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Bolsa está cara ou barata? Por Henrique Lyra Maia

Henrique Lyra Maia, Bacharel em Administração de Empresas, Especialização em Administração Financeira e Mestrado em Administração de Empresas pela Universidade de Fortaleza, Especialização em Gestão Empresarial pela FGV e Doutorando em Contabilidade e Finanças pela FUCAPE Business School. Sócio da LYRA&MAIA Consultores Associados.

O COVID-19 foi a grande bomba do ano de 2020, pelo menos até o momento. Poucos depositaram apostas de que o vírus se alastraria para todo o mundo da forma como aconteceu. Com consequência, as bolsas colapsaram ao redor do mundo.

Entramos em um período de muita turbulência, com um cenário futuro muito incerto. Como toda crise, as informações e os fatos se desenrolam com o passar do tempo, tornando o futuro menos incerto e com maior grau de confiabilidade nas projeções dos agentes econômicos.

No entanto, a questão que fica é: o recente otimismo futuro refletido na bolsa brasileira é condizente com a situação que temos hoje?

Para tentar responder essa pergunta, vamos analisar primeiramente quanto a bolsa está sendo precificada. Um indicador que pode ajudar nessa tarefa é o PL (Preço Lucro) das empresas da B3, na qual irá somar o valor de mercado atual de todas as empresas da bolsa e dividir pelo lucro anualizado total[i].

Por exemplo, se nesse momento o PL for de 10, significa, que se um investidor comprar todas as empresas da B3 aos preços de mercado e lucros atuais, ele demorará 10 anos para retornar seu investimento, partindo da premissa de que os lucros permaneçam constantes ao longo do tempo. Um PL de 5, o investimento retornará em 5 anos e assim por diante. De certa maneira, esse indicador seria uma aproximação do já conhecido “payback do investimento”.

Uma outra forma de ver o indicador PL é vê-lo de maneira invertida, ou seja, o “PL invertido”. Para calcular o PL invertido o investidor terá que dividir o numeral 1 pelo PL. Assim, o PL de 10 invertido, seria 1 ÷ por 10, ou seja, 10%. Pode-se chegar ao mesmo resultado dividindo o lucro total das empresas sobre o valor de mercado total das empresas. Esse indicador iria dizer a mesma informação, só que de uma maneira diferente, nesse caso, em vez do investidor obter um retorno de 10 anos (payback) ele terá a informação de que o investimento irá obter um retorno de 10% ao ano.

Quanto maior o PL da Bolsa, significa que os investidores estão pagando um preço maior para a mesma quantidade de lucro das empresas. Quais os fatores que podem levar investidores a pagarem um preço mais alto para uma mesma quantidade de lucros das empresas existentes na bolsa?

O primeiro fator é o risco sistêmico em que as empresas estão inseridas, como por exemplo, o risco de instabilidade política, crise fiscal, inflação, segurança jurídica, entre outros. Se o risco sistêmico diminui, em geral, o preço que o investidor estará disposto a pagar pelas ações seria maior, portanto, o PL iria subir.

O segundo fator seria as perspectivas econômicas do país e das empresas da bolsa. Se o investidor percebe que o futuro será melhor, ele irá considerar que os lucros futuros das empresas irão aumentar, portanto, estariam dispostos a pagar mais hoje para obter lucros crescentes no futuros, o que faria compensar pagar mais caro hoje.

O terceiro e último fator é a taxa livre de risco da economia, que no Brasil seria a taxa SELIC[ii]. Se o investidor vai investir na bolsa, ele teria que exigir uma taxa de retorno maior que essa taxa, senão não faria sentido incorrer em mais riscos para obter o mesmo retorno. Se a taxa SELIC cai, o investidor poderia exigir um menor retorno para investir em ações, fazendo com que o investidor esteja mais disposto a pagar um preço mais caro para um mesmo lucro. A isso chamamos de prêmio de risco, ou seja, quanto de retorno acima da taxa SELIC um investidor exige para efetivamente aportar seu investimento. Para calcular o prêmio de risco de maneira simplificada, basta calcular o PL invertido e diminuir da taxa SELIC. Por exemplo, um PL de 13,19 invertido seria equivalente a 7,58% a.a. menos a SELIC a 3% a.a., resultaria em um prêmio de 4,58% a.a [i] .

 

Em resumo, um crescente aumento do PL da Bolsa, em teoria, revelaria que os investidores estariam no seguinte modo: a) percebem um risco sistêmico menor; b) projetam as perspectivas econômicas do país e das empresas de maneira mais positiva; c) o prêmio de risco diminuiu. Os três fatores podem não andar na mesma direção, é possível que um ou mais fator caminhe para um lado e outros para outro. No entanto, se as perspectivas econômicas e sistêmicas se deteriorarem, há de se esperar um prêmio de risco maior para se investir. O contrário também é verdadeiro, se as condições melhoram, pode-se impor um prêmio de risco menor.

Voltando a questão inicial. Considerando o cenário atual, o PL da bolsa, está historicamente cara ou barata? Para avançar nessa questão, poderíamos então resgatar um momento histórico em que o PL da bolsa se assemelha com os atuais e fazer uma comparação histórica do cenário prospectivo de ambas datas.

[ii] Os critérios para apuração desse indicador estão no website https://www.oceans14.com.br/acoes/historico-pl-bovespa

[iii] Para evitar um artigo muito longo, o autor não irá se debruçar nas variadas formas de encarar taxa livre de risco como por exemplo as taxas praticadas em países triplo “AAA” ou taxa de juros praticadas ao longo da curva de juros no Brasil ou no exterior.

Para termos uma maior facilidade na análise vamos analisar datas recentes, porém antes do COVID-19 ter se espalhado ao redor do mundo. Em 2019, tivemos o mesmo PL nos dias 17/maio (PL 13,12), 24/setembro (PL de 13,15), 6/novembro (PL de 13,19).

Em 2019 o recém eleito Presidente Bolsonaro assumiu o governo com as melhores expectativas possíveis. Com a promessa de várias reformas a serem feitas, um congresso com maioria da bancada para aprovar as medidas, Estados Unidos “bombando” e um cenário externo razoavelmente positivo, os investidores estavam muito vorazes para entrar na bolsa e captar esse crescimento futuro. Nesse período, houve um crescimento de pessoas físicas de quase 1MM em 2019. As expectativas para o Brasil haviam sido renovadas até início de 2020. A InfoMoney em matéria no dia 2 de janeiro já mapeava as expectativas de vários fundos e agentes econômicos para um crescimento da bolsa da ordem de 14,7%, indo para um patamar de 130mil pontos. Inclusive, foi citada na própria matéria de que o JPMorgan estimava uma valorização conservadora da bolsa, na qual iria para 126mil pontos. O mais pessimista era de 95mil pontos[ii]. Em outras palavras, com todo esse cenário positivo em 2019 e meados de 2020 a bolsa chegou a negociar algumas vezes a um mesmo PL que temos hoje. Para resumir, tínhamos um risco sistêmico menor (fator 1), as perspectivas econômicas e para as empresas eram favoráveis (fator 2) e a trajetória da SELIC saiu de 6,50% a.a. e um ano após, em 08/maio/2019, para 4,25% a.a. em 05/maio/2020, ou seja, a taxa livre de risco em queda, estimulando investidores a correr mais riscos na bolsa para obter uma maior rentabilidade (fator 3).

Isso é factível? Para isso, teríamos que comparar antes com o que temos hoje, que é bem diferente. O que temos de perspectivas positivas hoje é basicamente uma “esperança” de que haja possibilidades de vacina, uma cura mais eficaz no horizonte e exames que possam detectar com precisão a baixo custo. Nada disso temos de maneira concreta hoje, apenas uma perspectiva. Apesar do próprio autor acreditar que haverá mudanças positivas no cenário, não se sabe ao certo quando. Outra perspectiva positiva é que a economia tenderá a abrir aos poucos, levando mais esperança aos investidores.

No entanto, toda essa pretensa esperança é contrabalançada pelos pontos negativos que vemos no horizonte. Em março e abril tivemos saldo negativos de criação de emprego, uma demissão líquida de mais de 1,1 milhão de vagas de empregos[iii]. Esse aumento de desemprego fará com que haja um menor consumo, fazendo com que muitas empresas tenham que fechar filiais ou até mesmo as portas, que é o caso de muitas micro e pequenas empresas. Lembrando que em 2019, as micro e pequenas empresas foram as que mais geraram empregos em comparação com as médias e grandes, justamente o segmento que mais sofrerá com a pandemia por não ter robustez financeira[iv]. Uma onda adicional de desemprego pode vir.

A projeção recente do governo é de um déficit fiscal primário de 540 bilhões para 2020, fruto dos estímulos fiscais para debelar a crise em conjunto com uma menor arrecadação devido ao fechamento de empresas no período da pandemia e potencialmente falências no caminho[v]. Um cenário fiscal ruim pressiona a curva de juros longa, aumenta a necessidade do governo de aumentar impostos e de passar novas reformas. Tudo isso cria um novo ambiente para amplificação de conflitos na sociedade, gerando mais instabilidade futura.

A perspectiva de queda das taxas de juros (que já estão abaixo do que devia) faz com que haja pressão no câmbio. Um dólar alto prejudica renovação do parque fabril e consequentemente aumento da capacidade produtiva do país.

Temos ainda no fronte externo uma perspectiva ruim, devido aos impactos do COVID-19, lembrando que o recente otimismo frente a abertura dos mercados não deve ser confundido com perspectivas econômicas boas, mas apenas que “o pior já passou”. Mas o pior é ficar com as portas fechadas e abrir as portas não quer dizer que o cenário é positivo, apenas que não será tão ruim do que ficar sem produzir nada.

Por fim, temos mais instabilidade política no horizonte devido aos casos recentes ligados a família Bolsonaro. Independentemente de quem tem razão, o que importa nessa análise é o desdobramento que ele causa e certamente não traz pontos positivos para o investidor.

Em resumo, temos um ambiente econômico, político-institucional e para as empresas domésticas com perspectivas bem ruins e um ambiente externo não muito amigável (fatores 1 e 2). A troco de que? De possibilidades de cura via remédios, vacina, exames a baixo custo e precisos e abertura gradual da economia.

Um PL da bolsa de 13 hoje não me parece compensar um PL de 13 em vários momentos em 2019. Uma avaliação mais racional do momento parece levar a crer que a bolsa está precificada além do que deveria.

O que poderia estar fazendo com que o PL com perspectivas ruins estivesse em um patamar parecido de um PL com perspectivas excelentes? Uma possível explicação é a queda da taxa de juros SELIC. Com a queda significativa em pouco espaço de tempo, faz com que o investidor seja compelido a correr risco além do que devia.

O prêmio de risco em maio de 2019 era de 0,51% a.a. em comparação com maio de 2020 de 4,58% a.a (fator 3). No entanto, se mantivermos a SELIC constante a 6,5% a.a., ou seja, o mesmo de maio de 2019, teríamos um prêmio de risco de 1,08% a.a. Vale a pena correr esse risco todo para ganhar aproximadamente 1% a mais? Se o BC não tivesse forçado essa queda na taxa de juros, provavelmente teríamos um patamar de bolsa menor do que temos hoje[vi].

Se o cenário vindouro ruim se concretizar, pode ser que os juros tenham que subir e todo o incentivo que o investidor tinha para correr risco pode cair por terra e a bolsa terá que cair necessariamente. Isso não quer dizer que o investidor deva sair da bolsa, há empresas na bolsa que ganham mesmo em um cenário ruim. No entanto, esse momento exige um maior estudo por parte do investidor e a ciência de um risco maior que muitas vezes passa despercebido. É necessário mais cautela e maior rigor nos investimentos hoje do que um ano atrás.

[i] Há muitas formas de estimar prêmio de risco, o autor decidiu optar por esse método por acreditar que a taxa SELIC tem influenciado a massiva migração de investidores para o mercado de ações. Para se ter uma ideia, o aumento de CPFs na bolsa nos anos recentes foi de aproximadamente 7mil (2016), 55mil (2017), 193mil (2018), 867mil (2019) e 700mil (até abril 2020), a SELIC caiu severamente nos últimos dois anos, veja os dados AQUI.

[ii] Acesso em 28/maio/2020. https://www.infomoney.com.br/mercados/ibovespa-acima-dos-130-mil-pontos-as-projecoes-dos-analistas-para-a-bolsa-em-2020-e-as-acoes-preferidas/

[iii] Acesso em 28/maio/2020. https://www.infomoney.com.br/mercados/brasil-fecha-mais-de-860-mil-vagas-de-trabalho-em-abril-aponta-caged/

[iv] Acesso em 28/maio/2020. https://veja.abril.com.br/economia/pequenos-negocios-abriram-731-mil-vagas-de-emprego-em-2019/

[v] Acesso em 28/maio/2020. https://noticias.r7.com/economia/governo-preve-rombo-recorde-de-r-5405-bi-nas-contas-publicas-em-2020-22052020

[vi] Lembrando que o Brasileiro médio tem uma preferência significativa da poupança como veículo de investimento, com a queda da SELIC e consequentemente os rendimentos da poupança, esse investidor será compelido a mudar o perfil de risco para obter mais retorno.

 

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