogueira*
Especial para o Focus

MAIS UMA RELIQUIA HISTÓRICA ENCONTRADA EM FORTALEZA – A EPOPÉIA DOS CANHÕES!

Mais um canhão, uma verdadeira relíquia, foi encontrado no final do mês de agosto de 2021 em Fortaleza! Essa peça de ferro, de 320 cm, estava enterrada a 80 cm de profundidade. O IPHAN (Ceará), através do seu superintendente, o sr. Cândido Henrique, já está à frente do caso para que o canhão seja recuperado e exposto. Veja o Laudo de Conservação do achado Laudo de Conservação – Canhão – Estação das Artes (1)

Neste local, que antes da estação ferroviária já abrigou um cemitério no século XVII, um campo para treinos e competições equestres, e também “casa da pólvora” do próprio forte (Fortaleza de Nossa Senhora da Assunção) que fica nas cercanias, estão acontecendo reformas para a transformação da antiga estação ferroviária em “Estação das Artes”, um equipamento histórico/cultural.

Quando os trabalhadores estavam fazendo uma escavação para colocação de tubulação para irrigação de um dos jardins do local, eles acabaram encontrando mais essa peça de artilharia, prontamente desenterrada e catalogada. O peso foi um dos principais entraves para a remoção da peça do local por se tratar talvez do maior e mais pesado canhão do período colonial já encontrado em Fortaleza.

Já haviam sido encontrados 3 canhões nesse mesmo local em 1975. Isso foi até tema de reportagens em jornais do estado, que escreveram à época que se tratavam de armas que seriam enviadas ao sul do estado, mais precisamente para Juazeiro do Norte, no episódio conhecido como a Sedição de Juazeiro, mas acabaram enterradas para que fossem escondidas dos jagunços que ameaçavam a capital. A saga desses 3 canhões é muito interessante, misturando desconhecimento histórico, abandono e descaso, mas com um final feliz.

Quando foram encontrados, em 1975, instituições como o Museu do Ceará e a Divisão de Patrimônio Histórico da Secretaria da Cultura, dentre outras, não mostraram interesse pelas peças, nem fizeram estudos ou pareces. Os canhões foram abandonados em uma sucata!

Mas o então engenheiro da RFFSA, sr. Hamilton Pereira, resolveu resgata-los e os colocou nos jardins da Associação do Engenheiros da RFFESA, em Messejana. Esse ato “salvou” os canhões da destruição!

Os canhões ficaram “esquecidos” nesse jardim até 2011, quando algumas pessoas que souberam da história se interessaram em estudar as peças de artilharia, como os srs. Ricardo Meira Arruda, Terto Amorim e Augusto Cesar Bastos Barbosa.

Com a ajuda de dois especialistas holandeses, os srs. Jan Piet Puype e Brinck, eles identificam os 3 canhões (de fabricação inglesa): 2 caronadas do início do século XIX e um canhão longo, com data provável de fabricação no início do século XVII.

Esse canhão longo, semelhante ao que foi encontrado agora em 2021, apesar da fabricação inglesa, era uma arma muito utilizada pela Holanda, e é bastante provável que ele tenha sido utilizado no Forte Schoonemborch, erguido por Mathias Beck em 1649, às margens do Pajeú. Havia, inclusive, sinais de disparos anteriores nele!

Em 2014, o IPHAN no Ceará foi procurado e fez um bom estudo com parecer sobre os 3 canhões. Em 2017, o órgão e a 10ª. Região Militar retiraram os canhões do local onde se encontravam em Messejana. O Exército Brasileiro os restaurou e os colocou em exposição permanente no “Pátio dos Canhões”, que fica na Fortaleza de Nossa Senhora da Assunção, aberto ao público até antes do início da pandemia do COVID-19.

Em Fortaleza não existem edificações do século XVII que sobreviveram até os dias atuais. O forte de São Tiago (1602), na região da Barra do Ceará, era de madeira e os documentos não dão precisão da localização.

O Forte do Siará (1612), ou mais conhecido como Forte de São Sebastião, também na região da Barra do Ceará, era de madeira e pedras soltas. Embora saibamos onde ficava esse forte e a vila que surgiu ao redor deste, não temos como achar o que restou atualmente. Talvez algumas ruínas foram simplesmente destruídas com as construções do local ou se encontrem debaixo das dunas da região.

O Forte Schoonemborch (1649) era de madeira e já no final do século XVIII estava em estado precário de completo abandono. Sem manutenção, a madeira havia apodrecido e carcomida por cupins. Foi com a reforma feita no início do século XIX que temos hoje as muralhas da Fortaleza de Nossa Senhora da Assunção e o prédio que abriga a 10ª. Região Militar.

Já o forte do Mucuripe (Reduto de São Luiz), erguido no final do século XVIII, no local onde hoje se encontra o Farol do Mucuripe (erguido no século XIX), que teve sua área classificada como sítio arqueológico, também não existe mais. Há vestígios de muralhas que podem ter sido desse pequeno forte, que também tinha canhões para defesa e aviso de chegada de embarcações na enseada.

A construção ainda de pé mais antiga de Fortaleza é a igreja do Rosário, que inicialmente foi erguida no século XVIII, em 1730, em madeira, mas reformada em alvenaria em 1750. Já os canhões que foram usados por neerlandeses e portugueses ainda existem e são, juntamente com a imagem de Nossa Senhora da Assunção presente no museu do Forte de mesmo nome, no Centro da capital, e uma moeda francesa localizada na região da Barra do Ceará, os objetos europeus preservados mais antigos encontrados nessas terras, sendo as únicas testemunhas silenciosas da história da nossa cidade no século XVII.

Sabemos, por documentos históricos, como a carta do holandês Jacob Van den Keere, de janeiro de 1638, que no forte da Barra do Ceará, tomado pelos holandeses na primeira tentativa de invasão ao Ceará em 1637, havia 4 canhões. Alguns desses canhões e materiais das ruínas do Forte de São Sebastião podem ter sido usados por Beck no próprio forte de Schoonemborch, batizado em homenagem ao então governador holandês de Pernambuco, Walter Van Schoonemborch.

Havia também peças de artilharia no Forte de São Luiz (Mucuripe) e na Fortaleza de Nossa Senhora da Assunção. Não sabemos ao certo quantos canhões havia no Mucuripe, pois há vários documentos históricos com imprecisão nos números que variam entre 3 e 18. Esses canhões do Mucuripe eram utilizados mais para aviso que para defesa. Eram disparados toda vez que um navio era avistado e estava fundeando a enseada do Mucuripe. Esse tiro funcionava como um sinal para que as pessoas e autoridades da vila de Fortaleza soubessem que um navio estaria chegando. Depois, esse tiro foi substituído por uma bandeira, amarela ou vermelha, a depender da procedência do navio (norte ou sul).

O fato é que o canhão encontrado na última semana de agosto de 2021 pode ser mais uma relíquia silenciosa do século XVII encontrada aqui em Fortaleza. Mais uma peça nesse quebra-cabeças que ajuda a contar nossa história, entender nosso presente e vislumbrar nosso futuro!

*João Flávio Nogueira é médico é formado na UFC, com residência médica em otorrinolaringologia em São Paulo. Fellowship na Penn University – Philadelphia Membro da Academia Americana de Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço Professor convidado do Massachusetts Eye and Ear Infirmary – Harvard affiliate.

Laudo de Conservação – Canhão – Estação das Artes (1)

Veja um vídeo com imagens do achado histórico
https://www.youtube.com/watch?v=4VTdQG-1uFo

 

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